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O terror social de Anita Rocha da Silveira

Em “Medusa”, a cineasta se baseia em histórias reais de jovens que atacam mulheres que vivem em desacordo com as normas da igreja

Por Humberto Maruchel
18 Maio 2023, 20h18
cena do filme "Medusa" de Aline Rocha da Silveira
 (Bruno Melo/divulgação)
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A cineasta carioca Anita Rocha da Silveira é uma entusiasta do terror. Um dos motivos é o fato desse ter sido um dos primeiros gêneros a oferecer protagonismo feminino, com mulheres desempenhando papéis fortes e, em algumas franquias, sendo as únicas sobreviventes. Seus últimos filmes Medusa (2021) e Mate-me por favor (2015) flertam com esse tipo de linguagem. Mas muito além do estilo fantástico e tenebroso, é o terror social que a interessa, ou seja, aquele tipo que se utiliza dos atributos do terror para explorar temas sociais, como o racismo, as desigualdades, o patriarcado. Exemplos não faltam. Corra, de Jordan Peele, é, provavelmente, o título mais notório.

cena do filme
a atriz Mari Oliveira em cena de “Medusa”, filme de Anita Rocha da Silveira (Bruno Melo/divulgação)

Em cartaz nos cinemas, Medusa nasceu de uma triste inspiração. Ela havia acabado de filmar Mate-me por favor e estava em busca de novas ideias. Encontrou numa página de jornal, que noticiava um caso de violência contra uma jovem. “Era sobre um grupo de garotas de 16 anos que tinham se juntado para bater em uma colega do colégio porque achavam ela meio piranha, e bateram tanto que a menina ficou com sequela neurológica e para esse grupo era importante não só bater, como também deixá-la feia. Então cortaram o cabelo e cortaram a cara da menina e essa notícia me chocou. Comecei a pesquisar e eu encontrei vários relatos similares, às vezes mulheres de 20 poucos anos.”

“Começou com essa vontade de falar do machismo estrutural e também no momento sentia muito o avanço conservador no Brasil, que ostentava um novo modelo da mulher dona de casa, da mulher conservadora, mas que tinha que estar bonita para o marido”

Anita Rocha da Silveira
Anita Rocha da Silveira
(João Atala/divulgação)

No filme, a trama se desdobra numa cidade fictícia, dominada pela igreja evangélica. A região é controlada por devotos, que agridem e coagem todos os que vivem em desacordo com os princípios da igreja. Um grupo de mulheres atuam como justiceiras, vestem máscaras e perseguem suas vítimas: outras jovens, a quem acusam de serem promíscuas. As jovens, no entanto, são algozes e também vítimas de um sistema que as restringem e submetem a uma vida submissa aos homens. “Começou com essa vontade de falar do machismo estrutural e também no momento sentia muito o avanço conservador no Brasil, que ostentava um novo modelo da mulher dona de casa, da mulher conservadora, mas que tinha que estar bonita para o marido. Tomei como exemplo também o mundo dos influencer da extrema direita”, conta Anita.

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No centro da narrativa estão a enfermeira Mariana (Mari Oliveira) e a influencer de beleza Michele (Lara Tremouroux), que, ao mesmo tempo que despejam o ódio jornadas noite adentro, experimentam, cada uma a sua maneira, situações que as levam querer estourar a bolha em que vivem. “Era muito importante para mim construir personagens femininas complexas, que em uma cena podem ser vilãs, nas outras são vítimas. São mulheres tentando se encontrar nesse mundo extremamente conservador em que elas que cresceram e tentando se descobrir quem elas são nesse universo.”

cena do filme
(Bruno Melo/divulgação)

As duas amigas partem numa aventura para encontrar uma outra jovem, Melissa (Bruna Linzmeyer), quem diziam ser uma jovem atriz, que vivia completamente fora das regras da igreja e foi atacada teve seu rosto queimado por uma entidade misteriosa que vestia uma máscara. E entendem que aquele ataque teria sido uma forma de purificação dos pecados de Melissa. Esse seria o mito fundador que inspirou o grupo a montar o grupo de justiceiras.

Quando Anita leu os relatos sobre os ataques no jornal, ela, logo se lembrou de outra história. Foi então que tomou como inspiração a alegoria do mito grego que conta o trágico curso de Medusa. Há algumas versões, a mais conhecida, contudo, conta que muito antes de ser transformada num monstro que condena homens em pedra, ela era uma bela e devota sacerdotisa no templo de Atena. Nesse mesmo local sagrado, ela é violentada por Poseidon, o que desperta a fúria da deusa. Ao contrário do que poderia se esperar, o ódio é direcionado contra Medusa, e a transforma em um monstro com serpentes no lugar dos cabelos.

cena do filme
(Bruno Melo/divulgação)

“Era muito importante para mim construir personagens femininas complexas, que em uma cena podem ser vilãs, nas outras são vítimas. São mulheres tentando se encontrar nesse mundo extremamente conservador em que elas que cresceram e tentando se descobrir quem elas são nesse universo”

Anita Rocha da Silveira
Anita Rocha da Silveira
(João Atala/divulgação)

Medusa não possui uma natureza monstruosa, ela apenas é segundo as circunstâncias que vive. Assim como as jovens do longa, que tão acostumadas com a violência, em suas diversas formas, acabam reproduzindo-a. “Para mim, o tema principal de Medusa é o controle. A Mari e suas amigas que as suas amigas tentam tanto que controlar a si próprias, como elas se vestem, como usam o cabelo, a maquiagem, o tom de voz, como se portam, seus corpos, suas sexualidades etc. É um ambiente que tem que controlar tanto, que elas passam a controlar umas às outras. E isso é uma dinâmica que acontece com mulheres em maior ou menor escala”, conclui Anita.

cena do filme
(Bruno Melo/divulgação)
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