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A vida de Marco Nanini em biografia

Com uma grandiosa carreira de mais de 50 anos, o ator começa o ano com o pé direito. Entre os novos projetos, se prepara para interpretar João de Deus

Por Humberto Maruchel
30 mar 2023, 23h36

O ator Marco Nanini, 74, nunca se encontrou em qualquer religião. Não foi por falta de tentativa, ao menos não por parte de sua mãe, Cecy. Quando ainda era menino, acompanhava a mãe nas missas de domingo. Tímido, mas curioso, era o único entre os adolescentes que embarcava nas encenações dos feriados religiosos. Certo dia, no auditório da igreja, se deparou com um grupo de teatro amador, que ensaiava o espetáculo infantil O bruxo e a rainha. Logo se amigou com os atores. Entre eles, estava Pedro Paulo Rangel, com quem Marco construiria uma amizade de vida toda.

Conversa vai, conversa vem, e Marco, jovem, sem qualquer experiência com o teatro, foi convidado para substituir um dos atores, que precisou abandonar os ensaios. Essa teria sido sua primeira incursão pelos palcos, numa carreira que o consagraria como um dos maiores atores do país. Mais de 50 anos desde a primeira experiência no teatro, Nanini segue trabalhando incansavelmente no cinema, na televisão e nos palcos. Neste mês, sua biografia O avesso do bordado, escrito por Mariana Filgueiras, foi lançada pela Companhia das Letras. Nela, a jornalista se adensa na história do jovem pernambucano que cresceu se perdendo pelos corredores dos diversos hotéis em que os pais trabalharam. E como um ator saltimbanco que se tornaria, foi construindo sua identidade a partir das imagens e impressões colecionadas das cidades em que percorria.

Marco Nanini
(Leo Aversa/rede Abril)

Há 12 anos, Marco Nanini foi capa de uma edição desta revista Bravo!, momento em que foi ganhador do Prêmio Bravo! de Cultura. Foi nessa entrevista ao jornalista Armando Antenore que falou publicamente, pela primeira vez, sobre sua sexualidade. E foi nela que antecipou sua preocupação com o dia que o sucesso lhe abandonasse. Uma ansiedade que se mostrou falsa e improvável.

Há 12 anos, o senhor foi capa da revista Bravo e, em uma de suas falas, disse estar se preparando para quando o sucesso se retirasse. Esse tempo passou e o senhor continua trabalhando freneticamente e está lançando uma biografia. O que você tem a dizer sobre aquele pensamento naquela entrevista? O que mudou?
Eu continuo me preparando para quando essa onda passar. Não tem jeito, eu vou fazendo as coisas até quando der. Quando não der mais, eu paro. Não imaginava que em 2023 ia estar no mesmo ritmo, mas já sinto o peso da idade. Faço muito exercício, fisioterapia, pilates cinco vezes por semana, ando de bike. Virei vegetariano, não fumo, não bebo.

Marco Nanini, vencedor da categoria Melhor Espetáculo de Teatro com a peça
Marco Nanini, vencedor da categoria Melhor Espetáculo de Teatro com a peça “Pterodátilos” e na categoria Artista Bradesco Prime do Ano, na 7ª edição do Prêmio Bravo! Bradesco Prime de Cultura, no Auditório Ibirapuera. (FABIO DUQUE/rede Abril)

Curioso que a primeira pergunta nessa mesma entrevista é, justamente, se o senhor fuma. Faz tempo que o senhor parou?
Comecei a fumar durante uma peça, Mão na luva, que fiz no Rio. E ali tinha uma cena em que eu fumava. Pedi para o diretor não fazer isso, mas ele ficou penalizado e disse: ‘fica tão bonito o cigarro no foco de luz’, aí eu cedi. Comecei fumando uma cigarrilha, que não tragava, mas depois comecei a tragar. Comecei a ficar viciado na cigarrilha, depois passei para o cigarro. Após muito tempo, procurei parar, busquei ajuda, fui a um médico, tomei remédio e fiz tratamento.

Faz tempo que parou?
Faz uns 7, 8 anos.

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Foi aí que o senhor parou de comer carne?
Não, foi neste ano. Durante a pandemia fui diminuindo a carne. Hoje, nem ovo eu como mais. Minha digestão ficou melhor. Faz falta, mas me sinto melhor, mais leve, durmo melhor.

“Eu me interessava mais pela tragédia, mas nunca fiz uma. Tinha uma vocação para o humor, mas não sabia. Fiz um teste para entrar na escola de teatro, e eu tinha que subir no palco e dar uma volta num banco, mas fiquei tão nervoso que derrubei o banco de um jeito desengonçado, meio engraçado e aquilo ficou”

Marco Nanini

Não vou pedir para o senhor contar toda sua história porque acho que a biografia existe para isso, mas tem um aspecto muito bonito que é durante a sua infância, quando acompanhava seu pai nos hotéis em que ele trabalhou. Foi naquela época em que nasceu sua curiosidade pelo teatro?
O interesse pelo teatro simplesmente surgiu, eu nem sei quando. Sei que meu pai me levou para assistir a um espetáculo de teatro, eu era muito jovem. Fiquei encantando com aquela caixa, e fiquei com essa coisa na cabeça. Me interessei em ser ator, entrei para um teatro amador, na sala da igreja. Tinha um amigo, o Pedro Paulo, que faleceu recentemente. Eu descobri que tinha uma escola de teatro, fizemos o vestibular, passamos e fizemos juntos. Aí comecei a entrar nesse mundo.

carteira conservatório de Teatro Marco Nanini
(Marco Nanini/arquivo pessoal)

O livro traz uma breve passagem sobre o seu encontro com a Dercy Gonçalves. Imagino que você tenha aprendido muitas coisas com ela.
Foi muito marcante, eu gostava dela. Achava ela muito escrachada, engraçada. Depois, eu a conheci, ficamos muito amigos e foi um grande aprendizado. Esse início da minha vida no teatro foi marcado por aprendizados. E continuo aprendendo até hoje.

A autora menciona também o seu gosto pelo improviso, isso já era presente no início da sua carreira?
Não, isso surgiu numa peça chamada As desgraças de uma criança. Eu falei uma ou duas frases de improviso. Depois três, quatro, meia página, e foi aumentando. Foi um grande sucesso esse improviso. Mas depois disso passei a seguir à risca os textos. Foi um momento.

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Marco Nanini
(Marco Nanini/arquivo pessoal)

E o senhor sempre se interessou mais pelo humor do que pelo drama?
Eu me interessava mais pela tragédia, mas nunca fiz uma. Tinha uma vocação para o humor, mas não sabia. Fiz um teste para entrar na escola de teatro, e eu tinha que subir no palco e dar uma volta num banco, mas fiquei tão nervoso que derrubei o banco de um jeito desengonçado, meio engraçado e aquilo ficou. Depois eles me deram o texto de uma peça dramática chamada Juno e o Pavão, e eu não queria fazer de jeito nenhum, mas o professor não deixou, disse que tinha que fazer. Fiquei chateado porque meu personagem era o único cômico, os outros eram todos dramáticos. Eu fiz e quando comecei, os colegas começaram a rir, achei que estivessem rindo de mim, porque estava ridículo, mas era realmente pelo personagem, pelo meu trabalho. Foi indo aos poucos.

Dizem que fazer comédia é mais difícil do que o drama porque nem todos alcançam esse tempo cômico. Mas para o senhor parece que isso sempre foi algo natural.
Acho que tive bons exemplos. Pude aprender muito com a Dercy, com o Afonso Stuart. Aprendi as pausas, quando tem que apressar o texto. Observei muito no início da minha carreira e acho que peguei o jeito. Por isso tenho facilidade com o tempo da comédia. É uma conversa com o público quando você faz humor. Você fica atento às reações, aprende quando é o momento de dar um tempo, é tudo uma coisa sincronizada. Você tem que estar muito preparado sentimentalmente, absorver como está o clima da plateia. Quando a plateia está mais passiva, quieta, eu sigo outro ritmo.

Marco Nanini
(Marco Nanini/arquivo pessoal)

É verdade que seu pai inspirou a criação do Lineu?
É um pouco porque ele era muito correto, tinha humor, era um ótimo pai. Me inspirei, especialmente, na forma como ele se vestia. Ele tinha o hábito de usar a calça com o cinto no meio da barriga.

“É uma conversa com o público quando você faz humor. Você fica atento às reações, aprende quando é o momento de dar um tempo, é tudo uma coisa sincronizada. Você tem que estar muito preparado sentimentalmente, absorver como está o clima da plateia. Quando a plateia está mais passiva, quieta, eu sigo outro ritmo”

Marco Nanini

Esse personagem ficou imortalizado. Até hoje devem te parar para falar dele.
Sim. O grosso do público vê até hoje esse personagem com grande carinho. Como um grande paizão.

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A partir da esquerda: Marco Nanini nos anos 1970 / J. FERREIRA DA SILVA. na peça
A partir da esquerda: Marco Nanini nos anos 1970 / J. FERREIRA DA SILVA. na peça “A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe para Pedir um Aumento”, de Georges Perec, direção de Guel Arraes. Carlos Cabera
Marco Nanini na novela “Deus Salve o Rei”, da Rede Globo.
Marco Nanini no seriado “A Grande Família”, da Rede Globo. Marcio de Souza (Reprodução/rede Abril)

Outra coisa que dizem é que os grandes atores são tímidos. E já se falou muitas vezes que o senhor é tímido na vida fora da cena. É verdade?
Eu sou um pouco tímido, sou quieto, mas quando tenho mais intimidade consigo ser mais extrovertido.

O palco acende muito a gente, tem outra vibração. É uma coisa impressionante. No começo eu só queria fazer teatro, mas depois comecei a fazer televisão. Ainda tinha muito pudor, medo da câmera. Era aquela câmera de novela, que fica em meia-lua, mas quando comecei a trabalhar com o Guel Arraes, a câmera ia para todo lugar, ficava circulando. E aí comecei a gostar daquilo, a ficar muito amigo da câmera. Fui me aproximando da televisão e do cinema.

Marco Nanini
(Gabriel Rinaldi/rede Abril)

Tem um lugar que se sinta mais a vontade, no cinema ou no teatro?
Me sinto a vontade quando as pessoas são receptivas, quando tenho uma boa convivência com os colegas. Isso me incentiva muito. Quando não tem isso, eu fico um pouco retraído. Mas não tenho preferência, não. Se bem que eu gosto muito do palco, foi ali que comecei e passei maior parte da minha vida. Foi onde eu aprendi.

E você construiu muitas parcerias duradouras no teatro.
Muitas. A Camila Amado, a Marília Pêra, Marieta Severo, Guel Arraes, Felipe Hirsch, um diretor extraordinário, João Falcão, que fez um monólogo para mim. Eu tive parcerias muito boas.

Marco Nanini em cena, a partir do canto esquerdo: interpretando Odorico Paraguaçu no filme
Marco Nanini em cena, a partir do canto esquerdo: interpretando Odorico Paraguaçu no filme “O Bem Amado”, de Guel Arraes. Em cena da peça “O Corsário do Rei”/ Antonio Ribeiro. Na peça teatral “Pterodátilos”, escrita por Nicky Sílver e dirigida por Felipe Hirsch/Carol Sachs.. No programa TV Pirata, da Rede Globo/Oscar Cabral (Reprodução/rede Abril)

Quando você conheceu a Camila?
Eu conheci ela no palco, quando fui assistir O encontro no bar. Eu achava o texto muito bom. Era ela e mais três atores. Mas não ia ninguém na peça. Por conta disso, os atores foram saindo e ela ficou sozinha. Eu soube disso, fui até ela e disse: ‘eu posso entrar no papel, só que eu sou jovem’. Os personagens eram dois velhos. Nós viajamos com a peça, mas ninguém nunca ia assistir. Era um texto pesado. Depois fizemos As desgraças de uma criança, que foi um improviso e foi um sucesso enorme.

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E esse último projeto, As cadeiras, como surgiu a ideia?
Era uma vontade que eu e a Camila tínhamos há muito tempo. Durante a pandemia estávamos parados e lembramos desse texto. A Camila sempre falou dessa peça do [Eugène] Ionesco, e é um texto que pode ser feito em qualquer idade. São dois velhos, mas tem muitas montagens em que são dois jovens fazendo os personagens. Ela queria muito fazer comigo, só que nunca aparecia uma oportunidade. O Nando [Fernando Libonati] assumiu a produção e direção e fizemos com todos os cuidados.

Marco Nanini
(Flavio-Colker/arquivo pessoal)

E esse desdobramento de fazer um registro audiovisual da peça? Imagino que tenha sido até uma forma de honrar a memória da Camila.
Acabou sendo. Ela já estava doente, mas nos ensaios ela nunca demonstrou isso, estava sempre muito presente.

Ela abandonou a quimioterapia, não suportou. A gente conversava sobre isso, mas quando a gente ia interpretar, ela respondia com o grande talento que tinha.

“O palco acende muito a gente, tem outra vibração. É uma coisa impressionante. No começo eu só queria fazer teatro, mas depois comecei a fazer televisão. Ainda tinha muito pudor, medo da câmera. Era aquela câmera de novela, que fica em meia-lua, mas quando comecei a trabalhar com o Guel Arraes, a câmera ia para todo lugar, ficava circulando. E aí comecei a gostar daquilo, a ficar muito amigo da câmera”

Marco Nanini

Recentemente li uma entrevista com a Marieta Severo, que ela diz que tem refletido muito sobre a morte. E após a pandemia esse virou um pensamento constante. Peço licença para entrar nesse assunto, mas com a perda dessa sua grande amiga, como você tem elaborado os pensamentos sobre a finitude?
Eu era muito jovial, despachado até os meus 70, mas no ano passado eu vi que eu era um senhor e comecei a admitir isso e pensar na morte como algo normal. As pessoas da minha idade, ao meu redor, foram morrendo. Alguns mais velhos, outros mais jovens e eu vi que estava na fila, num bom lugar da fila, mas nunca tive medo da morte, tenho medo de ficar doente, de ficar em hospital. Acho que a morte é como apagar a luz, um interruptor e aí pronto, acaba tudo. Dessa parte, eu não tenho medo.

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Uma coisa que me assusta na morte é a possibilidade de não ter nada.
Mas se não tiver nada, a gente não vai saber [ele ri]. Acho que não tem nada, não. Quer dizer, pode ser que eu tenha uma surpresa, mas virar santo eu não vou.

Marco Nanini
(Marco Nanini/arquivo pessoal)

Nessa entrevista que você deu à Bravo!, em 2011, você faz uma coisa muito inteligente, que é introduzir a questão da sexualidade de forma muito sutil, como algo natural. E acho que o repórter foi cuidadoso em não especular em cima daquilo. Você planejou falar daquilo antes?
A gente conversou antes e ele falou ‘você já deu tantas entrevistas que eu não sei mais o que te perguntar’, e aí durante a entrevista eu resolvi falar aquela frase, ‘Às vezes, pintam umas namoradas, uns namorados… Namoradas, não. Namorados…”. E ratifiquei. Eu tenho experiências com mulheres, mas tive mais com homens. Daí todo mundo começou a saber. O jornalista foi muito elegante, não foi além daquilo.

Foi a primeira vez que você falou publicamente sobre isso?
Foi. No meu círculo social, todo mundo sabia. Nunca escondi nada de ninguém. Quem convivia comigo sabia.

Isso me leva a outra pergunta. No começo da sua carreira esse era um assunto proibido?
Não pensava nisso. Eu achei que isso não fosse influir. Isso era muito comum nos EUA, que o ator tinha que esconder a sexualidade. Mas eu sou um fantoche, faço qualquer coisa, então achei que estava tudo dissolvido. Não tinha essa preocupação com a carreira. Ao mesmo tempo, não queria ficar falando disso porque ninguém precisava saber da minha vida particular, mas naquela ocasião decidi falar. Eu falei já mais maduro, mas falei.

Isso deve ter dado espaço para muitos outros.
Talvez.

Marco Nanini ensaiando a peça
Marco Nanini ensaiando a peça “A Arte e a Maneira de Abordar Seu Chefe Para Pedir um Aumento” (Daryan Dornelles/rede Abril)

Novamente, sobre a sua carreira. Se eu te perguntasse qual trabalho o senhor mais se orgulha ou que talvez tenha sido mais importante, você conseguiria responder?
Eu não tenho essa preferência porque eu entrego muito a todo trabalho que faço. Estudo muito o personagem, esse processo é o que me alimenta, é o que eu gosto. Sou como um pai com muitos filhos que não consegue dizer qual mais gosta. Mas a peça As cadeiras, eu gostei muito de fazer. Fiz com muita vontade. Sempre fui dirigido por pessoas muito talentosas, em quem eu confiava. Tenho forte a lembrança das pessoas com quem trabalhei.

Sobre os seus projetos atuais, você interpretou João de Deus e está trabalhando com Gerald Thomas.
Isso. A peça com o Gerald Thomas é para o segundo semestre, ele está escrevendo o texto. Ele é muito inteligente, gostei muito de trabalhar com ele. Fizemos uma peça chamada Circo de rins e fígados. Ele é irreverente publicamente, mas na hora do trabalho ele é muito parceiro, muito talentoso. Depois de alguns anos, vamos trabalhar juntos novamente. Estou gostando dessa oportunidade. Ele está escrevendo e sempre me manda os fragmentos. Será para o teatro, mas também para o audiovisual. Temos mais três projetos para desenvolver juntos.

Marco Nanini
(LUCIO MARREIRO/rede Abril)

Quanto ao João de Deus, como foi interpretar esse personagem brasileiro que se revelou um monstro?
Eu fiquei muito temeroso porque é uma história pesada. Não quis imitar o João de Deus, tentei dar uma neutralidade, e trazer somente a emoção. A série tem cenas mais pesadas que a diretora, Marina Person, conseguiu trabalhar de forma muito delicada.

Como é um trabalho intercalado com fatos jornalísticos, essa coisa me facilitou. Eu pude ser mais brando no sentimento. Nem valia a pena ir além. A reportagem já havia repercutido muito.

O senhor conheceu João de Deus?
Não, eu não quis, não acredito muito nessas coisas. Já tinha feito uma operação, e foi uma experiência muito curiosa, com um homem chamado Lorival de Freitas. Ele recebia Nero e figuras da história romana. Sempre tive um problema na perna e não lembro o que aconteceu, e eu precisava de uma operação. Estava andando de muletas, então a Lucélia Santos disse que tinha um amigo que poderia ajudar. Ele tinha um grupo de pessoas que assistiam e davam energia a ele e sempre colocava música ao vivo. Quando cheguei na casa dele, era um político que ia operar, e eu ia apenas assistir. Mas ele acabou não indo. Então a mulher dele veio até mim e disse “Salomé (que era o espírito) está perguntando se você não quer fazer a operação no lugar dele”. Salomé estava completamente embriagado, mas eu fui e operei. Foi muito simples, eu deitei num colchão, ele pegou uma agulha e uma linha, fez uma estrela no joelho. Fez outras coisas também que eu não vi. Depois tirou o fio dessa costura, mas eu não senti dor nenhuma.

Antes disso, eu tive um problema após uma capotagem de um carro. Capotou quatro vezes. Eu tive um problema permanente na coluna, então não consigo girar muito para um dos lados. Eu disse isso a ele e ele enfiou um pequeno pedaço da faca aqui [aponta para região entre o pescoço e clavícula]. Ficou uma marca por um tempo, mas não resolveu o problema.

“Fiquei muito temeroso porque é uma história pesada. Não quis imitar o João de Deus, tentei dar uma neutralidade, e trazer somente a emoção. A série tem cenas mais pesadas que a diretora, Marina Person, conseguiu trabalhar de forma muito delicada”

Marco Nanini

E o joelho?
Resolveu, foi instantâneo. Fiquei impressionado. Mas ali eu já sabia que não faria mais nada daquele tipo. Foi coisa do momento. Após fazer a operação, ele estava completamente sóbrio. Isso também me impressionou. Ele era um médium muito estudado, influente.

Marco Nanini
(Leo Aversa/rede Abril)

O senhor tem alguma ligação com alguma religião ou mesmo com espiritualidade?
Eu fui criado na religião católica. Meus pais eram muito católicos, eu ia à missa porque era obrigado, mas não gostava, achava chato. Nunca me dediquei muito àquilo. E com as outras religiões também, sempre achava tudo muito parecido. Mas eu faço coisas. Na Bahia, eu recebi uma senhora e ele falou que sou filho de Oxum e Oxalá. Oxalá todo mundo tem. E eu comprei dois cordões, um amarelo e branco que simboliza Oxum e Oxalá. Comecei a usá-los.

Às vezes é importante um apoio também espiritual, mas nunca tive isso. Até ler a Bíblia, para mim, foi muito difícil. Agora saiu um livro que encomendei, que é a Bíblia toda explicada. Eu comprei. Talvez seja uma falha minha [nunca ter lido]. Tenho muito respeito por todas as religiões, mas não sigo nenhuma.

Por que esse interesse repentino de ler a Bíblia?
Acho que é porque eu sou ignorante em relação a ela. Eu tentei ler muitas vezes, mas sempre achei muito difícil.

Marco Nanini
(Gabriel Rinaldi/rede Abril)

Quanto à biografia, como foi finalmente pegar o livro e ver a sua história contada ali?
Eu tive muita sorte pela Mariana Filgueiras. Ela é uma ótima jornalista e escritora. Tem um perfil muito forte. Eu achei lindíssima como ela navega pela minha história, sem falar de mim o tempo todo. Ela consegue divertir o leitor com episódios que vão além da minha vida, fala de muitas outras coisas e escreve muito bem.

Eu acreditei muito nela. Se eu não tivesse confiado, teria voltado atrás na ideia. Ela fez umas 40 entrevistas comigo, fez uma pesquisa muito profunda.

O senhor tem algum desejo não realizado no teatro ou no cinema?
Não tenho um projeto de vida. Estou empolgado com esse que faremos neste ano, que terá uma forma híbrida, para o teatro e para o audiovisual. Serão quatro peças, teatro na tela. Mas no geral, se eu me apaixono pelo projeto, eu vou e faço.

O senhor disse que nunca fez uma tragédia, mas que queria muito ter feito. Tem alguma que gostaria de fazer?
Não, já desisti dessa ideia.

Livro
(Companhia das Letras/divulgação)
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