Joaquin Phoenix: “Lady Gaga é o tipo de atriz com quem quero trabalhar”
Em entrevista, o ator detalha o processo de filmagem de "Coringa: Delírio a Dois" e sua relação com o diretor Todd Phillips e elenco
Todd Phillips enfrentou um desafio imenso ao construir o enredo de “Coringa: Delírio a Dois“, que estreia nesta quinta-feira (3) nos cinemas brasileiros. Isso porque ele precisou criar um filme que atendesse às expectativas do público e ainda fosse original.
Desta vez, o diretor apostou em uma abordagem muito mais realista do que nos primeiros filmes do Batman — lembre-se de que a Mulher-Gato, por exemplo, foi ressuscitada por gatos, enquanto o Doutor Freeze utilizava uma pistola de congelamento contra seus inimigos. Os encadeamentos do longa é fundamentado em premissas consistentes, em vez de depender de efeitos mágicos ou de eventos inexplicáveis. Essa nova perspectiva não se justifica tanto por um mundo dividido entre heróis e vilões, mas por indivíduos imersos em um sistema falho e violento. Na trama, a violência atua como um catalisador para mais violência.
Coringa caminha para se tornar um mártir. Ele está preso no Asilo Arkham, aguardando seu julgamento. Dentro da prisão, parece completamente desmobilizado: sem forças, vontade de viver ou personalidade. Tudo muda quando conhece Harley Quinn, interpretada por Lady Gaga, que reaviva seus desejos e sua persona.
A sequência gira em torno do dilema identitário do personagem. Talvez ele deseje apenas estar ao lado de alguém que o compreenda, em vez de se tornar o grande anti-herói que muitos torcem para acontecer. Neste momento da saga, ele está sendo avaliado por um tribunal do júri, que decidirá se será ou não condenado à pena de morte. Como no primeiro longa, há um subtexto com uma série de críticas a sociedade contemporânea, como as falhas do sistema carcerário, judicial e até da imprensa.
A Bravo! recebeu com exclusividade uma entrevista realizada com o ator Joaquin Phoenix, que mais uma vez brilha como protagonista. O astro compartilhou detalhes sobre os bastidores da produção e seu encantamento pelos colegas de elenco no novo filme. Leia a seguir:
Quando você e Todd Phillips começaram a conversar sobre uma sequência de “Coringa”?
Na verdade, bem cedo. Eu diria que foi mais ou menos na metade das filmagens do primeiro. E certamente não começamos o filme pensando em uma sequência, mas acho que o mundo se tornou tão rico e os personagens pareciam ter tantas possibilidades, tantos lugares que poderíamos explorar, e começamos a discutir o que poderia acontecer a seguir. Às vezes era em tom de brincadeira, e apenas surgíamos com ideias que nos faziam rir, e outras vezes discutíamos coisas com mais seriedade. Mas acho que algo que começamos a falar, ou uma das coisas que mais me marcou, foi essa ideia de: o que você faz quando se cansa de performar, de ser esse personagem que criou? Falamos um pouco sobre bandas como Kiss ou várias outras bandas teatrais que, em algum momento, estão em turnê por anos, e precisam manter essa persona, como Ozzy Osbourne, e o que acontece quando eles só querem ficar em casa, em silêncio, e não querem mais interpretar esse personagem? E o que acontece quando seu parceiro romântico se apaixonou mais pelo personagem do que por você? Essa foi uma das primeiras ideias de que me lembro de ter falado com Todd, e ficamos bem animados com isso. Provavelmente foi na metade de “Coringa”.
Como foi entrar nessa próxima fase e assumir esse novo capítulo de Arthur?
Bem, senti tudo. Havia uma parte de mim que estava relutante. A primeira experiência foi muito especial e eu não queria de forma alguma macular isso, mas também adorava a ideia de um desafio, de continuar a história, mas explorando diferentes tons. E começamos a falar sobre música e sobre a ideia de performance mais ou menos na época de… Nem sei se o filme já tinha sido lançado ou se tinha acabado de ser, mas começamos a falar daquilo como um show ao vivo. Eu ainda achava que havia muito mais a explorar com o personagem. Não queria desistir. E, por isso, fiquei empolgado, nervoso, e senti tudo que alguém pode sentir, acho.
Essa é sua segunda vez trabalhando com Todd, então como você descreveria essa parceria?
Para mim, é muito gratificante. Às vezes, você só quer aproveitar a companhia de alguém, e isso é muito importante. Você quer sentir que essa pessoa te desafia. O que procuro em um diretor é alguém espontâneo, que possa me guiar se decidirmos fazer algo novo em algumas tomadas, alguém que consiga pensar rápido e resolver problemas no momento, e Todd tem uma das mentes mais ágeis com quem já trabalhei. Ele nunca falhou comigo. Em qualquer momento, se eu dissesse: “Ah, tem uma fala que eu poderia dizer que fosse mais ou menos assim?”, ele voltava com três ou quatro falas que eram engraçadas, certeiras, ótimas, e perfeitas para o momento. Isso é muito importante, especialmente com esse filme. Acho que esse personagem neste filme está muito vivo, e Todd e Scott [Silver] nos deram um roteiro incrível, muito rico, inteligente, interessante, engraçado e comovente. Além disso, Todd tem essa capacidade de descobrir coisas novas de forma espontânea. Parecia que tudo estava muito vivo, e é raro trabalhar com alguém assim.
Teve alguma coisa que você achou diferente na abordagem dele para este filme em comparação ao primeiro?
É maior, há muito mais coisas acontecendo. Mas, essencialmente, não pareceu tão diferente. Nosso processo de trabalho juntos não mudou, mantivemos a relação que já tínhamos. E essa intimidade que tivemos no primeiro filme… de certa forma, o primeiro parecia pequeno em termos de produção, e isso não se perdeu, mesmo com o crescimento deste filme.
Todd descreveu Arthur como alguém que tem a música dentro de si. Você pode falar um pouco sobre o que isso significa do seu ponto de vista?
É algo que ele sempre mencionou no primeiro filme, e é engraçado porque havia aquelas sequências no primeiro filme — havia a dança, ele sobe as escadas no final, isso estava no roteiro. Mas depois descobrimos outros momentos que não estavam no roteiro, porque tínhamos a sensação de que havia algo na forma como Arthur e Coringa se movem no mundo — mais Coringa, na verdade — que parece musical de certa forma. Há algo estranhamente gracioso sobre ele às vezes. Existe um certo ritmo que motiva seus movimentos. Acho que isso estava parcialmente no roteiro, e depois fomos descobrindo mais conforme filmávamos. E acho que até tivemos… Houve alguns momentos em que estou cantando no primeiro filme, que não lembro se estavam no roteiro, talvez alguns estivessem. A música sempre fez parte dele. Talvez seja um lugar que o leva de volta. Há uma espécie de nostalgia na música que ele ouve.
No primeiro filme, vimos o surgimento do Coringa através da música em sua cabeça. Quando ele começa a se materializar, por assim dizer, é ao som da grande trilha sonora de Hildur [Guđnadóttir], e percebemos que essa é a música na cabeça dele e como ele se move com ela. E depois, na sequência da música e dança no final nas escadas, acho que desta vez estamos vendo tanto a música que está em Arthur quanto a música no Coringa. Acho que parte disso é ver qual é a sobreposição, se há uma sobreposição, e onde os dois lados da personalidade dele se encontram. E acho que muito disso é através da música que ele ouve em sua cabeça.
A trilha sonora de Hildur Guđnadóttir, novamente, é incrível, não é?
Sim. Algo que discutimos foi tentar, em alguns momentos, mesclar a música de Hildur, suas composições e performances, com algumas das canções que estavam sendo tocadas, ou em alguns dos momentos de dança. Por exemplo, há uma música, “When You’re Smiling”… Tentamos várias músicas diferentes só por diversão, e encontramos essa, então eu a toquei para Todd e ele gostou. E dissemos: “Ah, vamos tentar para esta cena. Vamos fazer algumas tomadas com ela e outras sem.” E depois, eles misturaram a trilha de Hildur com ela, e foi uma combinação muito interessante desses dois estilos de música, o que acho que capta o estado mental de Arthur/Coringa. Então, a música de Hildur é obviamente uma parte enorme do primeiro filme, e fiquei muito feliz que ela continue sendo uma presença tão forte neste filme também.
Você dança bastante, faz, inclusive, sapateado, neste filme. Você se divertiu preparando e ensaiando para essas cenas, com o coreógrafo Michael Arnold?
É engraçado, isso era algo que… Falei sobre sapatear no primeiro filme, porque houve um momento no primeiro em que entro no “The Murray Franklin Show” e faço esse pequeno giro, que acho que é algum tipo de movimento de sapateado ou algo assim que Michael Arnold apontou. Eu nem sabia exatamente o que estava fazendo. E isso foi algo que conversamos: “Se fizermos outro filme, eu adoraria que tivesse sapateado,” pensando que seria algo que eu seria capaz de fazer. Mas é tão difícil. Você move os pés de maneiras que não são naturais quando você está na casa dos 40 anos. Estou sendo sarcástico ao dizer que não gostei, gostei, mas achei muito desafiador.
Mas trabalhar com Michael… Eu tenho um grande respeito por ele como dançarino e coreógrafo, e ele realmente entende o personagem, ou melhor, os personagens, neste caso. Fiquei muito empolgado em voltar a dançar com ele e descobrir algo novo. Trabalhamos bastante, e é louco porque eu danço por cerca de 30 segundos no filme. Nem sei quanto tempo trabalhamos nisso, foi muito tempo. Mas apenas para conseguir os passos mais simples, pelo menos para mim, levou muito tempo. É sempre gratificante desafiar a si e tentar alcançar algo que parece impossível, ou pelo menos que parece impossível. É uma daquelas coisas difíceis de explicar para alguém, porque se veem um movimento simples de dança, um passo simples de sapateado, eles podem dizer: “Ah, isso é legal. Parece simples e fácil.” E você fica tipo: “Você tem ideia de quão difícil foi?” [Risos]
Podemos falar brevemente sobre alguns de seus co-estrelas no filme? Leigh Gill está de volta como Gary Puddles…
Leigh foi ótimo. Leigh foi alguém com quem Todd e eu conversamos muito cedo quando começamos a falar sobre diferentes ideias, novamente como parte de “não seria divertido ver…?” E à medida que as coisas foram ficando mais sérias, Leigh era alguém que definitivamente queríamos de volta. Ele deixou uma impressão muito forte em nós no primeiro filme. E me lembro da primeira cena que fiz com ele. Era uma cena com mais seis pessoas, e ele realmente se destacou, sendo tão honesto na leitura de suas falas. Então, sempre quis trabalhar mais com ele. Queria que ele estivesse em mais cenas. Em Coringa, tentamos encontrar outras cenas com ele porque ele era tão bom, então fiquei muito animado em tê-lo de volta em um momento tão importante neste filme.
Tem também o grande ator irlandês Brendan Gleeson, que interpreta Jackie Sullivan, seu guarda principal em Arkham no filme...
Também é um ator que eu amo. Na verdade, trabalhei com ele, não consigo me lembrar exatamente quando, mas anos atrás, então foi ótimo vê-lo novamente. Me lembro de ver aquele filme chamado “The Village”, e pensar que ele era um ator incrível.
Todd ama comediantes ou atores cômicos. As escolhas de elenco são sempre interessantes porque são inesperadas. Por exemplo, Steve Coogan interpreta o entrevistador de Arthur, Paddy Myers.
Bem, é engraçado sobre Steve Coogan, porque Todd e eu estávamos conversando sobre diferentes atores e, por algum motivo, lembro-me de que Steve simplesmente surgiu na minha cabeça. Não sei por quê, exceto que sempre gostei dele. E eu disse: “E Steve?” E Todd disse: “Olha, Scott Silver realmente gostava de Steve e estava pensando nele para este papel também, e eu tenho pensado nele e falado sobre ele.” Pareceu um daqueles momentos de extrema coincidência em que todos estávamos pensando em quem poderia ser uma escolha de elenco interessante e alguém que seria ótimo. Então, Steve veio, literalmente voou da Inglaterra, e no dia seguinte já estava filmando. Ele fez um teste na noite em que chegou, e no dia seguinte estava filmando, sem hesitar por um segundo, com todas aquelas maneiras de falar sutis e brilhantes, e nós estávamos maravilhados com ele. Foi um daqueles momentos em que queria apenas me recostar e poder assisti-lo e não estar na cena, porque eu simplesmente achava o que ele estava fazendo tão incrível. Então foi incrível trabalhar com ele.
O designer de produção Mark Friedberg está de volta, e mais uma vez, os cenários são extraordinários. Podemos falar um pouco sobre o cenário de Arkham, o tribunal. Teve algo que se destacou para você?
Na última vez, filmamos muitas cenas externas, e para as internas, meu apartamento e o corredor do apartamento, e depois o escritório dos assistentes sociais, e o corredor final de Arkham… Isso é o que lembro das construções do filme anterior. E então ele fez todo esse trabalho incrível nas estruturas existentes, é claro, para fazê-las funcionar. Eu realmente não sabia o que ele iria fazer com essas construções porque eram muito mais expansivas do que no primeiro filme.
Quando cheguei ao estúdio — quase todo o trabalho foi interno, então quase tudo que você vê no filme é uma construção — e foi bastante chocante entrar em um espaço, porque muitas vezes uma construção há três paredes e é isso, e você terá salas separadas espalhadas pelo local. Mas isso foi entrar em um estúdio e era a totalidade de três corredores, um banheiro, a estação de enfermagem, a sala principal que leva ao refeitório, tudo em um espaço conectado. E ao entrar ali, você sentia que estava em um espaço completo. É difícil descrever quão importante isso é para um ator.
Tenho certeza de que Todd e Larry [Sher], o diretor de fotografia, adoraram também, não sei, mas posso falar apenas por mim como ator. Sentir que o espaço está vivo e acessível dessa maneira é apenas um presente. Ele fez um trabalho incrível. Então há tanto — o que é muito visceral e imediato e autêntico, espaços que parecem reais e são do mundo real, e depois há esses elementos fantásticos para essas sequências de fantasia que estavam do outro lado do espectro. E foi incrível ver uma pessoa projetar assim dentro do espaço e ver esses dois extremos diferentes, desde o Arkham deteriorado e quebrado até a ideia de algo quase celestial ou romântico, e foi bastante impressionante ver os cenários dessa forma.
Arianne Phillips, sua figurinista, baseou-se no que vimos no filme anterior, mas projetou muito que é novo. Quero dizer, você realmente parecia que vivia naquele espaço, em Arkham.
Eu acho que, de forma semelhante, era parte do que talvez todos tivessem que fazer de alguma maneira, perguntar: “Como acessamos a dura realidade do que Arkham deve ser, e então também esses momentos de escape, onde queremos que as coisas sejam quentes e bonitas e românticas e clássicas?” E Arianne conseguiu isso através dos trajes de forma brilhante. Lembro de entrar e ver todos os diferentes ternos—o terno branco e o terno azul claro—e eles eram tão bonitos, os detalhes e o corte. Ela é uma verdadeira mestre do corte, então foi realmente ótimo trabalhar com ela. Alguém com quem trabalhei muitos anos atrás, então foi bom trabalhar com ela novamente, ela fez um trabalho brilhante.
O que você acha que faz com que esses filmes, esses dois filmes agora, toquem o coração do público?
[Risos] Bem, vamos não contar os ovos antes de eles chocarem.
Então, finalmente, o que mais te impressionou em Lady Gaga?
Nossa, cara, tanta coisa, mas tenho que dizer que fiquei impressionado com o quão comprometida, trabalhadora e acessível ela era. Talvez parte disso inicialmente fosse apenas devido às minhas próprias ideias preconcebidas sobre como uma superestrela deve ser, porque ela é como uma superestrela de verdade, mas percebi o nível de compromisso que ela tinha. Ela chegava ao set pela manhã e simplesmente ficava lá. Havia apenas um pequeno quarto de vassoura com algumas cadeiras ali, e ela estava lá, ou olhando o roteiro ou disposta a conversar sobre as cenas. E acho que Todd e eu gostamos de passar muito tempo e tentar novas coisas e coisas diferentes, e nem todo mundo pode fazer isso ou quer fazer, e eu fiquei apenas maravilhado com o quão flexível ela era, quão rápida ela era para mudar do que pensava que uma cena poderia ser para tentar algo novo.
Isso foi incrível para mim, é o tipo de atriz com quem quero trabalhar. E ela nunca desistia, não importava que tipo de variação Todd quisesse tentar, ela apenas dizia: “Ok, sim”, e então ela tentava algo novo. Houve momentos que pareciam realmente autênticos. Me lembro de, no início, fazer uma cena e filmamos meu close primeiro, e então viramos para o dela e ela estava tão boa e tão honesta, e eu disse: “Todd, precisamos refilmar o meu porque agora vejo o que eu deveria estar fazendo.” Ela foi realmente impressionante.