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Johnny Massaro examina raízes da violência masculina em novo filme

Em circuito em festivais de cinema pelo país, filme “A Cozinha” marca a estreia do ator na direção

Por Humberto Maruchel
9 dez 2022, 11h49
cena do filme "a cozinha" dirigido por johnny massaro
 (A cozinha/reprodução)
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2021

Cansado do Rio de Janeiro e isolado devido a covid-19, o ator Johnny Massaro decidiu mudar de ares durante a pandemia e viajou para a cidade de Guapimirim, na Baixada Fluminense. Lá, iria aproveitar a tranquilidade da natureza e a calmaria dos dias para montar seu curta-metragem, Depois quando. No meio do caminho, veio um pensamento. Ou melhor, a manifestação de um desejo: “Tomara que surja um momento que alguém me convide para dirigir alguma coisa, e que eu não precisa produzir.”

No município, que fica cerca de 80 km de distância da capital carioca, e que tem como ponto turístico mais conhecido o pico Dedo de Deus, o universo atendeu aos pedidos de Johnny: “No mesmo dia, [o ator] Felipe Haiut me ligou falando ‘Lembra da peça A Cozinha? Eu adaptei para o cinema e estou sabendo que você está dirigindo, se você quiser…”

Johnny Massaro
(Andressa Guerra/divulgação)

“Tomara que surja um momento que alguém me convide para dirigir alguma coisa, e que eu não precisa produzir”

Johnny Massaro, diretor

Felipe deixou o convite no ar. De fato, Johnny estava dando alguns passos na direção, como foi o caso de Amarillas e Depois Quando. A alternância nas funções no audiovisual já havia se tornado um hábito do ator, que, ocasionalmente, se vê na responsabilidade de produzir os projetos em que se envolve – tipo de trabalho que pode ser um pouco amargo.

“Aí eu pensei ‘está bem, universo, entendi o recado’. E respondi ‘quero dirigir, mas não vou produzir de jeito nenhum’.” O que, claro, seria pedir demais do cosmos.

cena do filme
(A cozinha/reprodução)

2022

Outubro, um mês intenso para Johnny. Pouco mais de um ano desde a ligação de Felipe Haiut, o ator e diretor estreava o média metragem A Cozinha nos principais festivais do cinema nacional. Durante a 47º Mostra de Cinema de São Paulo, falamos no almoço, antes da exibição do filme no Cineclube Cortina, na região central de São Paulo.

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Com poucos lugares, o espaço facilita o diálogo e contato olho a olho entre plateia e artistas. Perfeito para Johnny, que ainda está coletando impressões da crítica e do público, coisa que pretende continuar fazendo durante todo resto do percurso do filme até a fase de distribuição nas salas comerciais. “Tem um processo muito louco de entendimento, que acontece para mim, tanto como ator e agora como diretor, que é a compreensão contínua da obra, do momento em que ela nasce até esse contato com os espectadores. Ela não se dá somente quando estamos nos preparando, nem atuando, dirigindo ou montando, mas também no momento que o filme chega nas pessoas, que podemos ouvir e, a partir dali, entender outros pontos de vistas”, explica.

O texto de A Cozinha foi escrito pelo ator e roteirista Felipe Haiut, conhecido por ter participado da série adolescente Malhação, e pelo filme Minha Mãe é Uma Peça 2. A obra se desenrola numa noite de encontro entre dois casais. Um deles vivido por Felipe e Julia Stockler, que estão dando um tempo e vivem a incerteza de reatamento. Já os outros dois personagens, interpretados por Saulo Arcoverde e Catharina Caiado, estão noivos, apesar dos inúmeros sinais de que aquela união é um desacerto.

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A reunião vira a noite carregada de álcool, de assuntos sem nexo, constrangimentos, ataques pessoais entre os presentes, e o resgate de lembranças vividas pelos dois homens, que se conhecem desde a infância, embora tenham se afastado na vida adulta. É justamente a partir da partilha dessas memórias que os conflitos se instauram a ponto de descambar em um cenário de quase guerra, da violência sutil nas palavras até agressões físicas. Não por acaso, é a masculinidade de ambos que está em jogo.

Felipe diz que o projeto da peça nasceu da experiência com seu grupo de teatro Projeto Nómada. Sua companhia tem como prática criar histórias a partir de lugares quaisquer, que fogem dos limites do teatro. A trama, entretanto, foi desenvolvida a partir de questões íntimas do ator: “Esse é um texto muito pessoal. Ele é auto ficcional e parte de questões que estava lidando em relação à sexualidade, entendendo o meu lugar no mundo e o que é ser um homem nesse mundo. Buscando entender o que é essa masculinidade, que é uma ficção que nos é ensinada desde pequeno.” A dinâmica e os olhares irritados causam no público a impressão de que seria melhor se aquele encontro nunca tivesse acontecido. Por esse mesmo motivo, é fácil encontrar familiaridade com aquela experiência.

Johnny Massaro
(Andressa Guerra/divulgação)

Não é novidade que Johnny detém uma carreira de prestígio enquanto ator, mas se sente um aprendiz ao comandar os aspectos criativos de uma produção. Logo, ainda lida com os embaraços de ter de provar suas aptidões e fazer novamente seu nome: “Quem olha para um diretor de primeira viagem e confia? Eu só pude fazer o filme por conta das tentativas e também de ter conseguido dirigir três curtas antes. Tenho muita consciência de que só tive essa possibilidade, enquanto o diretor e produtor, porque, felizmente, tenho uma vida financeira saudável como ator, o que me possibilitou investir no filme. Pois não teve outra fonte de renda. Muito após a gente ter filmado, conseguimos da Aldir Blanc, que pagou metade da pós-produção. Tenho consciência desse privilégio.”

“Esse é um texto muito pessoal. Ele é auto ficcional e parte de questões que estava lidando em relação à sexualidade, entendendo o meu lugar no mundo e o que é ser um homem nesse mundo. Buscando entender o que é essa masculinidade, que é uma ficção que nos é ensinada desde pequeno.”

Felipe Haiut, ator
cena do filme
(A cozinha/reprodução)

Dos palcos às telas

Criada para o teatro, A Cozinha tem uma composição intimista. As poucas mudanças de cenário, a atenção aos detalhes da cozinha e dos utensílios domésticos aludem à experiência cênica do palco. A memória do palco faz parte do amadurecimento do filme.

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“Eu e o Johnny somos amigos há algum tempo. Ele morava numa casa no Humaitá e um dia olhei para cozinha dele e falei ‘quero fazer uma peça nessa cozinha’.” Quando o texto ganhava corpo, foi o cômodo de Johnny que virou um teatro improvisado. Os dois amigos combinaram um escambo para viabilizar as apresentações.

“Johnny tinha uma geladeira terrível, que mal fechava a porta. Abria e caía coisa do congelador. Eu falei: ‘amigo, se eu te der uma geladeira, posso fazer a peça na sua casa?’, e assim foi. Dei a geladeira da minha tia, que tinha acabado de falecer”, conta Felipe. “Minha tia é, em memória, a patrocinadora da peça. Então começamos a nos apresentar lá. Começamos com 20 pessoas assistindo e, no final, a gente tava atochando mais de 50 pessoas na cozinha do Johnny em dois meses de temporada.”

“O Haiut escreveu o textopara a cozinha da casaonde eu morava, e não pude fazer. Acho que isso mostra como a gente deve confiar na vida, né? Porque naquele momento eu pensei ‘poxa queria fazer a peça na minha casa, com os meus amigos’”
(Andressa Guerra/divulgação)

Inicialmente, Johnny participaria como ator na peça, mas estava envolvido com outro projeto. “O Haiut escreveu o texto para a cozinha da casa onde eu morava, e não pude fazer. Acho que isso mostra como gente deve confiar na vida, né? Porque naquele momento eu pensei ‘poxa queria fazer a peça na minha casa, com os meus amigos.’” Mesmo sem ter atuado, criou intimidade com o material, já que ficava escutando o texto do quarto, que ficava acima da cozinha.

Foi justamente nesse processo de escoltar a obra do começo ao fim – que não é exatamente uma etapa final – que permitiu que Johnny encontrasse a grande pergunta do filme, ou ao menos da sua perspectiva: “Pouco depois do Festival do Rio e antes da Mostra, entendi o questionamento do filme. A pergunta é: se esses personagens tivessem tido uma infância com as suas sensibilidades, as suas inseguranças, as suas possibilidades abraçadas, será que eles precisariam recorrer à violência enquanto resposta? Será que muitos homens que utilizam da violência, se a infância fosse, de fato, um lugar protegido, seriam tão violentos? Acho que a gente, enquanto sociedade, esquece um pouco desses dois polos tão essenciais da vida, que é a infância e a velhice.”

cena do filme
(A cozinha/reprodução)

Para o ator – e diretor – esse assunto salta para fora da tela e toma seus pensamentos no dia a dia também: “Me incomoda a violência e quero muito tentar evitar, em próximos momentos, retratá-la, mas não sei se isso será possível, porque acho que a violência faz parte da nossa natureza. Eu mesmo preciso dialogar com esses lugares, pensamentos violentos sobre mim e sobre o outro. Como a gente administra isso e controla para não ficar à mercê dos nossos pensamentos?”

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A pergunta reflete também as aflições de Felipe Haiut, que encontrou nesse projeto uma maneira de remendar alguns tormentos do passado: “Já sofri muita homofobia em vários trabalhos, em set de filmagem. Então essa foi uma oportunidade de a gente criar uma ética, pelo menos nos projetos em que a gente trabalha. Isso faz muito parte da minha produção com Johnny, do nosso cuidado ao longo desse projeto, que envolveu uma ética com afeto e com acolhimento, mas também antirracista e anti discriminatória.”

cena do filme
(A cozinha/reprodução)
A Cozinha

Direção: Johnny Massaro
Brasil – 2022 – 61 min

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