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Maria Callas e Angelina Jolie: uma conexão inesperada (e acertada) de Pablo Larraín

No filme “Maria”, que entra em cartaz em janeiro; Angelina Jolie traz complexidade ao papel de Maria Callas, figura que inspira arte e humaniza figuras icônicas

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 3 nov 2024, 00h16 - Publicado em 1 nov 2024, 09h00
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 (Netflix/divulgação)
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A minha paixão por Maria Callas, como a do diretor Pablo Larraín, vem da infância e pela influência de avós e pais que amavam ópera. Ainda era pequena quando ela morreu, em 1977, mas sua fama e sua singularidade sempre foram únicas porque falava com pessoas de qualquer geração ou parte do mundo.

Não deixa de ser surpreendente que se hoje ópera é nichado, a realidade já era essa há quase 50 anos e o fato de que ela era uma estrela “apesar” disso também traz uma dimensão para o diretor chileno dedicar seu último filme à desvendar o maior mistério de todos: quem era Maria?

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Angelina Joolie e Pablo Larraín, nos sets de filmagem de “Maria” (Netflix/divulgação)

A questão existencial é central para a lenda de Callas; ela mesma frequentemente separava a figura pública de “Maria Callas, a Divina” da mulher enigmática que era, em essência, Maria. Essa dualidade destaca a complexidade de sua personalidade, tornando-a um ícone ainda mais fascinante. Há várias biografias, documentários, filmes e peças teatrais, mas sua essência ainda elude aos fãs e “não iniciados”. E “Maria”, o filme que está circulando em festivais e que entra em cartaz no Brasil em janeiro de 2025, é a proposta do diretor de decifrar a Diva e apresentá-la para novas gerações.

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(Netflix/divulgação)

Angelina: uma escolha anticonvencional para Maria

Escalar Angelina Jolie para interpretar a soprano mais famosa da História foi tanto ousado como certeiro. Como figura pública, a atriz e ativista atua em várias esferas, por isso se comunica com diferentes gerações, mas, como ela mesma brincou, a víamos mais como punk do que clássica.

Talvez a vantagem de ter Angelina no papel principal seja porque ela se conecta com a mesma habilidade seja com diferentes gerações. A Geração X a viu surgir e ganhar seu primeiro Oscar, em 1999, por “Garota Interrompida; a Y a identifica como Lara Croft de “Tomb Raider” e mais ainda como “Malévola” e a Z, mesmo que não pense nela como atriz, aprecia profundamente sua dedicação às causas ambientais, sociais e humanitárias.

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Por outro lado, até por conta de sua atribulada vida pessoal, Angelina também tem uma aura de surpresa porque estava relativamente ‘sumida’ das telas, e não estar associada a nenhum papel marcante mais recente a ajuda a ‘virar Callas’. Claro, ela não canta nem rock, menos ainda ópera, também não tem nada a ver fisicamente com Maria Callas, mas é uma estrela. A escolha parece inusitada, mas os críticos hoje aplaudem e alimentam a campanha pelo Oscar, que vem ganhando fôlego.

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(Netflix/divulgação)

A “fórmula” Larraín para decifrar suas musas

Vamos combinar que não é de hoje que Pablo Larraín tem uma paixão pelas mulheres icônicas do século 20 e evitar recontar suas histórias como se espera. Ele as revencia, mas também as humaniza.

Houve quem estranhasse pensar em Natalie Portman como Jacqueline Kennedy, mas ficou perfeita. Kristin Stewart seria a última atriz para interpretar a princesa Diana Spencer, mas também teve uma atuação elogiada. Com Angelina Jolie, ele inclui na mesma galeria ela e Maria Callas.

Para ter sucesso, a fórmula simples que Pablo usa, ajuda. Seus filmes são como peças teatrais, com poucos cenários e se concentrando nos bastidores íntimos de um único evento de poucas horas cujo efeito Histórico é conhecido e impactante. Como condutor, em geral, ele usa a figura de um jornalista ou a de um amigo fazendo perguntas para nos deixar ouvir a personagem elaborar sobre suas angústias, alegrias e esperanças. Cria empatia e emoção com pouco.

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Natalie Portman como Jackie Kennedy (Stephanie Branchu/divulgação)

Em “Jackie” ele desbrava como Jacqueline Bouvier, a viúva do presidente assassinado, John F. Kennedy lida com o trauma do atentado do qual quase foi alvo também, como ela evita o luto e estabelece a imagem do marido como um herói nas páginas da política mundial. Até então, Jackie era vista principalmente como uma mulher de estilo, mas se revela uma política astuta e determinada.

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Kirsten Stewart como a Princesa Diana em Spencer (Diamond Films/divulgação)

Em “Spencer”, temos a Princesa Diana em crise com sua frágil saúde mental, oprimida por um relacionamento infeliz tanto no casamento como na monarquia, isolada e sem identidade. No que veio a ser o último fim-de-semana que passou com os Windsors antes de se separar do hoje Rei Charles, ela ganha força para se impor e recuperar sua pessoa como Diana Spencer.

É o mesmo com “Maria”: acompanhamos as últimas horas de vida de Maria Callas, isolada em Paris, depressiva e com problemas cardíacos, literalmente sem voz e visitando lembranças de uma vida cheia de dor e glória.

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(Netflix/divulgação)

Une voce, poco fa…

Tenho que admitir que me deu profunda apreensão o fato de que Angelina esteja dizendo que “aprendeu a cantar ópera” porque no filme “Maria” há parte da voz dela mesclada com a de Callas porque não é uma questão de sotaque. O canto de Callas era o que fazia dela uma estrela era única (mesmo que nunca tenha sido unanimidade) e ela levou uma vida de treino árduo para alcançar seu ápice.

Maria Callas ainda é hoje universalmente aclamada por sua extraordinária habilidade vocal por causa de seu alcance, poder emotivo e sua precisão técnica. Ela conseguia transmitir emoções profundas por meio de suas performances, o que a tornava um dos sopranos mais influentes da história da ópera. Muitas vezes, ela se transformava nos papéis que interpretava, como o de Tosca, que passou a ser sua assinatura.

Por isso só entendo a referência de Angelina catando porque quando Callas, a Diva, deu protagonismo à Maria, a mulher, os ensaios ficaram cada vez mais escassos e ela realmente “perdeu” todas as características que a tornaram lendária. Os tristes registros dela desafinando e sofrendo em suas últimas aparições profissionais comprovam o que falo. Aí sim, dentro desse contexto, acredito que a voz de Angelina possa entrar mesclada com o que era no fim de sua vida. Fora isso, é heresia.

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(Netflix/divulgação)
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A solidão, a nostalgia e a despedida

Nas entrevistas e premières em que comparece, a atriz vem falando do carinho e identificação que passou a ter com sua personagem, aparentemente entrando para o time dos protetores callamaníacos (Seja bem-vinda!). Sim, há a narrativa destacada para os últimos anos da soprano terem sido nostálgicos e afastados a vida pública.

Em especial, há muita polêmica quanto à verdade sobre a saúde de Maria Callas nos últimos anos de sua vida. Por décadas criou-se a narrativa de que ela escolheu “morrer por amor” depois que sua grande paixão, o armador grego Aristoteles Onassis, se foi.

Onassis morreu pouco menos de dois anos antes dela e para quem não lembra, ele era casado com ninguém menos do que Jackie Kennedy na época, criando mais um elo entre os filmes de Larraín. Embora essa visão romântica provavelmente fosse a que Callas aprovaria, há uma corrente que também suspeita que o uso prolongado de medicamentos para dor, dormir e emagrecer também colaboraram para sobrecarregar seu coração. Na verdade, uma vertente não elimina a outra.

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(Netflix/divulgação)

O desafio e o legado de mulheres icônicas em “Maria”

O desafio de Angelina Jolie em “Maria” é gigantesco. O roteirista Steven Knight, que assinou “Spencer” (e é mais conhecido pela série “Peaky Blinders) não aposta em narrativas lineares o que demanda um conhecimento prévio da personagem para contextualizar melhor a história.  

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A transformação física da atriz é facilitada pelos lindos e fiéis figurinos, mesmo que o sotaque que mescla inglês, grego e italiano não impeça que ouçamos os toques pessoais de Angelina, como sua pausa fazendo o som de “hum” que considero sua assinatura ou o pigarro antes de falar. Seja como for, se olharmos bem, Larraín teve razão de unir as duas pois, no fundo no fundo, nós ainda consideramos Angelina Jolie um mistério também.

Visualmente e musicalmente é inegável que “Maria” nos faça viajar pelas árias que se tornaram tão populares na voz de Callas, Vissi D’ArteMio Babbino Caro e Casta Diva. Eu sei que vou chorar do início ao fim. E não deixa de ser curioso criar o paralelo vocal de o diretor chileno criou em sua trilogia das mulheres impactantes do século 20: o canto de Maria Callas é um poderoso instrumento de expressão emocional na música, a voz de Diana era de empatia e conexão, enquanto a de Jackie Kennedy representava elegância e sofisticação. Juntas, elas exemplificam o profundo impacto que uma pessoa pode ter em diferentes domínios — música, discurso público e identidade cultural.

Mas o que celebro mesmo? Mais do que um “retorno” de Angelina Jolie aos holofotes, é o fato de que Maria Callas continua sendo uma figura significativa na cultura pop. Talvez nunca cheguemos a concordar “quem era Maria”, mas a Callas? Ela segue divina.

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(Netflix/divulgação)
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