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É Mar ou é deserto?

Mostra Ecofalante traz a São Paulo o filme Aralkum, um representante do cinema Uzbequistão

Por João Victor Guimarães
7 jun 2023, 13h11

Acontece até o próximo dia 14 de junho a décima segunda edição da Mostra Ecofalante. Ocupando 39 espaços culturais em São Paulo, o festival se dedica a filmes com temática socioambiental. Entre as produções em cartaz está o interessante Aralkum, filmando no Uzbequistão.

O curta-metragem uzbeque dirigido por Daniel Asadi Faezi e Mila Zhluktenko nos traz um cenário aparentemente apocalíptico, no qual o deserto de Aralkum se torna um limbo temporal para a humanidade. Era o fundo do Mar de Aral, cujo nome, a água salgada e até a presença de ilhas espalhadas por sua totalidade indicavam que ali ficava um mar, quando na verdade era um lago, uma vez o quarto maior de toda a Ásia, agora esgotado, tornado cicatriz consumida por incontável poluição sólida.

Mila Zhluktenko e Daniel Asadi Faezi
(Mila Zhluktenko e Daniel Asadi Faezi/divulgação)

Por que? Como? São perguntas razoáveis, mas que ao filme não interessa responder. Sua proposta é outra: ser incisivo, poético e distinto. O curta transforma em sonho o que tememos ser nosso pesadelo futuro. No meio desse deserto, o filme tenta trazer de volta o mar para que o último pescador realize seu sonho de voltar a pescar.

Embora pareça uma proposta de conteúdo intimista, o que percebemos é uma distância que parece proposital. Não se trata de impessoalidade, mas de coletividade. É dessa forma, sútil e provocativa, que Aralkum busca disparar nossos alertas. O filme não nos permite acreditar que se trata tão somente de um relato limitado a descrever uma ocorrência atípica, pessoal, incomum e inacessível ou mesmo rara para o restante do mundo. A sua montagem, sua sonoplastia, direção de fotografia e, sobretudo, seu roteiro, lançam mão de uma série de recursos capazes de conferir ao filme um certo tom onírico. Talvez desejássemos mesmo manter o filme nessa definição de retrato do passado. No entanto, o presente, a realidade, age e insiste em colocá-lo como possível retrato do futuro.

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Aralkum
(Aralkum/reprodução)

É muito interessante perceber que a falta de uma presunção demasiada e explícita no filme é fundamental para que o mesmo alcance o seu potencial máximo. Aralkum é um exemplo preciso da máxima atribuída ao Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. O mundo age sobre o filme e torna-o universal. Onírico sim, marcado pelo entorno também, mas justamente por isso, fincado na universalidade, no que se refere à questão climática. Ora, a quem não amedronta a ideia de ter um deserto no lugar do mar? Uma ameaça que parece ser uma praga do Egito, de tão distante, brutal e surreal. Mas que, na verdade, está prevista nos estudos e cálculos. Um destino quase exato. É esse o cerne do filme: a apresentação do fabuloso que também é real.

Não se trata de um filme com forte carga dramática. Não, isso não é necessário. Ao invés desse recurso, o filme utiliza, repito, nosso imaginário. São inúmeras as sociedades marcadas pela figura do pescador. Há outras tantas assusta a ausência do mar. Em todas o filme transmitirá a estranha sensação de saudade daquilo que ainda está. É um medo contido pelo alívio de imaginar que perder o mar é uma tragédia que não irá nos ocorrer. Aralkum cumpre sua função como pulga atrás da orelha sussurrando: será?

Aralkum
(Aralkum/reprodução)
Aralkum

Direção: Daniel Asadi Faezi, Mila Zhluktenko
Uzbequistão, Alemanhã – 13 min – 2022

12ª Mostra Ecofalante de Cinema
São Paulo – 1 a 14 de junho

Sessões:
9/6 – 21:45
Espaço Itaú de Cinema – Augusta, Sala 3

13/6 – 21:45
Espaço Itaú de Cinema – Augusta, Sala 3

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