Lembranças de Suassuna
Textos de "História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão", de Ariano Suassuna, ganham nova edição com ilustrações do filho, Manuel Dantas
O escritor Ariano Suassuna possuía um apelo inigualável, cativando desde os pequenos até os leitores mais experientes. Muitos descobriram o gosto pela leitura com obras como O Auto da Compadecida, que se tornou uma comédia icônica, com um sabor ainda muito atual. Durante seus 87 anos de vida, o lendário autor paraibano mostrou sua versatilidade como autor, abraçando peças de teatro, prosa, poesia e artes plásticas. Além disso, foi professor universitário e advogado, deixando um legado cultural que continua a ser apreciado, mesmo após sua morte. Além disso, soube atribuir o devido valor e status à cultura popular.
Recentemente, História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão, lançado em 1977, recebeu uma nova roupagem com a participação de Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano. Manuel, um talentoso ilustrador, emprestou sua sensibilidade para ilustrar os dois volumes da obra: Ao Sol da Onça Caetana e As Infâncias de Quaderna, sendo este último publicado pela primeira vez em livro. Em entrevista, Manuel falou das influências pai e sobre o emocionante processo de criação de imagens para os textos do grande Ariano Suassuna.
Como foi o processo de ilustrar algumas das obras de seu pai, considerando tanto o conteúdo em si quanto as características e gostos pessoais de Ariano? Poderia compartilhar sua abordagem específica ao ilustrar História d’O Rei Degolado?
Eu sempre conversei muito com o meu pai sobre arte, sobretudo pintura. Fui muito influenciado por ele e por minha mãe, que também é artista plástica. Mas creio que desenvolvi o meu universo visual particular, que dialoga com o dos meus pais, claro, mas é inegavelmente meu. No caso das ilustrações que venho fazendo, elas são visivelmente distintas daquelas que minha mãe fez para ilustrar peças do meu pai que foram publicadas nos anos 1970. No caso específico de O Rei Degolado, além das capas, minhas ilustrações foram feitas para a abertura dos capítulos. À medida que o texto ia sendo fixado por Carlos Newton Júnior, ele ia me repassando os capítulos e eu fui escolhendo cenas ou personagens para ilustrar.
Conviver com uma figura tão próxima afetivamente e, ao mesmo tempo, um ícone da literatura brasileira deve ser uma situação interessante. Como você lidou com essa fusão de identidades ao estar perto de seu pai?
A visão de um filho é a de um filho, não a de um fã. Não via meu pai como um “ícone da cultura brasileira”, mas como um pai amoroso e que sempre apoiou o meu trabalho como artista, desde que comecei a enveredar por esse caminho.
Você se lembra do momento em que tomou conhecimento das obras de seu pai? Essa experiência influenciou de alguma forma sua própria jornada artística?
Desde menino, com pouco mais de dez anos, eu já acompanhava as reuniões que meu pai fazia na sala de nossa casa com artistas, os mais diversos. Ficava por ali, às vezes atento, às vezes não, mas de qualquer modo envolvido naquele universo dele. Muitos dos ensaios do Quinteto Armorial, por exemplo, foram feitos lá em casa. Meu pai costumava dizer que qualquer artista, ao se encantar com a obra de outro, já foi por esse outro influenciado, até mesmo inconscientemente. Creio que essa influência foi algo muito natural.
Em suas obras, há alguma história ou personagem que tenha um significado especial para você? Se sim, poderia compartilhar essa história e o motivo de sua importância em sua vida criativa?
Sou fascinado pela figura de Antônio Conselheiro, isso foi uma herança direta do meu pai. Ele dizia que ninguém podia entender o Brasil se não entendesse o episódio de Canudos. Eu pintei vários retratos de Antônio Conselheiro, e meu pai gostava muito desses retratos. Além de cenas e episódios que pintei a partir de Os Sertões, de Euclides da Cunha.
Assim como seu pai valorizava a cultura nordestina em sua obra, você também busca levar adiante esses valores? De que forma esses aspectos culturais se manifestam em seus trabalhos?
Sem dúvida. O sertão está muito presente em minha obra, desde a pré-história do Nordeste, com as pinturas rupestres e as itaquatiaras, até as pinturas que faço a partir das marcas de ferrar o gado, num trabalho meio abstratizante. É quando mais me afasto do figurativo.
Quais são as principais influências em suas obras? Que elementos específicos fazem parte da identidade de seu trabalho como artista?
Para relembrar meu pai, fui influenciado por muitos artistas, tanto os de tradição erudita quanto os de tradição popular. Desde as imagens do próprio Ariano e as de Zélia, minha mãe, às de Francisco Brennand, Gilvan Samico, Aloísio Magalhães e por aí vai. E, claro, não só pintores brasileiros. Picasso, por exemplo, certamente influenciou meio mundo de gente.
Como o contato intenso com a literatura e as palavras em sua casa o levou a se interessar por trabalhar com imagens, seja na ilustração ou na direção de arte? Poderia compartilhar um pouco sobre o que o inspira nesse campo artístico?
Como disse antes, tudo aconteceu de forma natural, lenta e gradual. Meu pai recebia obras de arte de presente de vários dos seus amigos. Tive o privilégio de viver em uma casa que tinha as paredes cheias de quadros e painéis de Brennand, gravuras de Samico, telas de Aloísio Magalhães. Via minha mãe e meu pai desenhando e pintando. A partir de A Pedra do Reino, lançado em 1971, meu pai passou a se dedicar sistematicamente às artes plásticas, e eu acompanhei tudo isso de perto. Minha casa foi a minha primeira formação. Depois fui para o sertão, trabalhar numa criação de cabras, e aquilo que eu vivenciava somente nas férias escolares passou a ser o meu cotidiano. Como eu já era pintor, fui muito tocado pela luz forte do sertão.
Onde você reside atualmente?
Divido o meu tempo entre o Recife, na casa em que meu pai morou e minha mãe ainda mora, e Taperoá, Sertão da Paraíba. Em Taperoá eu fico na fazenda Carnaúba, onde mantenho um ateliê de pintura. É para lá que sempre corro quando quero me isolar para pintar.
Ariano Suassuna
Nova Fronteira; 1ª edição
688 páginas