100 anos de Fanon: o psiquiatra que revolucionou o pensamento antirracista
Entenda como as ideias de Fanon sobre racismo e colonialismo ainda influenciam movimentos pelo mundo.

É difícil pensar em Frantz Fanon sem lembrar de Pele negra, máscaras brancas, obra, com título emblemático, que marcou gerações ao analisar os efeitos psíquicos e sociais do racismo e do colonialismo. Publicado em 1952, o livro examina como pessoas negras, vivendo em sociedades moldadas por valores brancos, acabam absorvendo a ideia de inferioridade e reproduzindo padrões do opressor na tentativa de pertencimento. Infelizmente, a força dessa análise ainda ecoa hoje, mais de 70 anos depois de seu lançamento.
Nascido em 20 de julho de 1925, na Martinica, uma colônia francesa no Caribe, Fanon veio de uma família negra de classe média e foi enviado à França após lutar na Segunda Guerra Mundial. Lá, formou-se em psiquiatria e, ainda jovem, passou a trabalhar em hospitais na Argélia, onde conviveu com os impactos concretos do colonialismo sobre os corpos e as mentes dos colonizados.
Na Argélia, durante a guerra de independência contra a França (1954-1962), Frantz Fanon testemunhou diretamente a dura realidade do colonialismo em seu aspecto mais brutal. Ele viu como a violência física era usada sistematicamente para controlar, oprimir e desumanizar a população argelina. Torturas, prisões arbitrárias, massacres e segregação eram parte do cotidiano. Essa vivência foi decisiva para que ele começasse a formular suas críticas ao racismo e à dominação colonial não apenas como fenômenos políticos, mas também como violências simbólicas e subjetivas.
Sua produção intelectual alia psicanálise, teoria social e prática revolucionária. Em Pele negra, máscaras brancas, por exemplo, Fanon apresenta o conceito de “epidermização da inferioridade”, que descreve como a experiência do racismo marca o corpo e a psique desde cedo, impondo ao sujeito negro uma identidade distorcida, constantemente tensionada entre sua origem e a norma branca. O livro denuncia o quanto o racismo opera de forma estrutural, naturalizado no idioma, na educação e nas relações sociais.
Já em Os condenados da terra (1961), escrito no fim da vida, Fanon propõe que a descolonização só é possível por meio de uma ruptura radical com o sistema colonial. Para ele, não basta substituir administradores: é preciso desmontar todo o aparato de dominação, inclusive com o uso da violência revolucionária, quando necessário, como resposta proporcional à violência histórica do colonialismo. Ao mesmo tempo, Fanon alerta sobre o risco das elites pós-independência manterem os mesmos padrões opressores do colonizador.
Fanon foi um dos primeiros a pensar o racismo como uma estrutura que ultrapassa a esfera individual. Seus escritos antecipam discussões sobre colonialidade do poder, identidade fragmentada, subjetividade racializada e o corpo como campo de disputa política. Seu pensamento ecoa em diversos campos, da saúde mental ao ativismo, da estética negra à teoria política.
Sua influência atravessa décadas e fronteiras. Autores como Angela Davis, bell hooks, Achille Mbembe, Lélia Gonzalez e Grada Kilomba dialogam com seus escritos. Movimentos de libertação no Sul Global, debates sobre justiça racial e estudos decoloniais seguem tendo Fanon uma referência indispensável. Cem anos depois, o combate que Fanon iniciou permanece em curso, não pela falta de tentativas, mas porque o racismo e o colonialismo seguem reinventados. Para ele, descolonizar representa um compromisso contínuo com a transformação das estruturas e das consciências.
Fanon morreu em 6 de dezembro de 1961, aos 36 anos, vítima de leucemia. Mesmo com uma vida curta, deixou um legado poderoso. Suas ideias anteciparam debates que hoje chamamos de racismo estrutural.