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Karla Sofia Gascón fala sobre rivalidade do Oscar e polêmicas de Emilia Pérez

Em visita ao Brasil, atriz de Emilia Pérez fala sobre peso de ser a primeira mulher trans a ser indicada ao Oscar de atuação e a disputa com "Ainda Estou Aqui"

Por Barbara Demerov
4 fev 2025, 08h00
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Karla Sofia Gascón em cena do filme Emilia Perez (2024) (IMDB/reprodução)
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Detentor de 13 indicações ao Oscar 2025, Emilia Pérez se encontra em um lugar, no mínimo, curioso. O filme não é exatamente o favorito absoluto do público nesta temporada de premiações, mas ainda assim garantiu o posto de produção mais indicada deste ano. Isso seria até contraditório, não fosse pelo fato de o Oscar ser uma premiação cujos membros são da própria indústria audiovisual, como atores e diretores.

A dupla vitória no Globo de Ouro (celebração na qual os votantes são membros da imprensa internacional) também entra na conta que parece não fechar: até o momento, Emilia Pérez pode tirar o Oscar de Filme Internacional das mãos do brasileiro Ainda Estou Aqui.

Polêmicas de Emilia Pérez

Na América Latina, o longa do cineasta Jacques Audiard enfrenta há meses uma onda de críticas e polêmicas de diferentes nichos — incluindo a comunidade LGBTQIA+. Muitas pessoas encaram a transição de gênero apresentada no longa como desrespeitosa e superficial. Há, ainda, o fato de Audiard ser francês e o filme ter sido rodado inteiramente na Europa, bem longe do verdadeiro cenário da narrativa: o México. 

Nada dsso não parecia um problema para a Academia do Oscar, que indicou o longa em diversas categorias. Mas, nessa tempestade que se forma há tempos, entra a atriz trans Karla Sofia Gascón. Desde o início da corrida de prêmios, a espanhola garantiu uma posição incisiva e bem ativa nas redes sociais. Tal presença nunca passou despercebida pela imprensa, mas nos últimos dias tudo saiu de controle.

Gascón, indicada ao Oscar de Melhor Atriz, visitou o Brasil como parte da campanha de Emilia Pérez e, na entrevista que concedeu ao Jornal Folha de S.Paulo, afirmou que pessoas que trabalham no mesmo ambiente de Fernanda Torres, protagonista de Ainda Estou Aqui, “falam mal dela e de Emilia Pérez”.

A declaração gerou impacto imediato na imprensa brasileira e internacional, praticamente minando as chances de Gascón levar o Oscar de Melhor Atriz. Soma-se a tudo isso o fato de, logo depois, internautas terem “escavado” tuítes antigos de Gascón com comentários negativos relacionados ao islamismo, ao caso do assassinato de George Floyd e ao próprio Oscar. Nessa reta final, a espanhola, Fernanda Torres e a norte-americana Demi Moore (por A Substância) eram consideradas as mais cotadas. Hoje, o cenário prioriza os dois últimos nomes.

Entenda o filme Emilia Pérez

Na trama, acompanhamos Rita (Zoë Saldaña), advogada incumbida de ajudar um chefe de cartel mexicano a mudar de vida e se tornar a mulher que sempre sonhou. A mulher, no caso, é Emilia (Karla Sofia Gascón), que deixa para trás a esposa (vivida por Selena Gomez) e filhos a fim de encontrar a própria paz consigo mesma após uma vida de violências e crimes. No meio disso tudo, há, ainda, um musical.

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Audiard faz escolhas tão impactantes quanto controversas, a começar pela visão considerada superficial sobre a transição de gênero. Visão essa amplamente criticada por focar em estereótipos: em certo ponto, Emilia, que passa por cirurgias para “mudar de sexo”, é descrita como “metade homem, metade mulher”.

Em visita ao Brasil, Karla Sofia Gascón fala a Bravo! sobre a rivalidade que o público criou entre seu filme e Ainda Estou Aqui, a importância de ter sido a primeira mulher trans indicada ao Oscar de Melhor Atriz, além de detalhes sobre a história de Audiard.

Bravo!: Emília Pérez começou sua carreira em Cannes. Recordando como foi o festival, você sentia que o filme teria um impacto tão forte?

Karla Sofia Gascón: Quando eu recebi o roteiro pela primeira vez, eu disse: “Uau, isso é mais estranho do que um cachorro verde”. Foi a primeira coisa que pensei. E, quando estávamos filmando, comecei a entender a dimensão do que esse filme poderia ser. Mas, para te falar a verdade, a primeira vez que eu entendi que Emilia Pérez seria algo especial foi quando o Jacques Audiard me chamou no set e disse: “Venha se ver pela primeira vez como Manitas no monitor”. Eu não me reconheci quando me vi naquela tela. Pensei que aquele personagem era assustador, e aquilo foi maravilhoso.

Depois, obviamente, quando eu fui em Cannes, eu sabia que ia subir as escadas de uma forma e ia descer de outra forma. Eu não sabia muito o que esperar porque eu não havia visto o filme até Cannes. Mas, quando o filme começou, vi que aquela era uma obra primorosa.

Bravo!: Foi apenas lá que você sentiu o impacto de protagonizar o filme?

Karla Sofia Gascón: Sim. Em Cannes eu vi que até os jornalistas têm um código de vestuário. Eles têm que usar roupas formais. Aquilo me pareceu muito lindo, uma celebração do cinema como algo importante. Temos que dar o valor que o cinema merece. Acho que ele é um instrumento muito importante que nós, humanos, tivemos, e vamos continuar tendo para o desenvolvimento e evolução do próprio ser humano. O cinema é um meio de alcançar outras vidas, de contar histórias de outras pessoas, para que todos nos entendamos e reflitamos sobre muitas questões que nos preocupam. Em Cannes, eu me senti parte da história.

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Karla Sofia Gascón no filme Emilia Pérez (Divulgação/divulgação)

Bravo!: Estamos no Brasil, em São Paulo, e aqui surgiu uma rivalidade na internet entre Emília Pérez e Ainda Estou Aqui. Há muitas pessoas que dizem que não gostam do filme, mas sem vê-lo. O que pensa sobre isso?

Karla Sofia Gascón: Tenho que te dizer que você estava indo muito bem e teria ganhado um prêmio, porque estou dando um prêmio a todos que não me perguntarem sobre isso, então lamento dizer que não posso lhe dar meu prêmio [risos]. Mas sobre o assunto, a verdade é que eu não tenho nenhum tipo de rivalidade, nem Emilia Pérez tem. É algo dos brasileiros, e nem só deles: é um grupo de pessoas que acha que, ao fazer isso, vai elogiar outro filme no lugar. Este é o erro que eles cometem, eu acho. Quando você confia no que foi feito, no que fez, você não precisa jogar fora o trabalho dos outros de forma alguma. Conheço Fernanda Torres pessoalmente, adoro ela e acho que ela merece tudo de melhor nesse mundo. Não estamos em nenhuma competição. Eu adoro o Brasil e Emilia Pérez tem fãs aqui. Eu realmente espero que as pessoas assistam aos dois filmes — preferencialmente em uma sessão dupla, com um seguido do outro. Ambos os filmes são maravilhosos.

Bravo!: O título do filme é Emília Pérez, mas todos os personagens femininos compartilham um papel importante. Como foi trabalhar em uma obra em que as mulheres se complementam?

Karla Sofia Gascón: É maravilhoso. Primeiramente, porque, se você notar, houve um caminho no cinema que nos levou a ter uma imagem da mulher como uma pessoa fraca, que precisava de um senhor que a resgatasse ou a liberasse de toda a sua humilde e sofrida existência. Por isso, trabalhar com personagens tão potentes, e com atrizes tão impressionantes, é maravilhoso.

Mas acho que nesta temporada, em todos os filmes, as atuações mais interessantes ou aquelas que mais interessam a todos, são as da categoria feminina. É muito legal que elas estejam ganhando cada vez mais força e que haja mais referências que não sejam apenas as mesmas que já conhecemos. Esse movimento está sendo muito bonito de acompanhar.

Karla Sofia Gascón

Bravo!: Você é a primeira mulher trans a receber a indicação ao Oscar de Melhor Atriz. O que significa esse reconhecimento para você?

Karla Sofia Gascón: Eu diria a você — ou gostaria de dizer — que significaria a mesma coisa se me dissessem que eu fui a mulher mais alta a receber essa indicação. Eu adoraria te falar isso, pois não significaria nada.

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Mas infelizmente vivemos em um mundo onde há muitas pessoas que odeiam o fato de que outras pessoas tenham controle sobre seus corpos e suas vidas. Elas não querem isso. E eu tenho uma responsabilidade muito grande — não porque alguém me elegeu democraticamente como representante de alguma coisa, mas sim uma responsabilidade social de poder tornar o mundo um pouco melhor, ou que minhas palavras sirvam de incentivo para que outras pessoas se sintam mais apreciadas. No entanto, ainda são muitas as primeiras vezes, especialmente no Oscar.

Bravo!: Emília Pérez é um filme que mistura vários gêneros e, de certa forma, uma aposta que poderia ter saído mal aos olhos da crítica. Como você se sentiu na primeira vez em que leu o roteiro?

Karla Sofia Gascón: Precisamente, é uma história que poderia ter sido fatal! Quando você lê todo essa miscelânea de ideias, logo pensa: “Como vão fazer isso?”. Mas sabe o que foi muito interessante? Junto com o roteiro, a equipe de produção me deu, digamos, uma novela de rádio gravada da forma como eles queriam que o filme fosse. E eles fizeram isso muito bem. É algo que eu nunca tinha visto, ou nunca tive a oportunidade de trabalhar dessa forma em nenhum outro filme ou trabalho para a televisão.

Tudo foi gravado como se fosse uma radionovela e isso nos fez entender o filme muito melhor. Acho que sem esse complemento, se tivéssemos visto apenas o roteiro, teria sido mais difícil entendermos a dimensão do filme Emilia Pérez.

Isso mudou completamente nossa perspectiva. É muito interessante como usar os meios à nossa disposição nos ajuda a entender um filme e a chegar a um lugar mais claro. É o mesmo que os storyboards que eles fazem para publicidade ou coisas do tipo, para que você entenda melhor as coisas.

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