A oferenda
Nesta coluna, Elisa Lucinda publica um de seus poemas exclusivos

Na beira do rio, veio a mãe e me ofereceu seu filho.
“Toma meu dengo, Elisa, você vai saber criar,
vai dar palavra pra ele comer,
livro pra ele ler, meios pra ele estudar,
pensamentos para se desenvolver, inventar.
Eu não tenho essa condição.
Te entrego essa criança, minha rainha, na sua mão.”
Oferecia seu fruto à minha vida de privilégios.
Não era brincadeira, não.
A mirada do inocente em desamparo,
com menos de um ano de idade,
flechava meu coração.
A mirada do menino percebia o pêndulo do seu destino.
As lágrimas dos olhos dela inundaram as bordas dos meus.
Ela sabe que na vida dela não tem as facilidades do mundo meu.
Éramos duas mulheres ali, na beira do reino de Oxum,
a poucos metros de Yemanjá,
separadas pela escrotidão da justiça humana.
Não posso aceitar seu menino, mulher!
Vejo ele bem cuidado, alimentado,
banhado, aconchegado em seus braços…
Todos vamos sofrer,
e vocês dois mais do que ninguém.
Ela amava aquele neném.
A lágrima dela acabou de cair,
a minha não parou mais de rolar.
Era de tarde e estávamos juntas na paisagem,
a dor e a beleza.
O desespero da pobreza,
a desesperança dos excluídos da cidadania,
as portas fechadas,
o desamparo popular,
cobrindo a alma dela com tamanha tristeza,
fizeram com que aquela pobre mãe pensasse
em me ofertar sua única riqueza.