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180 anos de Eça de Queiroz: O que seus livros têm a dizer sobre o mundo de hoje?

O escritor português segue atual ao revelar, com ironia e precisão, as hipocrisias e contradições da sociedade

Por Redação Bravo!
Atualizado em 23 jun 2025, 12h07 - Publicado em 23 jun 2025, 09h00
Eca-de-queiroz
 (desconhecido/reprodução)
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Advogado, diplomata e um dos maiores romancistas da literatura em língua portuguesa, Eça de Queiroz (1845 – 1900) completa 180 anos em 2025. Filho de pai brasileiro e mãe portuguesa, nasceu na cidade de Póvoa de Varzim, em Portugal, e, por mais surpreendente que possa parecer aos leitores brasileiros, nunca visitou o Brasil. Ainda assim, suas obras atravessaram o Atlântico e se tornaram leitura fundamental nas escolas e na formação cultural de gerações no país.

Considerado até hoje o maior autor realista da literatura portuguesa, Eça construiu uma obra que oferece um retrato agudo, sarcástico e profundamente crítico da sociedade de seu tempo e, de certa forma, da nossa também. Seus romances abordam temas que permanecem dolorosamente atuais: desigualdade social, hipocrisia, corrupção, opressão das mulheres, moralismo de fachada e os abusos de poder das elites e das instituições, especialmente da Igreja e da burguesia.

É autor de livros incontornáveis, como Os Maias, considerado sua obra-prima; O Primo Basílio, uma crítica feroz à classe média lisboeta; e O Crime do Padre Amaro, que escandalizou à época por questionar o papel da Igreja e seus dogmas.

Seu pai, José Maria Teixeira de Queiroz, era juiz, poeta e amigo do escritor Camilo Castelo Branco, outro nome central da literatura portuguesa. Eça formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1866, onde teve contato com movimentos intelectuais que moldaram seu pensamento. Logo após, mergulhou no jornalismo e começou a lapidar sua escrita afiada. Colaborou com importantes periódicos, como Renascença, A Imprensa e Ribaltas e Gambiarras, exercendo o ofício de cronista com a mesma precisão crítica que marcaria seus romances.

Nos anos 1870, ingressou na carreira diplomática, o que o levou a viver em cidades como Havana, Newcastle, Bristol e Paris, experiências que expandiram sua visão de mundo e enriqueceram seu olhar sobre as contradições da sociedade europeia. Foi também nesse período que publicou seu primeiro romance, O Crime do Padre Amaro (1875), marco inaugural do realismo em Portugal.

A obra de Eça permanece essencial não apenas pela qualidade literária, mas porque continua sendo um espelho incômodo da sociedade, com seus vícios, desigualdades e contradições

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Mas afinal, por que lê-lo em 2025?

Retrato de classes

Seus livros oferecem não apenas leituras prazerosas, mas também uma observação aguçada dos costumes, das tensões de classe e das contradições humanas em sua época. Eça foi capaz de equilibrar humor mordaz e lirismo, trazendo personagens complexos, falhas humanas e dilemas éticos que continuam ressoando e fazendo sentido até hoje.

Transitando entre estilos

Ler Eça é também entender melhor o período de transição do século XIX, entre o Romantismo e o Realismo, perceber como certos estilos literários influenciam a literatura até hoje.

Eça foi profundamente influenciado pelo Realismo francês, especialmente pela obra de Gustave Flaubert, de quem herdou o rigor descritivo, o olhar clínico sobre os comportamentos e as relações sociais, e a recusa a qualquer idealização. Também dialogou com autores naturalistas como Émile Zola, sobretudo em sua fase mais crítica, marcada pela análise das condições materiais, sociais e biológicas que moldam os indivíduos.

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Seu estilo é elegante, mas também marcado profundamente pela ironia, elemento que influenciou a literatura brasileira. E conseguia equilibrar lirismo e sarcasmo, beleza e crítica. Suas descrições constroem, camada a camada, o cenário social, psicológico e moral dos personagens.

Reflexões sobre religião, moral e poder

Grande parte da obra de Eça de Queiroz está ancorada na crítica às estruturas que moldam a vida em sociedade, sobretudo no que diz respeito à religião, à moral e ao exercício do poder. Suas narrativas revelam como dogmas religiosos, aparências de virtude e códigos de conduta social muitas vezes servem mais para controlar e oprimir do que para orientar eticamente.

No romance O Crime do Padre Amaro, por exemplo, ele desnuda a hipocrisia de uma Igreja que, em vez de ser espaço de acolhimento, amor e espiritualidade, se torna palco de interesses pessoais, repressão dos desejos e manutenção do status quo.

Formação crítica

Mesmo tratando de questões complexas e, muitas vezes, desconfortáveis, seus livros fluem com leveza, mantendo o leitor entretido tanto pela beleza da linguagem quanto pela sagacidade de suas observações.

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Essa combinação rara faz de Eça um mestre na formação de leitores críticos. Suas obras não se limitam a contar boas histórias; elas convidam a observar o mundo com mais atenção, a desconfiar das aparências, a questionar normas, instituições e discursos que naturalizam injustiças. Ler Eça, portanto, ainda é um exercício de reflexão sobre a sociedade e sobre a própria condição humana.

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