‘O Agente Secreto’ é, sim, tudo o que dizem
O longa, escolhido para representar o Brasil na disputa do Oscar, estreia em 6 de novembro e já é considerado um dos melhores filmes do ano

Se reunir críticos, cinéfilos, jornalistas e cineastas em uma sala, dificilmente haverá consenso sobre o que faz um bom filme. Existem manuais de roteiro que oferecem caminhos, mas nenhum deles garante o resultado. Mesmo seguindo todas as regras, o risco de fracassar continua alto, já que o cinema depende de um conjunto de circunstâncias — estar no lugar certo, na hora certa e, sobretudo, com as pessoas certas. Elenco, autores e diretores são a espinha dorsal de qualquer projeto. Nesse aspecto, Kleber Mendonça Filho parece ter encontrado um verdadeiro trunfo em seu novo longa, O Agente Secreto, que estreia em 6 de novembro e já desponta como candidato ao Oscar de 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional, liderado por Wagner Moura.
Mas vale uma ressalva: não deveríamos medir o cinema apenas pela régua do Oscar. O que realmente importa é o que uma obra nos acrescenta — em conteúdo, emoção ou simplesmente pelo prazer de acompanhar uma boa narrativa. E Kleber parece ter colocado suas forças em redescobrir como se conta uma boa história. E não só isso, uma que tenha características e uma identidade verdadeiramente brasileira. Em sua nova obra, ele parece radicalizar o desejo de soltar das amarras e do estilo caracterizado do cinema estadunidense, de Hollywood. E essa é uma das melhores características de seu novo longa.
Sem ser excessivamente complexo, o filme se destaca na escolha dos símbolos e elementos culturais tão particulares que provocam um sorriso imediato de reconhecimento, mesmo diante da diversidade. Está no jovem que pega carona no batente da porta de um Fusca, na senhora que fuma desde os 12 anos, os resquícios do carnaval, e em cada detalhe da construção imagética e do vocabulário. Tudo é preciso e gera alguns dos melhores momentos do longa.
Quem lê a sinopse antes de assistir ao filme, pode ir um pouco confuso. E, de fato, ela não adianta muita coisa. Ela menciona um homem que foge do seu passado e busca uma nova vida. Em parte, é verdade. Marcelo (Wagner Moura), talentoso pesquisador acadêmico, precisou abandonar sua vida anterior após desentendimentos com um poderoso empresário, que passou a ameaçar sua vida. O ano é 1977, e ele chega a Recife, onde reencontra seus sogros e o filho, que não vê desde que começou a ser perseguido. Marcelo vive sob um tipo de proteção à testemunha. Ao redor dessa trama central, outras histórias se entrelaçam.
Sua chegada acontece no Carnaval, quando todos ainda estão meio desacordados, sem muita vontade de viver para além da folia. Até o delegado convocado para atender um chamado chega com a camisa aberta, barrigão à mostra e glitter espalhado pelo corpo. O argumento de fundo é que o Brasil daquele momento era assim: espontâneo, desorganizado, com instituições ainda pouco estruturadas. O caso que ele precisa apurar envolve uma perna, supostamente de um homem, encontrada dentro da barriga de um tubarão. A pesquisadora mais séria da sala garante que tudo seja feito com cuidado, enquanto um dos homens sugere simplesmente cortar a perna com um canivete. O cenário é caótico e, ao mesmo tempo, cômico. É puro suco de Brasil.
A história da perna se transforma em narrativa de fundo, trágica e divertida, que captura o espírito do lugar e do período. Ela vira charge de jornal, e os meninos da cidade correm para comprar o periódico e acompanhar a próxima aventura da perna sem dono. Por muito pouco não vira marchinha de carnaval. Tudo é absurdo, mas também trágico. O Carnaval acumula mortes — 99 até ali — e promete mais até o fim do feriado.
Quando Marcelo chega a Recife, precisa abastecer o carro. No posto, depara-se com o corpo de um homem morto coberto por um papelão. O dono do local explica que ele está ali há três dias, mas a polícia não apareceu. Curiosamente, a polícia rodoviária surge naquele instante, mas não se interessa pelo morto. Foca no forasteiro, revistando seu carro, questionando detalhes triviais e procurando maneiras de tirar algum proveito. O corpo permanece estendido, ignorado, enquanto o disparate da situação se escancara.
Kleber Mendonça Filho explora um Brasil cheio de pirraça, que age por teimosia, de forma contrária, quase sem propósito. A ditadura militar aparece nas notícias e diálogos, como pano de fundo da revolta contra os comunistas, mas nunca é o enredo central. Ao mesmo tempo, o diretor mostra um Brasil criativo, cheio de heróis e ícones culturais — Chacrinha, Grande Otelo, Tarcísio Meira e Glória Menezes —, que ama futebol, boas histórias e encontra qualquer motivo para se reunir e dar risada.
Marcelo, personagem de Wagner Moura, surge como contraponto: delicado, sensível, ainda capaz de se chocar com as barbaridades daquele cotidiano, enquanto outros parecem anestesiados. A atuação rendeu a Moura o prêmio de Melhor Ator em Cannes (junto a Kleber, que venceu por direção), e já circulam rumores de que ele pode concorrer ao Oscar. O poder do desempenho está nos olhares e no subtexto, lembrando a sutileza de Fernanda Torres como Eunice, em Ainda Estou Aqui.
Outro destaque do filme é Tânia Maria, que interpreta Sebastiana, uma personagem carismática que oferece os momentos mais divertidos e encantadores da narrativa. É delicioso demais vê-la em cena. E, certamente, após o filme estrear, ela será reverenciada nas redes e na mídia em geral. Natural do Rio Grande do Norte, artesã, Tânia começou sua carreira aos 72 anos e hoje, aos 76, e chegou a ser considerada uma das possíveis concorrentes ao prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante — reconhecimento mais do que merecido.
Há um ponto que merece destaque: o filme apresenta diversos acontecimentos paralelos, mas poucos desfechos. O final surge de forma um tanto apressada, transmitindo uma sensação de que algo está incompleto. Mas isso não diminui os demais méritos do filme. E todas essas voltas para reafirmar os elogios da imprensa e crítica internacional: O Agente Secreto é um dos melhores filmes do ano e, sem dúvida, a obra-prima de Kleber Mendonça Filho.