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OLÁ,

Ana Maria Gonçalves entra para a ABL e rompe 128 anos de exclusão

O anúncio foi feito na última quinta-feira (10), ela assume a cadeira nº 33, anteriormente ocupada pelo linguista Evanildo Bechara

Por Redação Bravo!
Atualizado em 11 jul 2025, 12h25 - Publicado em 11 jul 2025, 07h00
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Ana Maria Gonçalves passa a ocupar a cadeira nº 33 da Academia Brasileira de Letras (divulgação/divulgação)
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Autora de uma das obras mais importantes da literatura brasileira, “Um defeito de cor”, Ana Maria Gonçalves foi eleita para a Academia Brasileira de Letras – a 13ª mulher desde 1897. Como amplamente noticiado desde a última quinta-feira (10), ela se torna a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na ABL, em 128 anos de existência da instituição. Ela passa a ocupar a cadeira nº 33, no lugar do linguista Evanildo Bechara, que ocupava o posto desde 2000 e era reconhecido por sua contribuição aos estudos da língua portuguesa e à normatização gramatical no Brasil. Mas esse marco histórico também escancara o que por muito tempo tem causado desconforto em relação à “casa dos imortais”: sua tradição excludente.

Ao longo de sua trajetória, 309 pessoas passaram pela Academia. Das 40 cadeiras ocupadas atualmente, apenas duas são ocupadas por homens negros — Domício Proença Filho e Gilberto Gil. Ao todo, foram três homens negros, e nenhuma por uma mulher negra até ontem. O motivo para isso não é nenhum mistério, e tampouco faltaram nomes à altura da honra. Difícil esquecer o descaso com Conceição Evaristo, rejeitada em 2018 mesmo com apoio popular expressivo.

Essa exclusão tem raízes históricas profundas. Júlia Lopes de Almeida, escritora e abolicionista que contribuiu para a fundação da ABL em 1897, foi ignorada por ser mulher, e sua cadeira foi concedida ao seu marido. Somente décadas depois, a Academia começou a aceitar mulheres, um exemplo evidente de como o sexismo moldou a instituição. Lembrando que só em 1977 uma mulher entrou para a ABL.

O que tem ficado claro é a partir de suas escolhas é que a ABL frequentemente não reflete a diversidade da literatura brasileira atual. Por vezes criticada por elitismo e conservadorismo, a instituição sofre com pouca renovação de ideias, já que seus membros são vitalícios e majoritariamente provenientes de uma elite cultural que pouco se conecta com o Brasil plural e diverso.

A eleição de Ana Maria Gonçalves traz um novo fôlego; é um gesto necessário, mas não pode ser tratado como um evento isolado ou um ato de reparação pontual. É preciso que a ABL olhe com mais atenção para aqueles que, fora de seus salões, vêm realizando um trabalho essencial de estímulo à leitura, à produção literária e ao diálogo real com o público brasileiro.

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Quem é Ana Maria Gonçalves

Nascida em Ibiá, Minas Gerais, em 1970, Ana Maria Gonçalves iniciou sua trajetória profissional na área da publicidade. Em 2002, rompeu com a carreira e decidiu se dedicar integralmente à literatura. Seu primeiro livro, Ao lado e à margem do que sentes por mim, foi publicado de forma independente e contou apenas com a sua própria divulgação pela internet. Já Um defeito de cor, considerado hoje uma das obras mais importantes da literatura brasileira contemporânea, foi escrito ao longo de cinco anos.

O romance histórico acompanha a trajetória de Kehinde, uma mulher africana sequestrada aos oito anos no antigo Reino do Daomé (atual Benin) e trazida como escravizada à Ilha de Itaparica, na Bahia. Narrado em primeira pessoa, o livro percorre suas vivências dolorosas, afetos, impressões religiosas e sua busca por liberdade, que culmina na conquista da alforria e no retorno à África como uma mulher livre e empresária. Publicado em 2006, o romance tem cerca de 950 páginas e é fruto de uma extensa pesquisa histórica. A obra venceu o prêmio Casa de las Américas, entrou para a lista dos 200 livros essenciais para compreender o Brasil e inspirou desde exposições até o samba-enredo da Portela em 2024, além de fomentar debates profundos sobre identidade, raça, gênero e memória histórica.

Além dos dois romances, Ana Maria Gonçalves escreveu também as peças Tchau, Querida! (2016) e Chão de Pequenos (2017).

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