Avatar do usuário logado
OLÁ,

O Auto da Compadecida 2 oferece uma continuação à altura do clássico

O longa, dirigido por Guel Arraes e Flavia Lacerda, estreia nos cinemas na véspera de Natal, 25 anos após o lançamento do primeiro filme

Por Humberto Maruchel
23 dez 2024, 09h00
auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
 (Laura Campanella/divulgação)
Continua após publicidade

Era um projeto despretensioso que deu muito certo, podemos resumir dessa maneira. Rapidamente, o filme O Auto da Compadecida tornou-se uma das joias do cinema nacional no início dos anos 2000. O longa, estrelado por dois jovens atores à época, Matheus Nachtergaele e Selton Mello, é até hoje lembrado como um dos preferidos de muitos brasileiros, e elevou ambos os artistas ao status dos nomes mais populares do audiovisual brasileiro. 

Vinte e cinco anos depois, a produção ainda é lembrada, seja pelas atuações, pelas cenas hilárias ou pela ousadia de um texto escrito na década de 1950. Após tanto sucesso, a hipótese de uma sequência parecia inevitável. No entanto, tanto tempo se passou quando o projeto foi finalmente anunciado, que fomos todos pegos de surpresa. Agora, essa história finalmente ganha continuidade: no próximo dia 25, estreia O Auto da Compadecida 2, com boa parte do elenco original.

A ideia de fazer o filme veio em 2019. “Eu sentia que havia essa demanda. Nós fizemos um encontro, e foi muito maravilhoso, e houve uma questão pessoal: nós ficamos muito emocionados, pois trocamos impressões sobre a repercussão do filme em nossas carreiras. Esses personagens ainda são reconhecidos nas ruas”, explica o diretor Guel Arraes (que dirigiu o filme ao lado de Flávia Lacerda) sobre a ideia de retomar a história numa continuação.

O filme poderia ser um drama trágico ou mesmo um documentário, refletindo as mazelas de um Brasil sofrido. No entanto, aqueles dois personagens caricatos se tornaram heróis ao enfrentarem as adversidades com astúcia. Buscam, em todas as brechas, uma saída para os problemas, mesmo quando estas esbarram em dilemas morais. Não se trata exatamente da lei do mais forte, mas da do mais esperto. 

Selton Mello e Matheus Nachtergaele revivem suas versões de Chicó e João Grilo, respectivamente, agora um pouco mais grisalhos, mas com o mesmo espírito travesso de meninos que querem de todo jeito tirar vantagem das situações em que se veem metidos. Chicó sobrevive vendendo santinhos de madeira e ele acredita que João Grilo morreu mais uma vez. Há muito que os dois não se veem.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Selton Mello e Matheus Nachtergaele revivem suas versões de Chicó e João Grilo em “O Auto da Compadecida 2” (Laura Campanella/divulgação)
Continua após a publicidade

As circunstâncias, contudo, permanecem duras: ele vive no sertão nordestino, na fictícia Taperoá, convive com a miséria e precisa se reinventar diariamente para driblar a fome e o risco de morte. “São como passarinhos, que estão na rua se alimentando, mas que estão o tempo todo de olho nos perigos à sua volta”, compara Matheus Nachtergaele em coletiva de imprensa a qual Bravo! esteve presente.

“O Ariano Suassuna e o Guel nos entregaram, a mim e ao Selton, os nossos palhaços. Eles nos deram os maiores personagens cômicos da dramaturgia brasileira para defender. Esse presente foi se estendendo nesses 25 anos porque depois de estrearmos o Auto, fomos jogados para dentro do coração de cada brasileiro. Todo sorriso que recebemos nas ruas é um pouco para João Grilo e Chicó. Todas as vezes que alguém fala comigo, me perguntam ‘cadê o seu amigo?’. Esse meu amigo é o Chicó.”, relata Matheus.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Cena do filme ” O Auto da Compadecida 2″ (Laura Campanella/divulgação)

A nova história se passa 20 anos após os acontecimentos do primeiro filme, na década de 1950, com o início da modernização e aumento do êxodo para cidades do sudeste. Embora a peça tenha sido escrita em 1955, sua trama original ocorre nos anos 1930. Nessas duas décadas, a cidade retratada cresceu: agora há ônibus circulando, e não apenas cavalos, mas o lugar está completamente abandonado, caindo aos pedaços, e a população ainda enfrenta os efeitos da seca. 

Continua após a publicidade
auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Humberto Martins surge irreconhecível no filme ” O Auto da Compadecida 2″ (Laura Campanella/divulgação)

Em meio à escassez material, surgem os oportunistas. Humberto Martins (o fazendeiro Ernani) e Eduardo Sterblitch (Arlindo), um empresário e dono da única rádio da cidade, decidem disputar o cargo de prefeito, mas precisam desesperadamente do apoio popular. É aí que João Grilo reaparece. Agora, ele virou uma espécie de lenda. Todos conhecem sua história, especialmente o milagre da ressurreição que viveu. Popularidade não lhe falta, e ele decide usá-la a seu favor, manipulando os dois novos patrões e assumindo o papel de “servo de dois mestres”.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Arlindo (Eduardo Sterblitch) no filme “O Auto da Compadecida 2” (Laura Campanella/divulgação)

Para criar novos personagens, Guel mergulhou em outras obras de Ariano Suassuna. De “A Farsa da Boa Preguiça” (1960), por exemplo, surgiu Clarabela, interpretada por Fabíula Nascimento. Filha de Ernani, Clarabela é uma dondoca que volta ao sertão exaltando-o como o melhor lugar do mundo, embora inicialmente esteja apenas de passagem. Porém, ao longo da trama, ela se encanta por Chicó. Este, por sua vez, assume uma nova função no filme: torna-se o narrador, o contador de histórias responsável por manter viva a história de João Grilo. Já Rosinha (Virginia Cavendish), que havia tomado um caminho diferente de Chicó, retorna como uma mulher muito mais independente e resoluta.

Continua após a publicidade
auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Rosinha (Virginia Cavendish) em cena do filme “O Auto da Compadecida 2” (Laura Campanella/divulgação)

Além da emoção do elenco por estarem juntos novamente, o projeto também carrega uma reflexão sobre o caos social do país, como explica Guel Arraes: “O segundo ponto que nos levou a decidir é que estamos num momento em que o Brasil está muito fragilizado, esculhambado. Um país em que estamos perplexos nos perguntando ‘que país é esse’. Acho que a cultura nos dá chão, nos sustenta. Esses personagens falam de um Brasil inteiro. E tínhamos um instrumento muito bom para falar disso de uma maneira leve. Precisamos voltar a gostar do Brasil.”

Selton Mello, que também participou da coletiva de imprensa, comentou o momento de renascimento do cinema brasileiro após a estreia e boa recepção da audiência do novo filme de Walter Salles, “Ainda estou aqui”, no qual Selton interpreta o deputado Rubens Paiva. Até o momento que esse texto foi publicado, o filme havia atraído mais de 2,5 milhões de espectadores no Brasil. “Para o ‘Auto’ é ótimo, pois preparou uma cama para gente deitar. O público está adorando ir ao cinema, conseguimos tirar o público de casa”, afirma o ator, ao comentar sobre um dos novos desafios dos artistas de cinema.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
Selton Mello no filme ” O Auto da Compadecida 2″ (Laura Campanella/divulgação)
Continua após a publicidade

Mexer numa obra de grande sucesso sempre é um risco, e exemplos de continuações que prejudicaram a imagem de filmes aclamados não faltam no cinema. Felizmente, O Auto da Compadecida 2 consegue entregar uma continuidade digna. Embora não supere o original – que permanece um clássico –, o novo filme resgata o que há de mais cativante: seus personagens centrais. O longa também acompanha uma série de sequências nesses últimos dois anos, como foi o caso de Estômago 2 e Ó pai ó 2. O Auto da Compadecida, entretanto, se sai melhor. E aqui, as interpretações, mais uma vez, são um dos grandes méritos da produção. Para Matheus Nachtergaele, por exemplo, é como se o tempo nunca tivesse passado e João Grilo estivesse sempre guardado, pronto para ressurgir, com o mesmo jeitinho.

Somam-se a ele outras atuações de destaque, como as de Humberto Martins, irreconhecível como o bronco Coronel Ernani, Eduardo Sterblitch como o aproveitador Arlindo, Enrique Diaz no papel do assassino Joaquim Brejeiro e o divertido Luís Miranda, que vive Antônio do Amor, o novo comparsa de João Grilo.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
(Laura Campanella/divulgação)

Há, no entanto, algumas escolhas que podem gerar estranhamento, como a construção do cenário virtual com tecnologia LED (Light Emitting Diode) – o filme foi todo gravado em estúdio – e a utilização de dublagem (num processo quer durou quatro meses após as gravações), o que raramente funciona bem em longas live-action. A estética, em vários momentos, lembra o visual do stop-motion, o que pode agradar ou não, dependendo do espectador.

Continua após a publicidade

Além disso, há um importante furo na dramaturgia: os vilões, personagens interessantes, que começam com um arco promissor, acabam sendo relegados a segundo plano, enquanto a narrativa volta a focar no destino de João Grilo. Desta vez, ele precisa enfrentar sozinho um tribunal composto por Jesus e o Diabo, com o auxílio de Nossa Senhora, interpretada por Taís Araújo.

auto-compadecida-2-chico-joao-grilo-matheus-nachtergaele-selton-melo-tais-araujo-virginia-cavendish-eduardo-sterblich-fabiola-nascimento-enrique-diaz-luellem-castro-humberto-martins-luis-miranda-juliano-cazarre-guel-arraes-flavia-lacerda-fiklme-cinema-sequencia-continuacao-estreia
(Laura Campanella/divulgação)

No primeiro filme, os dramas abordavam questões sobre o que havia de bom e mau em cada pessoa, um dos aspectos que tornaram a história tão especial. Agora, já estamos familiarizados com os dilemas de João Grilo e não há muitas dúvidas sobre sua capacidade de fazer o bem, o que reduz as surpresas ao longo da trama. Essa talvez tenha sido uma escolha mais segura de roteiro, mas pouco ousada. Ainda assim, isso não compromete a qualidade do filme, que consegue ser cativante e divertido, renovando o carinho pela obra de Ariano Suassuna, que, se diga de passagem, continua sendo a peça mais montada em todo o Brasil. 

Confira abaixo o trailer do filme O Auto da Compadecida 2:

Publicidade