“Parque de Diversões” mergulha na experiência arrebatadora de sexo e liberdade do cruising
Ricardo Alves Jr. fala à Bravo! sobre seu novo longa, que venceu o prêmio da crítica na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes e está em cartaz nos cinemas

Um parque de diversão é muitas vezes visto como um espaço familiar e infantil. Mas esse não é o caso do novo longa de Ricardo Alves Jr. (de Elon Não Acredita na Morte). Em seu novo filme, Parque de Diversões, o cineasta percorre esses espaços coloridos e lúdicos a fim de provocar uma experiência arrebatadora de sexo e de liberdade, tanto para seus personagens como para quem assiste tudo do outro lado.
Após ser exibido em festivais como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o MIX Brasil e o FID Marseille, na França, Parque de Diversões desembarcou na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, evento que aconteceu entre 24 de janeiro e 01º de fevereiro, e que marca o início do calendário anual de festivais nacionais. Da cidade mineira, longa saiu vencedor com o prêmio da crítica (Abraccine).
O filme propõe uma experiência imersiva que se passa no decorrer de uma única noite. O tema é apenas um: sexo. Sexo entre pessoas desconhecidas. O interesse de Alves Jr. não é o de apresentar personagens e suas histórias pregressas a fim de que a trama evolua a passos mais complexos.
O cineasta apenas quer filmar personagens anônimos que vagam por um parque fechado para o público, mas aberto para os prazeres carnais sem qualquer tipo de julgamento. E é isso o que ele faz, com takes provocantes, cenários coloridos e uma trilha-sonora de fundo que faz tudo ao redor vibrar.
Para a Bravo!, Alves Jr. fala sobre as origens de seu novo filme, que mergulha no universo do cruising (prática de atos sexuais anônimos em espaços públicos), a importância do cinema independente no sentido de criar histórias que provoquem o conservadorismo e muito mais. Confira a entrevista completa a seguir:
Bravo!: Como foi o processo de fazer o filme? Quais desafios encontraram durante a produção?
Ricardo Alves Jr.: Filmamos Parque de Diversões em um parque municipal de Belo Horizonte. E esse filme se deriva de meu filme anterior: Tudo Que Você Podia Ser. Durante as filmagens do Tudo, teria uma cena que seria feita dentro do parque. A gente chegou a filmar essa cena e, de repente, eu pensei: “Nossa, esse não é o corpo desse filme, é de um outro.”
Mesmo filmando um longa, tive certa urgência de fazer outro. Então, aproveitei esse tempo, logo no final do Tudo Que Você Podia Ser, e filmamos o Parque de Diversões nesse parque que está no coração de BH e que liga a cidade em vários pontos. Na década de 1970, era um lugar sem grades, de livre acesso, com muitos encontros gays, de pessoas anônimas.
O filme surge também a partir dessa vontade. Parque de Diversões foi rodado em uma semana. Foram cinco diárias noturnas, com a mesma equipe do Tudo Que Você Podia Ser, uma equipe bem pequena, inclusive. E com um grupo de performers, atores e artistas visuais da cidade de Belo Horizonte.
Eu não gosto de falar que o filme é sobre sexo — esse é um filme de sexo. É um filme que a gente fez completamente na raça, sem dinheiro público. E, num momento como esse, em que vivemos uma onda conservadora muito forte, onde realmente a extrema-direita tomou os artistas como inimigos e como centro de um ataque, um filme como esse eu não poderia fazer com dinheiro público, sabe? É independente mesmo, com toda a radicalidade que se propõe em termos de linguagem e conteúdo.

Para você, o quão importante é o ato de fazer um filme como esse em uma época na qual o conservadorismo anda tão em pauta?
O filme realmente tem esse gesto contra esse conservadorismo. Vivemos um momento de enfrentamento mesmo, de lutar pela liberdade das representações, de ser quem é. Temos de ocupar esses espaços, inclusive em termos de representação queer. O filme não representa toda uma comunidade, isso é importante falar. É um recorte, porque são diversas as possibilidades de comunidade.
Mas acho importante pontuar essa radicalidade que o filme banca. É uma coisa muito louca, porque o sexo ainda é um tabu, ainda é um assunto que gera contradições. Parque de Diversões é um filme explícito que está no limiar entre o erotismo e o pornográfico, e coloca o espectador num lugar de voyerista. É por isso que quando a pessoa fala sobre o que achou do filme, aquilo pode dizer muito sobre ela mesma. O sexo é uma coisa bem particular e subjetiva.
Parque de Diversões esteve na seleção da Mostra de Cinema de Tiradentes, um festival conhecido por ser fora da curva. Como se sente em exibir o filme aqui após passar pela Europa?
Estar em Tiradentes tem duas coisas. Primeiro, porque é um festival que, para mim, como realizador, é muito importante. Eu exibi praticamente todos os meus trabalhos aqui, de curtas a longas. E também é um festival que eu já vinha como público. Eu sou de BH, esse evento faz parte da minha formação como realizador. Cada vez mais, o festival está voltado a um cinema contemporâneo feito por diversas regiões do país. São diversas linguagens, diversas formas de representação. Eu acho isso muito provocador estar aqui, ver os filmes e também exibir Parque de Diversões no meio desses títulos.

Qual é a sua expectativa para a estreia do filme? Acha que a cota de tela ajudará a manter a produção em cartaz?
A cota de tela é super importante para garantir o espaço do cinema brasileiro, e para garantir o espaço do cinema brasileiro num bom horário, porque também tem isso, né? Às vezes acontece com certos programadores que programam filme brasileiro, mas num horário que é muito difícil, às 15h da tarde.
A cota de tela também vem para garantir que o filme vai chegar num horário possível, para que as pessoas vão ao cinema. Estamos animados para a estreia, especialmente porque o filme tem uma questão de risco, no sentido de experimentação. Mas também acho que é o momento do cinema brasileiro. Vamos colocar esse longa num cinema comercial e confrontar o público com a experiência. O que eu vejo após as sessões é que as pessoas reagem bastante ao filme. Não é uma questão de gostar ou não: é uma questão de entender o que a essa experiência pode provocar.