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OLÁ,

“A verdadeira dor” oferece um retrato delicado sobre o trauma geracional

O longa, que estreou esta semana nos cinemas, acompanha Jesse Eisenberg e Kieran Culkin nos papéis de dois primos que embarcam em uma viagem à Polônia

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 31 jan 2025, 12h11 - Publicado em 31 jan 2025, 10h00
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Jesse Eisenberg e Kieran Culkin em A verdadeira dor (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)
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Parece ser uma tendência que os filmes integrem cada vez mais elementos de diferentes gêneros e estilos cinematográficos em suas tramas. Tornou-se cada vez mais difícil classificar uma obra em uma única categoria; com um drama ou comédia. Talvez esse seja um reflexo do amadurecimento do cinema em sua busca por compreender e refletir a experiência humana. A Verdadeira Dor, de Jesse Eisenberg, faz isso com absoluta maestria.

O longa, que a princípio se apresenta como uma comédia ágil, revela camadas profundas de temas dolorosos, como depressão, luto e o Holocausto. A sinopse apresenta dois personagens que funcionam como opostos: os primos David e Benji, ambos judeus.

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Da esquerda para direita: Kurt Egyiawan, Will Sharpe, Kieran Culkin e Jesse Eisenberg em A verdadeira dor (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)

David, interpretado por Jesse, é um homem com pouco mais de 40 anos, bem-sucedido, aparentemente realizado no casamento e pai de um filho pequeno. Ele é metódico, correto e tomado por inseguranças – das mais triviais às mais existenciais. Se preocupa excessivamente com a forma como os outros o veem ou como podem se sentir em sua presença. Benji, por outro lado, vivido por Kieran Culkin, é impulsivo, sem filtros, inconsequente, mas extremamente autêntico. Juntos, os dois constroem uma dinâmica hilária, na qual David se vê responsável por controlar nas apenas os seus, mas também os atos e falas do primo.

A história é familiar: os rapazes foram inseparáveis na infância, mas tomaram rumos completamente distintos e se afastaram. Na vida adulta, reencontram-se para uma viagem à Polônia, financiada por uma herança deixada pela avó, cujo desejo era que eles conhecessem a casa onde ela viveu. O percurso inclui visitas a locais históricos, como campos de concentração e memoriais em homenagem às vítimas da Segunda Guerra. No percurso, a dupla se junta a um pequeno grupo de turistas, todos em busca de alguma conexão com os traumas familiares. Mas há uma motivação adicional para esse reencontro: por trás de sua natureza inquieta, Benji está profundamente deprimido e precisa de ajuda.

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Jesse Eisenberg e Kieran Culkin em A verdadeira dor (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)

Na sua incursão como roteirista e diretor, Jesse Eisenberg demonstra domínio absoluto na construção da química entre os protagonistas. Os diálogos são inteligentes, engraçados e alternam de tom com fluidez e precisão e é capaz de fugir das armadilhas dos clichês em filmes do gênero. Oferecendo uma visão autêntica e pouco presunçosa. Não à toa, o filme foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro.

A maior surpresa, no entanto, é a atuação de Kieran Culkin, que interpreta com imensa precisão um homem que nunca amadureceu, busca vantagens em qualquer situação, mas carrega uma dor silenciosa e um sentimento de desamparo, como quem está absolutamente perdido no mundo. Há pouca margem para dúvidas de que Kieran irá ganhar seu primeiro Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esse papel.

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O elenco reúne artistas experientes, capazes de deixar a sensação de vazio no espectador quando seus personagens se despedem dos protagonistas. Entre eles está a talentosa Jennifer Grey (Dirty Dancing), que retorna após anos afastada dos holofotes no papel de Marcia, uma mulher divorciada em busca de reconexão com suas raízes familiares. Outro nome de destaque é Will Sharpe, que tem se consolidado em grandes produções recentes, como The White Lotus. A Bravo! conversou brevemente com o ator sobre sua experiência em A Verdadeira Dor.

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Da esquerda para direita: Kieran Culkin, Jennifer Gray, Jesse Eisenberg, Kurt Egyiawan, David Oreskes e Will Sharpe em Jesse Eisenberg e Kieran Culkin em A verdadeira dor (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)
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Sharpe interpreta James, um personagem metódico e um tanto desajeitado, mas que se empenha genuinamente em proporcionar uma experiência transformadora para todos ao seu redor. “James conduz o grupo nessa jornada, compartilhando com eles e com o público o contexto da história do filme, que se desenrola principalmente entre os primos Benji e David. E, assim como os demais, ele também é afetado por essa semana ao lado dessas pessoas. Especialmente com Benji, interpretado por Kieran, há algo na sua honestidade e falta de filtros que acaba impactando a maneira como James vê seu próprio trabalho e tudo o que o cerca.”

O ator explica que, sob a direção de Jesse, compreendeu que a essência de James está no desejo de educar e entreter de maneira simples e direta, sem pretensão. Mas como os outros personagens, ele também é falho e excede em suas boas intenções. “Ele usou a palavra ‘philosomite’, que eu nunca tinha ouvido antes. É um termo que descreve alguém que, embora não seja judeu, se identifica profundamente com a cultura judaica. Em certas situações, isso pode gerar desconforto ou até mesmo um efeito cômico”, comenta Sharpe.

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Will Sharpe e Jesse Eisenberg em A verdadeira dor (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)
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Para Sharpe, o envolvimento de Jesse com o elenco foi fundamental para construir a autenticidade da dinâmica entre os personagens. Sem dúvidas, esse é um dos fatores que contribuem para o sucesso do filme.“Foi algo muito orgânico. Jesse é uma pessoa gentil e curiosa sobre os outros, interessado em entender quem cada um é e qual sua história. Isso criou um ambiente onde nos sentíamos à vontade para nos abrir e conversar. Muitas vezes estávamos hospedados nos mesmos hotéis e acabávamos compartilhando refeições, o que favoreceu essa troca e reforçou a sensação de proximidade.”

Se Jesse seguir nessa trajetória autoral, pode se consolidar como uma referência no estilo de comédias filosóficas e existenciais, especialmente em um cenário marcado pela ausência de Woody Allen após as acusações contra ele. Sem se prender excessivamente às influências do cineasta, Jesse constrói uma identidade própria, imprimindo à sua estreia um tom menos sarcástico e mais afetuoso. Seu olhar sobre os personagens transmite uma proximidade quase íntima, como se falasse de si mesmo e de pessoas ao seu redor. Esse aspecto pode ajudar a explicar a recepção positiva do filme, tanto pela crítica quanto pelos membros do Oscar.

A Verdadeira Dor já está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Cartaz do filme (Searchlight Pictures © 2024/divulgação)
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