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Relações não monogâmicas no centro do debate

"A Porta ao Lado", filme de Julia Rezende aborda os conflitos de dois casais vizinhos, que seguem formatos de relacionamentos distintos

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 29 mar 2023, 10h50 - Publicado em 29 mar 2023, 10h49
Elenco do filme "A Porta Ao Lado"
 (Desiree do Valle/divulgação)
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Imagine que você está num relacionamento, monogâmico, sólido, e de longa data, mas que nele há discussões não ditas, quase proibidas. A grande dúvida que paira é: o que fazer com o desejo e atração por outras pessoas? Qual é a saída para isso?

É mais ou menos essa situação que abre o filme A Porta ao Lado, de Julia Rezende. Rafa (Dan Ferreira) e Mari (Letícia Colin) vivem uma união estável, sem filhos, uma vida bastante confortável. Até que conhecem os novos vizinhos, Isis (Bárbara Paz) e Fred (Tulio Starling), outro casal, que também possui uma relação estável, mas não monogâmica.

Cena do filme
(Desiree do Valle/divulgação)

A trama, embora, não seja carregada de grandes conflitos, é acompanhada por uma tensão de início ao fim, como se algo trágico estivesse prestes a acontecer. A apreensão, entretanto, diz muito mais respeito ao peso que o assunto oferece aos casais, especialmente àqueles que vivem um relacionamento monogâmico, mas que estão em dúvida sobre qual “modelo” é o ideal, do que, de fato, a concretização de algo muito ruim.

Por circunstâncias do cotidiano, as vidas dos vizinhos começam a se cruzar nos pequenos encontros e, rapidamente, se veem enredadas.

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A diretora Julia Rezende, de Depois a Louca sou Eu, conta que o filme foi um desdobramento de discussões que teve com a atriz Letícia Colin logo após lançarem a obra Ponte Aérea, que fala sobre o começo de uma relação entre dois jovens. Os dois filmes foram escritos pelos roteiristas LG Bayão e Patrícia Corso. “Começamos a pensar como seria dar um passo adiante. Ali era uma história de dois jovens namorados. Ficamos pensando em qual seria a etapa seguinte, do casamento. Como a gente vive isso hoje? Os nossos afetos, o nosso desejo. E o que é traição para cada um? Quais são os acordos possíveis? Flertar na internet é traição? Transar com um vizinho é mais grave do que com um desconhecido?”

Julia Rezende Diretora do filme
(Desiree do Valle/divulgação)

Sabendo da complexidade do assunto, e buscando entender um pouco mais a mecânica dos relacionamentos atuais, Julia convidou a jornalista Laura Rezende para fazer uma pesquisa. Ela entrevistou 40 pessoas, homens e mulheres, entre 20 e 40 anos, e perguntou sobre suas sexualidades, suas expectativas nas relações e o que encaram como traição. “Nós nos surpreendemos com o resultado, porque a gente tinha uma expectativa de que aos 20 anos as pessoas iam responder que tudo era muito fluido. Mas nos deparamos com jovens muito desejosos de um casamento, de uma família. Por outro lado, pessoas de 30+, talvez um pouco mais desiludidas com esse modelo, estavam buscando alternativas, novos caminhos.”

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“Como a gente vive isso hoje? Os nossos afetos, o nosso desejo. E o que é traição para cada um? Quais são os acordos possíveis? Flertar na internet é traição? Transar com um vizinho é mais grave do que com um desconhecido?”

Julia Rezende

A partir das respostas, das próprias experiências e observações, criaram A Porta ao Lado. Para a diretora, há uma ilusão de que estamos lidando com um assunto novo, mas que acompanha muitas gerações. E que tanto a monogamia, quanto as relações abertas, funcionam de modos distintos para cada um dos gêneros. Muitas vezes, desigual e injusta. “Escutei muito de mulheres com mais de 60 anos, muito emocionadas com filme, dizendo o quanto se identificaram com essa história. E o que senti de muitas delas era um desejo de ter vivido outras relações, ter se permitido ir além, mas não puderam porque havia um acordo. Por outro lado, seus parceiros, seus maridos, se permitiram.”

Os questionamentos foram reproduzidos entre o elenco. E, apesar de lidarem com personagens que estão em busca de dar passos no sentido de atender os próprios desejos, todos os entrevistados vivem e preferem relações monogâmicas. Isis, interpretada por Bárbara Paz, talvez seja a personagem que mais vive sua liberdade. Entende as próprias vontades e consegue conviver com as dos demais personagens. Bárbara, no entanto, possui outra forma de encarar os relacionamentos. “Por mais que eu tenha uma cabeça liberal e converse muito com meu tempo, sou monogâmica. Porque sou muito romântica e gosto de me relacionar a dois. Nesse sentido, sou muito diferente da Isis”, afirma. “Esse é um dos assuntos mais falados atualmente. E está por todos os lados, se não dentro de casa, na porta ao lado, na casa dos vizinhos. É algo muito natural nos tempos de hoje a abertura de relacionamento. Mas nem por isso eu acho que o casamento está falido.”

Cenas do filme
(Desiree do Valle/divulgação)

Isis e Fred são o outro lado da moeda de Rafa e Mari. Para eles, não há nenhuma preocupação se o parceiro sai ou transa com outras pessoas, mas isso não significa que a relação está livre de pactos. De modo que uma mentira, ou uma experiência não compartilhada, pode ser tão prejudicial quando a infidelidade nos moldes de um relacionamento monogâmico. Um dos maiores conflitos desse casal é a divergência sobre ter ou não filhos. O que acaba desdobrando numa decisão unilateral de realizar um aborto. Enquanto Isis não tem vontade de ser mãe, Fred se demonstra desejoso de constituir uma família para além do casal. “Para mim, traição é falta de lealdade, muito mais do que fidelidade”, diz Bárbara.

“Esse é um dos assuntos mais falados atualmente. E está por todos os lados, se não dentro de casa, na porta ao lado, na casa dos vizinhos. É algo muito natural nos tempos de hoje a abertura de relacionamento. Mas nem por isso eu acho que o casamento está falido”

Bárbara Paz

Para o ator Dan Ferreira, não há respostas fechadas para esse tipo de discussão e o filme reflete essa realidade. “Durante as conversas na preparação falamos muito que esse é um filme que aponta muitas perguntas, mas que não traz respostas. Eu acho que isso é muito generoso com quem assiste porque ele não subestima o espectador. Mas na minha opinião, acho que traição é tudo que foge ao acordo que o casal estabeleceu”, avalia. “Não é uma coisa que me contento, eu não saberia lidar com todos os desdobramentos que uma relação aberta pode trazer, mas eu vejo os benefícios também. Tenho um casal de amigos com uma relação aberta há anos e super funciona.”

Ator Dan Ferreira no filma
(Desiree do Valle/divulgação)

Seu personagem, Rafa, é um homem negro que alcançou uma boa condição social e busca proporcionar todos os que ele acredita que são os desejos da parceira, inclusive de construir um restaurante para que ela possa trabalhar como chef de cozinha. No entanto, ao invés de proporcionar mais liberdade à sua companheira, as atitudes acabam sufocando Mari. “Acho que ele se faz essa pergunta, ‘o que mais ela pode querer se ela tem tudo que eu poderia proporcionar?’, mas, ao mesmo tempo, ele não diz isso, ele não pergunta. Esse é um tipo de passividade agressiva dele.”

Mas, afinal, o que funciona numa relação? “Para mim, os acordos são muito importantes, em todas as relações, afetivas ou não, o acordo é importante para a gente entender onde a gente está pisando e por onde estamos indo”, conclui Dan.

“Durante as conversas na preparação falamos muito que esse é um filme que aponta muitas perguntas, mas que não traz respostas. Eu acho que isso é muito generoso com quem assiste porque ele não subestima o espectador”

Dan Ferreira

Túlio Starling que interpreta Fred, um jovem descolado e tranquilo, segue o raciocínio de Bárbara. Traição não é apenas infidelidade, mas a quebra de confiança. “Traição tem a ver com um dos lados desconsiderar o pacto de lealdade, construído espontaneamente através dos afetos que se desenrolam numa relação, às vezes até dos pactos silenciosos, das coisas que não são ditas, mas são testemunhadas juntos.”

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Cartaz do filme
(Manequim Filmes/divulgação)
A Porta ao Lado

Direção: Julia Rezende
Brasil – 2022 – 113 min

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