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Um olhar sobre “Infantaria”

Curta-metragem alagoano de Laís Santos Araújo chegou a concorrer por uma vaga no Oscar deste ano. Nós assistimos o filme durante a Mostra de Tiradentes

Por Nathalie Fragoso
Atualizado em 31 jan 2023, 18h41 - Publicado em 27 jan 2023, 09h56

Um hino militar e crianças disputam o sentido do título do filme. Ou se misturam nele: Infantaria. Quem adere, sem muita cerimônia ou pergunta, a esses nossos neologismos, e ignora por um momento as implicações militares da palavra, acredita se tratar de um múltiplo de infância. Quanto ao hino, como todo hino, é invocação; como todo hino militar, evocação do pai.

Cartaz – curta metragem Infantaria
(Infantaria/divulgação)

Há algo de muito precioso na escolha da forma como se empunha uma câmera. A câmera de Infantaria serve para olhar fundo e para perder de vista.

cena do curta metragem Infantaria
(Renata Baracho/divulgação)

Ela insiste num quadro, como quem pede que persistamos, apesar do eventual silêncio, apesar do eventual repouso. A câmera fixa se move para mostrar Joana, Eduardo, sua mãe e Verbena, e nos sugere que, seja qual for essa história, é uma história dos quatro.

Nos demoramos no olhar perdido de Verbena, que já aprendeu a nadar o rio, onde Joana ainda não nada. Nos demoramos na avidez de Joana, que brinca de se tornar mulher, e estreia em cena dizendo querer nadar o rio. Joana corre para alcançar a mãe. Sua boa mímica é alegórica, como toda boa mímica. Nos demoramos, finalmente, numa mãe compassiva, que alerta, socorre, enfeita, alimenta e interrompe.

Cartaz – curta metragem Infantaria
(Infantaria/divulgação)

Não tenho certeza se a mãe de fato não teve enunciado o seu nome próprio, mas acho que não, porque arquetípica. Em Infantaria, mãe é vida – embora saiba que haverá gente que diga ser o filme sobre o seu oposto. O Rio ladeia a casa onde reina a mulher, o Rio – dizem afro sabedorias – é reino de mulher. Todos os portais em Infantaria remetem às águas: portas e janelas azuis, cortinas de conchas nos umbrais. Joana fantasia o amor no rio que fantasia percorrer.

A câmera fixa, às vezes, nos abandona fora da cena. É um paradoxo, eu sei: se não o que está diante da câmera, o que é a cena? A câmera baixa os olhos ou deixa de erguê-los. Insiste que imaginemos, não quer revelar. A câmera sabe que sabemos. Essa história também é nossa. No que guarda um segredo, constrói conosco cumplicidade.

cena do curta metragem Infantaria
(Renata Baracho/divulgação)

Infantaria narra infância e representa sexualidade – nesse sentido mais amplo, nesse que é sentido emprestado aos corpos a partir do que lemos nos corpos a partir do que dizem os corpos. Sim, são camadas. É difícil catar os grãos de linguagem misturados aos grãos de carne. Infantaria escapa sem esforço ao exótico, e ao estigma. É familiar, em toda acepção da palavra. É doce também.

Eu queria dizer barroco, mas não vou cansar um cinema que renasce com uma palavra tão gasta. Se usasse, seria para dizer das contradições e dos adornos. Cores invernais e luz quente; simplicidade laboriosa; as tradicionais fotos posadas e a aniversariante em vestido de princesa; parede caiada, parede rica.

cena do curta metragem Infantaria
(Renata Baracho/divulgação)

Talvez não saiba ainda do que trata Infantaria. Estou convencida que é sobre tornar-se mulher e tornar-se o outro da mulher. Aqui, lembro de Dudu e do hino. Dudu busca meios de chegar ao pai. Todo homem de cabeça raspada é seu pai – provoca a irmã. Nosso pai – lembra ele, ou ameaça. Convencionamos fundir a ordem ao pai. Dudu chama a atenção da mãe desafiando, arrogante, as pretensões da irmã. Acha um pai ao telefone, quando forma um libelo. Não conhecemos a denúncia de Dudu, mas sabemos que seu objeto é “coisa de mulher”.

Cartaz – curta metragem Infantaria
(Infantaria/divulgação)

Onde os signos são muitos, alguns sentidos nos escapam. Por isso, não cravo um tema Infantaria, mas convido: assistam! Infantaria existe, o cinema alagoano existe e está prenhe – de coisa para dizer.

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Cartaz – curta metragem Infantaria
(Infantaria/divulgação)
Infantaria

Direção: Laís Santos Araújo Brasil – 2022 – 24 min

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