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Filme brasileiro representa a América Latina em Cannes

“Solos”, de Pedro Vargas, é o representante do Brasil e do continente em categorias distintas do Festival

Por João Victor Guimarães
Atualizado em 29 Maio 2023, 18h19 - Publicado em 29 Maio 2023, 11h48
cena do curta-metragem Solos( 2023)
 (Pedro Vargas/reprodução)
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São duas as grandes mostras que recebem curtas-metragens na 76ª edição do Festival de Cannes. Havia os filmes que disputam a Palma de Ouro, prêmio da Competição Oficial, e também os que disputam o prêmio da mostra La Cinef, dedicada a incentivar e visibilizar novos talentos que produzem nas universidades de todo o mundo. Em ambas as mostras, a Oficial e a La Cinef, o Brasil tem um único curta-metragem como representante: Solos, de Pedro Vargas. Com um valioso acréscimo: o filme é o único produzido na América Latina selecionado para a mostra La Cinef do prestigiado Festival.

Estudante da FAAP, Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo, Pedro Vargas, de 25 anos, não é iniciante em matéria de Cinema. Antes do Solos, Pedro já havia exercitado a direção de fotografia, a assistência de direção, organização de mostras de cinema na faculdade, e até a direção geral com seu primeiro curta-metragem, Estação: Senhora. No entanto, foi em Solos, assinando o roteiro e a direção, que Pedro Vargas melhor se expressou apresentando de forma inventiva uma reflexão absolutamente atual: a relação que, nos grandes centros, temos ou podemos ter com a natureza e nossa ancestralidade fidagal. O filme, além de sofrer com a pandemia, também demorou a vir ao mundo devido à rejeição sofrida pelos programas de fomento aos quais foi submetido, o PROAC e a Lei Rouanet. Aliás, sem o financiamento coletivo não teríamos o filme que hoje ocupa a vaga de representante do Brasil e da América Latina no Festival de Cannes. E, naturalmente, a seleção do filme não foi à toa.

cena do curta-metragem Solos( 2023)
(Pedro Vargas/reprodução)

Solos aborda os impactos da destruição sistemática da natureza na subjetividade de quem reside nos grandes centros urbanos. O filme nos surpreende com a relação que traça entre natureza e ancestralidade. O contato com uma, bem como sua preservação, nos vincula com a outra. Essa relação, geralmente simbolizada pela falta, no filme afirma-se através da presença, do incômodo, da fidagal insistência. Resumidamente, e sem spoiler, Solos acompanha um jovem que veio trabalhar em São Paulo na construção de um empreendimento imobiliário. Aparentemente ligado ao seu passado, o jovem Leonardo, interpretado por João Neto, não consegue se desligar dos sons estranhos oriundos do terreno no qual trabalha. Sendo por eles perturbado, Leonardo decide fazer algo. O que resulta da sua ação consegue ser mais surpreendente que a mesma.

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Selecionado em Cannes, certamente Solos também será exibido em outros festivais e assim poderá ser apresentado ao público. Quem assistir ao filme poderá notar que menos a temática do que a abordagem é que nos surpreende. Através dela podem ressoar ideias como a contida na frase “O futuro é ancestral” do líder indígena, filósofo e escritor Ailton Krenak, cujo mais recente livro tem como título a citada frase. Quem buscar na memória, também poderá lembrar da prática denunciada nos seguintes versos de autoria do poeta, rapper e escritor Emicida: “Hei, pequenina, não chore! TV cancerígena, aplaude prédio em cemitério indígena”. Quase que fazendo jus à menções aqui feitas e à realidade Solos apresenta-nos um elenco totalmente negro. Segundo o diretor, Pedro Vargas, essa decisão foi tomada porque “percebi que não queria que o Leonardo, o jovem que escuta o som que representa o passado desse solo, fosse um homem branco, que foi, na história brasileira, quem sempre destruiu esse mesmo solo. Além disso acredito ser importante ter atores negros em papeis de destaque e queria muito trabalhar com o ator Jorge Neto.”

cena do curta-metragem Solos( 2023)
(Pedro Vargas/reprodução)

Quando questionado sobre os porquês da equipe por trás das câmeras ser composta totalmente por pessoas brancas, Pedro argumenta que “por ser um filme universitário, nossa equipe foi formada dentro da nossa sala de aula da FAAP que não tinha alunos negros. O que é um absurdo dentro de uma instituição de ensino brasileira. Enxergando como uma questão importante escutamos o tempo todo o que o elenco pensava sobre o roteiro, o que contribuiu com todo o processo. Como a cena de ligação, que encerra a história do personagem no filme e que foi uma ideia do Jorge.”

Contudo, o que o mundo verá é um filme sobre a necessidade de um jovem negro acessar o nosso passado. Um filme que, no fundo, se debruça sobre uma certa noção de tempo: o passado está aqui tanto quanto o futuro é agora. E tudo isso, em níveis mais ou menos subjetivos, representa o Brasil. Na 76ª edição do Festival de Cannes, será um dos nossos retratos.

Solos
(Pedro Vargas/divulgação)
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