Megan Falley e a luz que Andrea Gibson deixou
Em entrevista exclusiva à Bravo!, a poeta fala sobre amor, poesia e o legado de uma vida transformada em arte
Andrea Gibson foi uma das vozes mais poderosas e comoventes da poesia contemporânea. Primeira poeta não binária a receber o título de Poeta Laureade do Colorado, Andrea transformou o spoken word em uma experiência de empatia, política e vulnerabilidade — uma arte onde o corpo e a palavra se fundiam para reivindicar humanidade. Sua poesia falava sobre amor, trauma, identidade e coragem com a delicadeza de quem sabia que o coração é, ao mesmo tempo, abrigo e trincheira.
Ao seu lado, a poeta e professora Megan Falley compartilhou não apenas o palco, mas a vida, o riso e o silêncio. Parceiras dentro e fora da arte, Megan e Andrea construíram juntas uma obra de amor e resistência. Dessa intimidade nasceu Come See Me in the Good Light, documentário dirigido por Ryan White e produzido por Tig Notaro, Glennon Doyle e Abby Wambach, entre outros.
Mais do que um retrato sobre o adoecimento, o filme — vencedor do Prêmio do Público em Sundance e adquirido pela Apple TV+ — é uma elegia luminosa sobre viver plenamente, mesmo diante da finitude. A crítica internacional tem destacado sua honestidade desarmante, o equilíbrio entre ternura e humor, e a capacidade de transformar a dor em beleza. Andrea e Megan não se escondem da doença: compartilham cada gesto, cada fraqueza e cada reencontro com a alegria, em uma jornada de vulnerabilidade radical.
É um documentário íntimo, honesto, sensível e profundamente emocionante. Megan e Andrea — que faleceu um ano após o fim das filmagens — nos permitem testemunhar um amor real, inspirador e tocante, enquanto enfrentam a pior das notícias. O resultado é um registro poético da coragem de uma artista apaixonada pela vida, que transforma até o adeus em arte.
A Revista Bravo! foi a única publicação brasileira a conversar com Megan Falley. Em poucos minutos, sua doçura, franqueza e amor por Andrea foram evidentes. A seguir, ela fala sobre o processo do documentário, o legado de Andrea e a beleza de permanecer — mesmo na ausência.
Revista Bravo! — Como surgiu a ideia de registrar esses momentos? Foi uma decisão difícil?
Megan Falley: Nada difícil. No momento em que nos perguntaram se consideraríamos fazer o filme, dissemos “sim” imediatamente. Naquela época, a visão de Andrea já estava bastante comprometida, então escrever no computador era difícil. A ideia de que ainda poderíamos fazer arte, mesmo quando o corpo começava a impor limites, nos atraiu muito. E, de certa forma, o próprio corpo — suas limitações, sua fragilidade — acabou se tornando parte da arte. Como artistas, sabíamos que suprimir a criatividade nunca é algo neutro. O documentário nos permitiu continuar criando sem que Andrea precisasse colocar o corpo em risco em turnês ou apresentações. Era algo que continuaria a viajar, a tocar pessoas pelo mundo, levando a mesma mensagem que Andrea espalhava nos palcos.
Revista Bravo! — E como foi o processo de filmagem? O resultado é tão íntimo que o público sente como se estivesse na sala com vocês.
Megan Falley: A maior parte foi filmada por Brandon Somerhalder, o diretor de fotografia. Ele usava quase sempre o tripé, e não havia câmeras portáteis invadindo o espaço. Tudo era muito natural, captado no momento. Mantivemos a mesma equipe durante todo o processo — mesmo diretor, mesmo produtor, mesmo operador de som — para preservar essa sensação de intimidade, como se formássemos um pequeno ecossistema. Acho que por isso o filme não parece intrusivo: para nós, era apenas como ter amigos na sala, presenciando momentos que normalmente seriam só nossos.
Revista Bravo! — Como foi para você ver a arte de Andrea — e a sua também — traduzida para o cinema?
Megan Falley: O que mais me emocionou nem foi a poesia em si, porque já estávamos acostumadas a vê-la em palco, entrevistas, gravações. O que mais me tocou foi que, finalmente, o público pôde conhecer o lado de Andrea pelo qual eu me apaixonei: a pessoa engraçada, excêntrica, espirituosa, cheia de alegria. Antes da doença, vivíamos viajando, fazendo shows, e o mundo via apenas a artista sábia e vulnerável. Mas Andrea também era um “goofball” maravilhoso — divertida, leve, humana. E o cinema permite mostrar isso de um jeito que as palavras não conseguem. O filme mostra o que antes só podíamos tentar descrever.
Revista Bravo! — Imagino que assistir agora, sem Andrea presente, deva ser difícil.
Megan Falley: É, muito. Choro sempre. Ver o filme sem ela é doloroso, mas também sinto uma gratidão enorme por ele existir. É raro perder alguém e ter um monumento tão bonito erguido para essa pessoa — e para o amor que compartilhamos. Há uma frase no filme que sempre me incomodou quando Andrea ainda estava viva: quando ela diz que, se morresse, as pessoas que a amavam se tornariam mais elas mesmas. Eu odiava ouvir isso, porque queria convencer o universo de que nada de bom poderia vir da morte dela. Mas agora, depois da partida, escuto essa frase de outro modo. Ela soa como um convite: o de continuar vivendo da forma mais plena, vulnerável e luminosa possível.
Revista Bravo! — O filme termina de forma muito sutil, sem um “adeus” explícito. Foi uma escolha deliberada?
Megan Falley: Essa decisão foi dos cineastas, não minha. Mas acho belo que o filme não termine com uma despedida. Andrea ainda estava viva — e viveu por mais um ano após aquelas cenas. O diretor Ryan White sempre dizia que não era um filme sobre morrer, e sim sobre viver. O herói não precisava morrer no fim.
Revista Bravo! — E essa talvez seja a mensagem mais bonita: não é um filme sobre a morte, mas sobre o amor que continua.
Megan Falley: Exatamente. É sobre a vida — e sobre a forma como ela se expande quando a olhamos pela luz certa.
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