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Os percalços da animação no Brasil

O festival CineOP focou na perspectiva histórica da animação brasileira e reuniu diversos profissionais para discutir os desafios atuais

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 28 jun 2024, 10h25 - Publicado em 28 jun 2024, 09h00
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OURO PRETO - MG - 19ª CINEOP - Exibição da Animação A SAGA DE ASA BRANCA, de Lula Gonzaga (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)
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Desde que o Anima Mundi, o maior festival brasileiro de animação, acabou, há entre os animadores um sentimento de melancolia. Foi, afinal, a perda de um espaço que simbolizava uma janela de comunicação com o mercado, com os colegas de profissão, mas também um elo crucial com o público. Desde então, a vida parece caminhar de maneira mais solitária para os criadores.

A produtora cultural Raquel Hallak estava atenta a essa discussão. Responsável pela coordenação de três dos maiores festivais de cinema do país (Tiradentes, Ouro Preto e Belo Horizonte), ela decidiu fazer desse debate o coração de sua mais recente mostra de cinema: a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, que chegou à sua 19ª edição.

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Cena de “O menino e o mundo”, do homenageado Alê Abreu, que concorreu ao Oscar de Melhor animação em 20216 (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

O evento se distingue por organizar todas as suas atrações em torno de três eixos: preservação, história e educação, presentes em toda a programação, desde a exibição de filmes (antigos e contemporâneos) nacionais e internacionais até debates, seminários, oficinas, etc. Nesta edição, o tema foi “Cinema de animação no Brasil: uma perspectiva histórica”, abordando a breve história do surgimento e desenvolvimento da linguagem da animação no Brasil. O homenageado foi Alê Abreu, criador de “O menino e o mundo” (2014), indicado ao Oscar de Melhor Animação.

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“Castelos de vento”, da diretora Tania Anaya, fez parte da mostra histórica da CineOP (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

“A ideia do cinema de animação surgiu da pesquisa de tentar trazer à luz e dar espaço ao que às vezes está adormecido ou distante do público. Essa ressignificação de épocas, sempre em uma perspectiva histórica, é a proposta da CineOP. Nosso curador Kleber trouxe inicialmente essa proposta do cinema de animação, e eu, imediatamente, disse que queria esse tema porque existe uma lacuna de discussão desde que o Anima Mundi acabou, que era o espaço de encontro desses pesquisadores. O cinema de animação é um gênero que tem crescido muito no Brasil, mas, por outro lado, estamos perdendo muitos profissionais para o exterior”, afirma Raquel Hallak.

“O cinema de animação é um gênero que tem crescido muito no Brasil, mas, por outro lado, estamos perdendo muitos profissionais para o exterior”

Raquel Hallak
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a produtora cultural Raquel Hallak, responsável pela produção da CineOP (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)

Há outro vácuo em torno dessa discussão. No Brasil, não existem dados oficiais sobre a animação, acerca da quantidade de projetos que já foram produzidos e que estão em desenvolvimento. Por outro lado, há levantamentos feitos por indivíduos, como a pesquisa realizada por Marão, um dos nomes mais conhecidos da área. Uma pesquisa feita pelo diretor, cedida à CineOP, mostra que a lista de longas de animação já feitos no Brasil ainda é muito estreita, contando apenas 70 títulos criados desde a estreia do primeiro longa do gênero, “Sinfonia Amazônica” (1953), de Anélio Lattini. Quando se fala dessa linguagem, abrangem-se tanto os títulos infanto-juvenis quanto os destinados ao público adulto.

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“Eu comecei a trabalhar, ou tentar trabalhar, com animação nos anos 90. Quando fizemos o primeiro levantamento sobre animação brasileira no início dos anos 2000, conseguimos listar um pouco mais de 300 curtas-metragens de animação, desde 1917, que foi o primeiro curta de animação, até os anos 2000. Em 90 anos, foram produzidos menos de 20 longas-metragens de animação”, declara Marão, que recentemente lançou o longa “Bizarros Peixes das Fossas Abissais”.

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OURO PRETO – MG – 19ª CINEOP (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)

“No início da ABCA (Associação Brasileira de Cinema de Animação), pensávamos: o que é mais importante? Tentar conseguir fomento para começarmos a produzir ou aprender a fazer? Devemos formar mão de obra ou conseguir financiamento e trabalho para isso? Essas eram as questões que enfrentávamos. Durante os últimos 20 anos, estivemos tentando aprender a fazer animação e a conseguir editais específicos”, completa o cineasta.

Chama atenção que apenas 10 cineastas conseguiram realizar mais de um longa durante suas carreiras. Por que tão poucos? Pois custa muito caro fazer um longa de animação, repetem diversos animadores presentes na CineOP.

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Cena do curta-metragem “Guida” de Rosana Urbes, todo feito em aquarela e exibido no encerramento da mostra (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

“São pouquíssimos os filmes de animação que já foram lançados ou que estão sendo lançados. Todos aqui estão fazendo seu primeiro longa-metragem, e isso, inclusive, é uma das dificuldades com as distribuidoras, porque, em geral, elas investem mais em autores conhecidos. Um animador muitas vezes passa a vida inteira trabalhando em uma única linha de produção. Então, é difícil para uma produtora investir dinheiro no primeiro longa de um animador”, afirma a diretora Tânia Anaya.

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Lançado em 2023, “Bizarros peixes de fossas abissais” de Marão é um dos longas animados já produzidos no Brasil (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

Para além da produção, há o desafio de fazer com que os filmes cheguem aos espectadores. Por esse motivo, os festivais de cinema são espaços importantes de circulação. Atualmente, há também a disputa com os streamings, que, por falta de regulamentação, ainda empurram muitos criadores para uma concorrência injusta.

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“Os streamings estão pagando muito pouco de licenciamento, é um valor ridículo. Isso me deixa muito revoltado porque é um dinheiro público, que se você vende barato, você acaba financiando o ganho da plataforma com verba pública. Tenho lutado muito para que o filme não seja vendido a preço de banana. Prefiro passar filmes nas comunidades, em praça pública; dar de graça para a população do que ceder por uma mixaria para uma empresa estrangeira, que não colabora em nada com o setor independente”, conta o diretor Igor Bastos, criador da animação “Placa-Mãe”.

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“Placa mãe” de Igor Bastos (19ª Mostra de cinema de Ouro Preto/reprodução)

Durante o debate, a reportagem perguntou ao cineasta o valor que a plataforma ofereceu ao seu longa. Ele, no entanto, não pôde responder por questões contratuais. “Varia muito do filme. Vai de 6 mil por ano até 3 milhões, como as comédias de [Leandro] Hassum. Não tem um preço, eles olham para a sua cara e dão o preço”, conclui Igor.

Muitos criadores dependem quase inteiramente de leis de fomento para realizar seus filmes. Ao finalizar suas obras e chegarem à fase de circulação, enfrentam a competição com produções multimilionárias de estúdios americanos, que dominam a maioria das salas de cinema.

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OURO PRETO – MG – 19ª CINEOP – Longa Mostra Histórica – Perlimps de Alê abreu (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)

“O orçamento inteiro que temos para fazer um filme daria para produzir apenas 9 segundos de ‘Wish’, o último da Disney. Quando alguém perguntou o valor e eu respondi, a pessoa questionou: ‘Só 9 minutos?’ Não, são 9 segundos. E, ao ser publicado, corrigiram para mais ou menos 10 segundos. Para completar 10 segundos, precisaríamos de mais R$150 mil. A comparação com o mercado estadunidense é muito injusta”, afirma Marão.

Homenageado da vez em Ouro Preto, Alê Abreu celebra o reconhecimento do festival, ao mesmo tempo que fala com certo desânimo sobre a conjuntura da animação atual. “Acho que o mercado é completamente dominado, e resta pouco espaço para o cinema independente, não apenas para a animação. A esfera pública foi transformada, tornando-se o mercado em si, e há pouca prateleira para o cinema independente, incluindo a animação. A animação como arte é o que se deseja, para os artistas que querem fazer um trabalho independente, que não obedece às fórmulas de mercado. É um campo muito fechado.”

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O diretor Alê Abreu, homenageado da mostra (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)

Uma das convidadas do evento, Adriana Pinto, presidente da ABCA – Associação Brasileira de Cinema de Animação, destacou a necessidade premente de abordar a condição dos profissionais da animação e implementar medidas efetivas para sua proteção. “Hoje estou interessada em ir ao Ministério do Trabalho e dizer: ‘Cara, se o meu ilustrador tem uma bursite severa e não pode mais trabalhar, como fica? Por que sou invisibilizada pelo governo de um lado e não do outro?’ E não falo do Ministério da Cultura, que sabe da nossa existência e levanta nossos números oficiais. Por que, quando vou fazer minha carteirinha do SUS, não encontro minha profissão no sistema do governo? Ali, estou invisível, mas todo mês pago meus impostos, meu DARF, meu MEI, meu ME. Como o governo me vê de um lado e não vê do outro?”, destaca a gestora.

“Se eu tivesse o poder de pautar o assunto que devemos discutir agora, para mim seria sobre a seguridade e a visibilidade dessa categoria de trabalho. É sobre o trabalhador”, conclui Adriana.

O festival CineOP, que encerrou na última segunda-feira (24), exibiu 153 filmes e reuniu um público aproximado de 18 mil pessoas. Parte da programação de filmes pode ser vista na plataforma Itaú Cultural Play.

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O público assiste aos filmes da mostra na tela montada na praça central de Ouro Preto (Leo Lara/Universo Produção/divulgação)
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