Avatar do usuário logado
Usuário
OLÁ, Usuário
Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br

Quem é Tânia Maria, atriz revelação de “O Agente Secreto”

Aos 78 anos, a artista e artesã interpreta Sebastiana, uma das personagens mais carismáticas do longa dirigido por Kleber Mendonça Filho

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 5 nov 2025, 11h12 - Publicado em 5 nov 2025, 09h00
tania-maria-o-agente-secreto
Tânia Maria em "O agente secreto" (Victor Jucá/divulgação)
Continua após publicidade

A voz rouca, o cigarro sempre aceso, os óculos escuros, o jeito afetuoso e as palavras diretas. Dona Sebastiana é puro suco do Brasil, do melhor que há nele. E assim também dona Tânia Maria, de 78 anos. A diferença entre as duas está no ponto de partida. A primeira é uma personagem criada por Kleber Mendonça Filho para O Agente Secreto, que estreia nesta quinta-feira (6). A segunda é a mulher por trás dela: Tânia Maria, atriz estreante que agora vive seu primeiro papel de destaque. Para Tânia, não há muita separação entre uma e outra. “Minha família assistiu e disse que sou eu todinha ali no filme”, conta em entrevista à Bravo!. “Todas as palavras que saem naquele filme são do meu jeito.” Kleber parece concordar. Afinal, Sebastiana foi desenhada pensando nela desde o início.

Na história, a personagem é uma mulher afetuosa, que acolhe refugiados e todos os que precisam se proteger ou fugir de algo, como é o caso de Armando (Wagner Moura). As cenas mais leves do filme, que despertam o riso do público, quase sempre envolvem dona Sebastiana. Entre os espectadores, há um consenso: Tânia Maria encanta em cena.

Seu nome chegou a ser citado como possível indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, segundo as revistas Variety e The Hollywood Reporter. Na época em que soube da notícia, ela ainda não sabia exatamente o que era o Oscar e nem tinha vontade de viajar de avião. Hoje, a realidade é outra: Tânia se mostra animada e disposta a ir a qualquer lugar necessário para divulgar o filme.

A relação de Tânia com o cinema é recente — em todos os sentidos. Aos 72 anos, ela finalmente conheceu a experiência de estar diante da tela grande. E o primeiro que assistiu foi justamente Bacurau, também dirigido por Kleber. Na ocasião, fez uma breve participação, com uma única fala: “Que roupa é essa, menino?”, diz ela a Lunga (Silvero Pereira) quando o personagem retorna à comunidade após um tempo foragido.

Mesmo com uma presença discreta, ela já havia chamado a atenção do diretor e de sua equipe. “A produção dele (Kleber) estava lá no meu povoado, Cobra, procurando figurantes. Eu tava na máquina [de costura], e eles lanchando. Era de noite. Aí cheguei na sala e disse: ‘Boa noite’. Renata Roberta, da produção — que é de São Paulo — olhou pra mim e disse: ‘É você que eu tô precisando’. Da minha fala rouca (ela ri). Eu estava pregando uma roupa. Aí pronto: fui contratada pra ir pra Bacurau.” Em 2024, ela participou de outro longa, Seu Cavalcanti, de Leonardo Lacca.

Tânia viajava 30 km todos os dias para acompanhar as filmagens. Mais uma vez se destacou: estava no refeitório, servindo seu prato, quando passou pela mesa dos diretores, cumprimentou com um “Boa noite” e foi convidada a se juntar a eles. “Meu Deus, uma figurante na mesa dos diretores, aí Leo Lacca olhou para mim e disse: ‘Conta um pouquinho de você, como é você’. E eu contei.”

Continua após a publicidade

A história de dona Tânia é extensa, mas ela prefere ser concisa. O que a move agora é o entusiasmo em acompanhar a divulgação e o lançamento de seu novo filme. Ela ainda não se acostumou a se apresentar como atriz. Antes de qualquer coisa, se define como artesã. Enquanto conciliava entrevistas, continuava trabalhando em uma nova encomenda, um kit para banheiro. “Em Parelhas tem uma fábrica de sofás. Eles me dão os retalhos, as tiras, e aí eu reaproveito: faço e vendo para as vitrines, vendo para as lojas. É do lixo ao luxo.”

Costureira desde os 15 anos, aprendeu o ofício em um curso e logo começou a trabalhar. É a caçula de uma família de cinco irmãos — três mulheres e dois homens — e hoje vive com a filha, Shyrley. Além dela, tem uma neta, Jácylla, e um bisneto, Giovanni, de 6 anos. Ao revisitar o passado, um dos momentos que mais destaca é o de ter sido mãe solteira — algo que hoje a enche de orgulho, mas que, na juventude, precisou esconder de seu povoado. Na época, trabalhava como auxiliar de enfermagem, e quando o rumor da gravidez se espalhou, logo soube que estavam organizando um abaixo-assinado para que fosse demitida. Para evitar a humilhação, decidiu se antecipar.

“Diziam que, por estar grávida, eu não era capaz de ser agente de saúde, entende? Aí veio uma pessoa me avisar: ‘Fulano tá fazendo um abaixo-assinado pra lhe tirar, pra você não trabalhar mais na saúde’. Então, de madrugada, fui com meu pai a pé — dezoito quilômetros — até a prefeitura, pra pedir demissão.”

Sem corresponder ao modelo de mulher casada que o período exigia, ela ainda assim carregava o desejo da maternidade. “Eu queria ser mãe, mas fui muito humilhada, muito mesmo. Só que enfrentei, enfrentei tudo. Saí do meu lugar, saí da minha terra, fui pra João Pessoa quando descobriram que eu tava grávida. Naquele tempo, isso era uma desonra.”

Continua após a publicidade

Em João Pessoa, precisou se virar sozinha, encontrar onde viver e trabalhar, o que na época andava junto. Durante a gravidez, ela escondia dos patrões a própria condição. “Ninguém sabia que eu estava grávida. Usava uma calça de lycra para esconder, e trabalhava de dia e de noite.” Quando completou oito meses, voltou para a casa dos pais e resolveu, enfim, revelar a barriga. “Quando cheguei aqui cortei os botões, aí a barriga aumentou de vez. Eu pensei que a minha filha ia nascer miúda. Eu escondi ela por oito meses. Mas nasceu boa, robusta, gorda, quase obesa.”

Mas já havia experimentado a liberdade e decidiu voltar para João Pessoa. “Criei minha filha em João Pessoa. Trabalhei lá por uns vinte, vinte e dois anos, sempre sozinha. Trabalhava em casa de família: fazia o enxoval de uma, depois ia pra outra, ajudava no que precisassem. Tinha uma pessoa que tinha uma casa de ônibus, e eu fazia o fardamento pra eles também.”

Hoje, quando relembra toda a trajetória, Tânia fala com um sorriso no rosto e o coração cheio de afeto pela filha e pelo genro. Parece não ter tido dificuldades. Ela gosta de passar essa impressão. E agora, colhe a alegria de ser uma atriz de cinema, um sentimento que também contagia sua família, que foi em peso assistir à sua estreia nas telonas. Eles formaram quase uma caravana e ainda foram uniformizados: usavam camisetas com o rosto de Tânia Maria. E, veja só, uma dessas camisetas está sendo comercializada pela marca Chico Rei.

Para ela, tudo isso ainda é novidade. E quando é questionada sobre a melhor parte de fazer O Agente Secreto, ela responde sem hesitar: “Eu gostei dos elogios.” E há mesmo muito o que enaltecer. Especialmente sua naturalidade em cena, algo que surpreende para quem começou há tão pouco tempo. “Eu esqueço [das câmeras], faço de conta que estou em casa, que ninguém tá me filmando não. Não penso que vou sair em tela.”

Continua após a publicidade

Em Bacurau, a experiência foi diferente: ela não conseguia ignorar o maquinário e ficava atordoada com as orientações, o que, no fim, acabou rendendo boas histórias. “[Em Bacurau] Todo dia morria gente, e a gente tinha que passar pelo velório. Eles me orientavam: ‘Hoje, passe chorando’; em outros dias, ‘passe rápido, não olhe’. Teve um dia que eu estava gravando, e o Kleber cochichou algo no meu ouvido. Não entendi bem o que era, mas obedeci. Havia um tripé da câmera ali, e quando fui passando, tropecei nele. A câmera caiu. Aí Kleber disse: ‘O que foi isso?’. E eu falei: ‘O quê? Você não mandou passar cega?’ Ele disse: ‘Não, mandei você passar séria’. Eu passei cega, fechei os olhos e passei. Ele riu muito. A cena foi cortada.”

Além dos elogios, Tânia guarda com carinho os laços que criou durante as filmagens. “Fiz amizade com todo mundo. Todos me querem bem. É bom demais. Dou cheiro no Kleber. Ele é tímido, daquele jeito de homem quieto, bem na dele. Aí eu me solto com ele, sabe?” Mas é ao falar de um colega em especial que o tom fica ainda mais doce: Wagner Moura, a quem chama de “professor”, pelos aprendizados nos bastidores. 

Continua após a publicidade

Antes das filmagens de O Agente Secreto, ela foi avisada de que atuaria ao lado de alguém muito famoso, mas que não revelariam o nome para não deixá-la nervosa. “Disseram que não falariam o nome para eu não me preocupar. No outro dia, cheguei e o Wagner estava lá. Aí me disseram: ‘Esse aqui é o Wagner Moura.’ Ele me perguntou se eu não conhecia ele, e eu respondi: ‘Nunca nem ouvi falar’.”

A situação mudou rapidamente. Tânia viu seus filmes e criou uma forte ligação com o ator. “Sei que a gente ficou muito amigo. Wagner me ensinou muita coisa. É um amigo íntimo, do coração. Adoro aquele homem.”

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade