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Mostra de Cinema Tiradentes de volta às ruas

A 26ª edição do festival começa com a pré-estreia de Mugunzá e a celebração da esperança de dias melhores para a cultura nacional

Por Humberto Maruchel, de Tiradentes
Atualizado em 31 jan 2023, 18h41 - Publicado em 25 jan 2023, 12h12
26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - cortejo da arte
 (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)
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Começou na sexta-feira, 20, a 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, um dos maiores e mais importantes festivais de cinema contemporâneo do país. Ao longo de uma semana, o evento ocupa as ruas históricas da pequena cidade no sudoeste de Minas Gerais com cinema, música, teatro, literatura e mais cinema. Trata-se de uma temporada em que a comunidade local, com seus pouco mais de 7 mil habitantes, gira em torno do cinema.

Neste ano, a Mostra homenageia os cineastas Glenda Nicário e Ary Rosa, fundadores da Rosza Filmes, que já realizou filmes como Café com Canela (2017), Ilha (2018), Até o Fim (2020), e que abriu o festival neste ano com seu longa mais recente, Mugunzá. A dupla bate carteirinha no festival desde o tempo em que eram estudantes de cinema.

26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - Ary Rosa e Glenda Nicácio, homenageados da Mostra
(Anastácia Flora / Universo Produção/divulgação)

Embora tenham nascido em Minas – Ary em Pouso Alegre, Glenda em Poços de Caldas –, decidiram fundar a produtora em Cachoeira, na Bahia. No início, vinham para Tiradentes com objetivo de aprender e ver o que estava sendo feito em termos de cinema contemporâneo. Não demorou muito para que fossem convidados para debater seu estilo de cinema e, claro, concorrer no festival.

Quando falam sobre o trabalho da Rosza, Glenda e Ary reforçam a importância dos investimentos públicos na educação e no audiovisual para que suas narrativas ganhassem forma. Inclusive aqueles que permitiram a criação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, onde se conheceram às margens do rio Paraguaçu, em 2005. A paixão pelo lugar e o desejo de devolver àquele território tudo que ele proporcionou foram decisivos para que permanecessem ali quando formados. “O Recôncavo já foi mostrado de diversas formas, mas nunca ou muito pouco a partir do Recôncavo, por falta de políticas públicas. Houve uma transformação muito grande dos anos 2000 para cá. E acho que ter ficado nesse território foi a escolha mais importante que nós fizemos. Mudou a nossa perspectiva de produção”, afirma Ary.

“O coletivo é um dos pilares do nosso trabalho. É impossível fazer filmes do jeito e com a frequência que fazemos se não for pelo amor e generosidade de quem está com a gente”

Ary Rosa, Rosza Filmes
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26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - Ary Rosa e Glenda Nicácio, homenageados da Mostra
(Anastácia Flora / Universo Produção/divulgação)

Com um espaço consolidado, produzindo um filme por ano, ainda são indagados sobre o estilo de linguagem que desenvolvem em suas narrativas. Na última vez que vieram como convidados para um debate na Mostra, ouviram de um dos participantes o seguinte comentário: “Os filmes que vocês fazem são interessantes, mas eles têm um palavreado muito específico. Será que o povo vai entender?” Sem precisar pensar muito, Glenda logo refutou: “É o povo que está fazendo esse filme. Prazer.”

Cinema mutirão

O tema da edição deste ano da Mostra diz respeito ao cinema de grupo, que resiste e é criado em meio a um contexto de precariedade, especialmente em cenário de precariedade, e só é possível a partir do trabalho coletivo. Afinal, cinema não se faz sozinho. A temática, no entanto, faz alusão aos difíceis anos de pandemia e também ao desmantelamento do setor cultural no país . O cinema mutirão define bem o que Glenda e Ary fazem com a produtora Rosza Filmes. “O coletivo é um dos pilares do nosso trabalho. É impossível fazer filmes do jeito e com a frequência que fazemos se não for pelo amor e generosidade de quem está com a gente”, comentou Ary.

26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - cinema na praça
(Leo Lara/Universo Produção/divulgação)
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Antes de encontrar o cinema e Ary, Glenda veio do teatro. É a primeira da família a entrar na universidade, algo que nem ela mesma esperava fazer. “Só cheguei aqui por conta do Sisu [Sistema de Seleção Unificada]”, completa, em menção ao sistema criado em 2010, que permitiu o ingresso em universidades a partir da nota do Enem.

Alegria é a Prova dos Nove, de Helena Ignez
(Alegria é a Prova dos Nove, de Helena Ignez/reprodução)

Festa e política

Entre curtas e longas, ficção e não ficção, a programação deste ano traz mais de 130 títulos de realizadores de 19 estados brasileiros. Entre eles estão: Alegria é a Prova dos Nove, de Helena Ignez, A Menina e o Mar, de Gabriel Mellin, Amazônia, a Nova Minamata?, de Jorge Bodanzky, o documentário Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho, de Pedro Bronz.

A Menina e o Mar, de Gabriel Mellin
(A Menina e o Mar, de Gabriel Mellin/reprodução)
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Após a intromissão da pandemia, que instaurou uma muralha aos encontros, o festival volta às origens no formato presencial – embora, parte da programação possa ser vista online. “Nós estamos voltando ao presencial com a certeza de que não podemos abandonar o online”, afirma Raquel Hallak d’Angelo, uma das organizadoras da Mostra. “Descobrimos com o online a possibilidade de levar o cinema brasileiro para todos os cantos do mundo.”

Amazônia, a Nova Minamata?, de Jorge Bodanzky
(Amazônia, a Nova Minamata?, de Jorge Bodanzky/reprodução)

Calhou deste retorno acontecer numa fase em que a cultura volta a brilhar os olhos com o restabelecimento do Ministério da Cultura e a aprovação definitiva de importantes legislações para o setor, como a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc 2 [Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura], que visam repasses bilionários anuais para o fomento de atividades culturais e a implementação das mesmas nos municípios onde elas são inexistentes. O clima em Tiradentes é de celebração.

Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho, de Pedro Bronz
(Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho, de Pedro Bronz/reprodução)
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Por ser um festival de cinema contemporâneo, a mostra exibe curtas, médias e longas-metragens que raramente estão presentes no circuito comercial de cinema. Ademais, o evento estabelece um ponto focal de encontros entre os realizadores, produtores, pesquisadores e gestores da economia criativa. É possível ver diretores, atores e músicos subirem e descerem as vielas pedregosas de Tiradentes.

Uma das novidades neste ano é a criação de um Fórum de Tiradentes, que reúne mais de 50 profissionais do setor, divididos em grupos de trabalho para realizar diagnósticos sobre os desafios, entender as demandas do audiovisual e pensar diretrizes para criação de novas políticas públicas para o meio. Ao fim do evento, será entregue um documento oficial, com tais orientações, ao Ministério da Cultura. “A proposta era: vamos aproveitar que estamos apresentando produções de 19 estados brasileiros, onde temos uma presença maciça de representatividade, então vamos instituir um fórum para podermos dialogar com o Ministério, que está sendo recriado, e assim nos transformarmos em um agente colaborativo. Não apenas debater a nossa temática, mas entender o que o setor está demandando após tantos anos silenciado e sem espaço para diálogo” , conta Raquel.

26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - Fórum de Tiradentes
(Leo Lara / Universo Produção/divulgação)

O grupo deve partir de quatro eixos propostos pela coordenação da Mostra: descentralizar o cinema, valorizar a diversidade, promover o desenvolvimento econômico e defender a democracia. “A transversalidade de discussões é o grande diferencial para termos um documento consistente e representativo do que o setor quer e o que ele pode apresentar ao Ministério da Cultura como uma demanda real legitimada”, completa Raquel.

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“Não tem como não ser político falando de imagens que nos representam. Estamos falando de um cinema brasileiro, contemporâneo, feito agora. E o cinema que a gente apresenta é um retrato do país. Estamos aqui debatendo as imagens que assistimos, e tratando dessa conjuntura política em que esse cinema foi feito”

Raquel Hallak d’Angelo, organizadora

O lugar é de festa, mas também é de política, que busca a democratização do audiovisual. A Mostra de Tiradentes mostra o desejo cada vez mais latente de se aproximar de um cinema que seja um reflexo um pouco mais acurado do que é o Brasil. “Não tem como não ser político falando de imagens que nos representam. Estamos falando de um cinema brasileiro, contemporâneo, feito agora. E o cinema que a gente apresenta é um retrato do país. Estamos aqui debatendo as imagens que assistimos, e tratando dessa conjuntura política em que esse cinema foi feito.”

26ª Mostra de Cinema de Tiradentes - cortejo da arte
(Jackson Romanelli / Universo Produção/divulgação)

A reportagem está em Tiradentes à convite da Secretaria de Cultura,

26ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Tiradentes – MG
De 20 a 28/01
Com sessões online e presenciais gratuitas
Todos os eventos da Mostra são gratuitos

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