Magia (e sucesso) “Wicked” nos cinemas está na subversão
Depois de décadas de sucesso na Broadway, a história da Bruxa Ephalba finalmente chega às telas com reviravoltas e surpresas nos bastidores
Parece truque de mágica, mas honestamente? É a magia da Arte mesmo. Sem exageros, podemos dizer que aguardamos a adaptação do musical “Wicked” para os cinemas há décadas e não estamos decepcionados. E olha que o filme chega sob a sombra da competição com testosterona de “Gladiador 2”, uma batalha nada fácil no coliseu das bilheterias. Ui, péssimo trocadilho para começar, mas fará sentido. Fique comigo!
O musical poderia ‘desaparecer’ sob a expectativa da continuação de um filme vencedor do Oscar, mas, depois da dobradinha “Oppenheimer” e “Barbie”, que gerou o “Barbenheimer” (os fãs e elenco prestigiando os dois filmes lançados ao mesmo tempo e bem recebidos igualmente), agora Hollywood conseguiu o “Wickediator” ou “Gladiecked”.
Na sua primeira semana no Brasil, “Wicked” ficou em segundo, mas isso significa nada menos do que cerca de 7,8 milhões de reais apenas no primeiro final de semana, ficando atrás do drama nacional “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, que nós entendemos totalmente a preferência. É um desempenho sólido, mesmo que abaixo do esperado para um blockbuster tão aguardado. As atrizes e cantoras Myra Ruiz e Fabi Bang, que interpretaram Glinda e Elphaba na versão brasileira do musical, repetiram a parceria na dublagem.
As performances de Cynthia Erivo e Ariana Grande têm agradado e isso é incrível, porque toda a história de como “Wicked” chegou às telas é complexa e cheia de reviravoltas, uma que vale olhar com carinho.
Em tempos pré-metoo, a revisão de uma lenda
Eu acho incrível como o autor Gregory Maguire, ainda em 1995, tenha resolvido desafiar o clássico da literatura e do cinema, “O Mágico de Oz” (o filme aliás, completa 85 anos em 2024), e lançar um olhar empático e simpático para a antagonista, a temida Bruxa Má do Oeste. Com “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”, ele reimaginou a clássica história do livro de 1900, escrito por L. Frank Baum com uma narrativa que se concentra na perspectiva de Elphaba, a bruxa má do Oeste.
Sua posição era a de que histórias clássicas muitas vezes simplificam a moralidade, dividindo os personagens em heróis e vilões e queria desafiar essa ideia. Para isso, humanizou a vilã e explorando os fatores sociais e psicológicos que moldaram sua jornada. Com isso, temas como preconceito, corrupção governamental e exclusão social estavam em pauta numa época em que tais assuntos não abordados amplamente no meio pop. O universo criado por Baum foi reimaginado como uma sociedade complexa, com classes sociais e conflitos ideológicos, mas com a revisão de Maguire, ganhou mais camadas.
O sucesso não foi imediato e a recepção mista encontrou quem aplaudiam a abordagem subversiva e a profundidade psicológica, mas esbarrou com outros que o consideraram “denso” e “difícil”. O status de cult foi no crescendo e, quando chegou à Broadway, virou lendário.
Uma produção que fez história
“Wicked” foi concebido pelo compositor Stephen Schwartz, famoso por seus trabalhos na Broadway e com dois Oscars pelos filmes “Pocahontas” e “O Corcunda de Notre Dame”. Ele só descobriu o livro em 1998 e ficou fascinado pela história, imediatamente o concebendo como musical.
A história se concentra no relacionamento entre Elphaba e Glinda (A Bruxa Boa do Sul), explorando a amizade complicada entre as duas e as forças externas que as transformam em figuras antagônicas. Quando chegou à Broadway em 2003, com Idina Menzel como Elphaba e Kristin Chenoweth como Glinda, num passe de mágica “Wicked” virou fenômeno.
Aqui um desvio de fã de trilhas sonoras: Schwartz é gênio para transformar em melodias inesquecíveis as histórias dos párias. Só em pensar nas letras e melodias de Colors of the Wind (“Pocahontas”) e God Help the Outcasts (“O Corcunda de Notredame), sem esquecer seus clássicos anteriores aos filmes, já sinalizava que entenderia Elphaba como poucos.
Podemos provar com números: “Wicked” venceu três Tony Awards (incluindo Melhor Atriz para Idina Menzel) e o Grammy de Melhor Álbum de Teatro Musical, virou um dos espetáculos de maior bilheteria e mais longos da história da Broadway, ultrapassando a marca de 1 bilhão de dólares em vendas. Pois é. Os puristas, sempre eles, só se queixam da versão mais otimista do final de Elphaba nos palcos, que é diferente do livro.
O que é lindo do musical é que continua sendo um símbolo de aceitação, resiliência e amizade. Canções como Defying Gravity e For Good transcenderam os palcos e se tornaram hinos pessoais para milhões de fãs ao redor do mundo. Claro que quase que imediatamente Hollywood pôs um olho gordo em cima da produção para transformar em filme. Foram quase 20 anos para conseguir!
Sucesso anunciado? Com muita dor de cabeça…
No cinema houve a oportunidade de expandir o legado da história. Os atrasos acabaram ajudando. Sim, o anúncio de que era que em 2012 teríamos o filme, mas a produção passou por mudanças de diretores, roteiristas e cronogramas ao longo dos anos. Apenas em 2021, com a confirmação do diretor Jon M. Chu, conhecido por “Podres de Ricos” (Crazy Rich Asians) e o musical “In the Heights”, que “Wicked” virou realidade. Mas aí vieram as polêmicas.
Uma das mais criticadas foi a de dividir o filme em duas partes, para que, segundo ele, se faça justiça à complexidade da história e às relações entre Elphaba e Glinda sem comprometer a narrativa. A segunda – e isso é chocante – há quem tenha estranhado a escalação da ultra premiada cantora e atriz Cynthia Erivo como Elphaba. Já ouviram Cynthia cantado? Nem entro na sua inegável habilidade de nos fazer chorar, sua voz não existe igual. Também houve rejeição dos céticos da participação de Ariana Grande, ícone pop mundial, como Glinda. Ela fez testes para conseguir o papel e, ainda assim, há quem tenha reclamado.
Com uma estética grandiosa e detalhada, com cenários e figurinos que ampliam a magia da Broadway, “Wicked” é simplesmente lindo e o mais importante, traz a história de Elphaba e Glinda para uma nova geração. A trilha sonora é de tirar o fôlego, com cada canção acentuando as emoções que conectam o público aos personagens.
Defying Gravity, o maior clássico do musical, é o ponto alto. É quando Elphaba assume sua identidade de “bruxa má” e desafia as normas da sociedade de Oz. É o ponto de virada na história, marcado por uma performance visualmente deslumbrante. Se você é iniciado, um spoiler, For Good, o dueto entre Elphaba e Glinda que reflete sobre como cada uma influenciou a vida da outra, ficou para a segunda parte. Mas há músicas novas para compensar (e tentar um novo Oscar).
Não importam os prêmios, o que é significativo de “Wicked”, que tem easter eggs para “O Mágico de Oz”, é ter sido pioneiro de propor uma narrativa revisionista, explorando uma perspectiva feminista e política, abordando temas como preconceito, empoderamento, amizade e escolhas morais, que ressoam com o público moderno. A personagem Elphaba, com sua luta contra injustiças e sua busca por aceitação, se tornou um símbolo de resiliência para muitas pessoas. Atemporal e lendário.