Salve-me do Desconhecido: tudo sobre a cinebiografia de Bruce Springsteen
Jeremy Allen White entra na corrida pelo Oscar com filme inspirado no sombrio e seminal álbum “Nebraska”

Não há dúvida de que Jeremy Allen White está vindo com fome para o Oscar de Melhor Ator. A campanha para colocá-lo entre os cinco indicados de 2026 já começou a ganhar corpo — e tudo isso com base em um único trailer de Salve-me do Desconhecido (Deliver Me from Nowhere). O filme estreia em outubro, ou seja, no timing perfeito para fervilhar durante a temporada de premiações. Mas será que vale todo esse burburinho? Confesso que ainda estou dividida.
Sou fã de longa data do Boss, o inconfundível Bruce Springsteen. Sempre fui. Mas, assim como muita gente achou Timothée Chalamet “bonito demais” para interpretar Bob Dylan (ah, me perdoem, Dylan é celebrado pela genialidade e complexidade, não exatamente pela aparência), acho Jeremy Allen White MUITO diferente de Bruce. E não me refiro à beleza — nenhum dos dois é exatamente um padrão unânime —, mas à energia.

Curiosamente, consigo visualizar Allen como Dylan bem mais facilmente do que como Springsteen. Ver o trailer me deu a impressão de um The Bear estendido, em que o chef está em crise, tentando compor um disco. Intenso, sim, mas não vejo ali o Bruce. Ainda assim, considerando que o próprio Springsteen era obcecado por Dylan e sonhava em ser como ele, não deixa de fazer sentido ver esses dois filmes — A Complete Unknown e Deliver Me from Nowhere — como obras que se entrelaçam.
O filme é escrito e dirigido por Scott Cooper (Coração Louco) e gira em torno da criação de Nebraska, o sexto álbum de estúdio de Springsteen e, para muitos, sua obra-prima. Lançado em 1982, o disco é considerado um dos mais corajosos, sombrios e artisticamente ousados da música americana — e é justamente por isso que é tão cultuado pela crítica. Seu impacto se explica por uma série de fatores que combinam minimalismo, intensidade e um olhar literário sobre o lado obscuro dos Estados Unidos.

Diferente do som grandioso da E Street Band, com a qual Springsteen se consagrou, Nebraska é um álbum cru, quase todo acústico, gravado pelo próprio Bruce em casa com um gravador de quatro canais. Voz, violão, gaita e um leve acompanhamento rítmico improvisado criam uma atmosfera seca, melancólica e profundamente intimista. Lançar algo tão nu e despojado no auge do sucesso foi visto como um gesto raro de integridade artística.
As letras são poderosas, narrativas densas que contam histórias de pessoas à margem: criminosos, desempregados, solitários, figuras consumidas por culpa e desesperança. A faixa-título é inspirada no serial killer Charles Starkweather, e o disco mergulha em temas como a falência do sonho americano, a alienação social e a perda de rumo da classe trabalhadora. Críticos o comparam a autores como Flannery O’Connor, Raymond Carver e até William Faulkner, tamanha a sofisticação narrativa e o retrato quase literário do interior dos EUA.
Nebraska é, ao mesmo tempo, um grito e um sussurro. Um comentário silencioso — e devastador — sobre o espírito americano durante a era Reagan. E, por isso mesmo, virou referência para músicos tão diversos quanto Johnny Cash, Nick Cave, Sufjan Stevens, The National e muitos artistas do alt-country e do indie rock. A estética “lo-fi” que hoje domina tantas produções encontra em Nebraska um de seus precursores mais respeitados.
Vale lembrar que Bruce chegou a gravar versões mais produzidas dessas faixas com a E Street Band, mas escolheu lançar as demos caseiras. Uma decisão corajosa, anticomercial e histórica.

É nesse pano de fundo que Salve-me do Desconhecido se insere. Além de Allen, o elenco traz Jeremy Strong (de Succession) no papel de Jon Landau, empresário e figura-chave na carreira de Bruce, e Stephen Graham (recém-saído do sucesso de Adolescência) como o pai de Springsteen — Douglas Springsteen, com quem o músico teve uma relação difícil e traumática.
O filme se baseia no livro de Warren Zanes, lançado em 2023, que foge do formato tradicional da cinebiografia. Em vez de começar com a ascensão à fama, ele mergulha direto no meio do turbilhão. Jeremy Allen White contou com apoio técnico para transformar sua voz e postura musical, e teve a benção direta de Springsteen, que chegou a acompanhá-lo em estúdio.

Mesmo assim, o trailer me pareceu… clichê. Um Bruce angustiado, revisitando traumas de infância (claro, em preto e branco), e encerrando a prévia com Born to Run ao vivo, como se isso fosse suficiente para garantir gravidade emocional. Estou sendo dura? Talvez. Mas quando se trata de Bruce Springsteen — e especialmente de Nebraska —, espero algo à altura. Ainda não vi isso.
Mas quem sabe o filme me surpreenda?