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100 livros essenciais da literatura brasileira: Morte e Vida Severina

Auto de natal pernambucano, poema de João Cabral de Melo Neto combina estrutura rigorosa e temática popular

Por Redação Bravo!
23 jun 2024, 10h00

Situado na terceira geração do modernismo, o recifense João Cabral de Melo Neto (1920-1999) consagrou-se como um dos principais poetas brasileiros. É, pelo lado materno, primo do sociólogo e escritor Gilberto Freyre (1900-1987), enquanto, pela raiz paterna, tinha parentesco com Manuel Bandeira. Em princípio, sua poesia sofre influência surrealista pela via do colega Murilo Mendes, como se percebe na primeira obra, A Pedra do Sono, de 1942, em que emprega conceitos freudianos e elementos oníricos.

Com O Engenheiro (1945), dá-se início ao estilo que João Cabral levaria por toda a vida: textos claros e objetivos, despojados de qualquer ornamentação. Nos versos já maduros de O Cão sem Plumas (1950), que fala do rio Capibaribe, a temática passa a privilegiar também a perspectiva social.

Embora fizesse parte da chamada Geração de 45, que procurou desbastar os “excessos” do modernismo por meio de um rigor formal de moldes parnasiano-simbolistas, João Cabral soube superar os limites dessa vertente, à qual também pertenceram Manuel de Barros (1916), Paulo Mendes Campos (1922-1991), José Paulo Paes (1926-1998), Lêdo Ivo (1924), Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), entre outros. O propósito de Cabral em cortar dos versos todos os elementos supérfluos, inclusive os musicais, na busca por uma nova objetividade, empresta à sua poesia uma áspera expressividade de grande frescor.

Em Morte e Vida Severina, longo poema que saiu no livro Duas Águas, de 1956, harmonizam-se forma e temática social. Nestes auto de Natal pernambucano, o autor trata da luta de Severino, um retirante do agreste, pela sobrevivência.

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Guiado pelo rio Capibaribe rumo ao litoral, Severino busca chegar à capital, almejando uma vida digna. Pelo caminho, depara-se com as diversas facetas da morte — causada pela seca, pela fome, que corrói as entranhas do país, e pela disputa por terras áridas.

Ele tenta a todo custo fugir da destruição e corre em busca da perspectiva de dias melhores, mas a cidade grande revela uma realidade tão dura quanto a do sertão. Diante de tal situação-limite, Severino planeja o suicídio atirando-se da ponte sobre o rio Capibaribe, que o guiara até ali. Contudo, após presenciar o nascimento de uma criança (filho de José, o mestre “carpina”, numa clara alusão ao nascimento de Cristo), reacende-se no coração do herói a esperança de vencer a vida “severina”, e Severino acaba por desistir de seu intento.

Musicado por Chico Buarque de Holanda, o poema fez grande sucesso no teatro, no Brasil e no exterior.

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Veja abaixo o trecho que diz respeito à revelação da vida, que se apresenta ao personagem principal:

E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim
pequena a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

Este texto foi originalmente publicado em 2009 como parte no Ranking especial da Revista Bravo!: 100 livros essenciais da literatura brasileira

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Bravo! especial: 100 livros essenciais da literatura brasileira (Bravo!/arquivo)
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