Bravo! indica: 5 autores para conhecer a literatura indígena brasileira
Conheça autores que exploram narrativas que preservam culturas milenares, denunciam violências e reivindicam o futuro dos povos originários

A oralidade, tecnologia ancestral dos povos originários, sempre foi veículo de sabedoria, resistência e conexão com a terra. Contudo, em um mundo onde 40% das línguas indígenas estão ameaçadas de extinção (segundo a ONU), a transposição dessas narrativas para o papel ganha urgência — não como substituição, mas como ferramenta de luta contra o apagamento colonial.
Os mais de 274 idiomas falados por 1,7 milhão de indígenas no país carregam cosmologias inteiras, modos de ver o mundo que desafiam a lógica ocidental. A escrita contemporânea, nesse contexto, é um ato político: uma forma de ocupar espaços historicamente negados, como editoras, escolas e museus, para reivindicar o lugar dos povos originários na construção do Brasil.
Há muitos anos, autores indígenas vêm ressignificando tradições milenares, usando a palavra escrita como extensão da oralidade, da mesma forma que seus ancestrais usaram a voz, o cocar, o maracá.
Em memória ao Dia dos Povos Indígenas, que acontece todo 19 de abril, apresentamos cinco autores para conhecer (e ler mais). São vozes que, longe de se limitarem a “denunciar”, criam mundos, reinventam mitos e afirmam: existimos, resistimos e reescrevemos o futuro.
1. Eliane Potiguara (Povo Potiguara)

Professora, escritora, intelectual e ativista, Eliane Potiguara é uma das pioneiras na literatura indígena contemporânea. Nascida no Rio de Janeiro e radicada nas lutas de seu povo Potiguara, ela fundou a Rede Grumin de Mulheres Indígenas, organização que desde 1988 articula a resistência de mulheres indígenas. Com formação em Letras e Educação pela UFRJ, Eliane transpôs para os livros a força das narrativas orais de sua avó, mesclando-as com denúncias sobre violência territorial e espiritual.
Com sete obras publicadas, incluindo A Cura da Terra (2015), ela mistura memórias pessoais, denúncia política e espiritualidade ancestral. Eliane tem se destacado em fóruns internacionais, incluindo eventos na ONU, e foi indicada ao projeto Mil Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz.
2. Daniel Munduruku (Povo Munduruku)
Nascido em Belém (PA), filho do povo Munduruku do Pará, Daniel transformou sua trajetória de migrante em São Paulo em fonte de inspiração para suas mais de 50 obras que unem mitologia ancestral e crítica social. Formado em Filosofia, Psicologia e História, ele atuou como educador de rua antes de dedicar-se à literatura infantojuvenil, gênero no qual se tornou referência.
Seus livros, como Meu Avô Apolinário (2004) e Contos Indígenas Brasileiros (2005), são usados em escolas de todo o país para cumprir a Lei 11.465/08, que inclui a cultura indígena no currículo escolar. Em O Banquete dos Deuses (2017), Munduruku reconta a história do Brasil a partir da perspectiva indígena, desconstruindo a narrativa colonial. O livro foi traduzido para o francês e o espanhol, ampliando seu alcance internacional.
3. Ailton Krenak (Povo Krenak)

Líder indígena, filósofo e ambientalista, Ailton Krenak é uma das vozes mais influentes do pensamento decolonial no Brasil. Nascido na região do Rio Doce (MG), território devastado pelo rompimento da barragem de Mariana em 2015, Krenak tornou-se conhecido nacionalmente em 1987, quando discursou na Assembleia Constituinte pintando o rosto com jenipapo em protesto contra a omissão do Estado.
Seu livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019) é um best-seller que desafia a noção ocidental de “progresso” e propõe uma ética baseada na interdependência entre humanos e natureza. Já em O Amanhã Não Está à Venda (2020), ele aprofunda a crítica ao capitalismo, afirmando que “a Terra não é um recurso a ser explorado, mas um organismo vivo do qual somos parte”.
4. Graça Graúna (Povo Potiguara)

Poeta, professora e pesquisadora, Graça Graúna é uma grande teórica da literatura indígena contemporânea. Doutora em Letras pela UFPE, ela investiga como a escrita dialoga com a tradição oral em obras como Tessituras da Terra (2012), onde une poesia e ensaio para discutir temas como identidade e descolonização. Em Flor da Mata (2015), ela aborda a relação entre natureza e resistência cultural, destacando-se por versos que celebram a força da palavra indígena.
Graúna também coordena projetos de formação de professores indígenas, defendendo que “a escola deve ser um espaço onde nossas crianças se vejam como sujeitos de sua própria história”.
5. Auritha Tabajara (Povo Tabajara)

Auritha Tabajara é a primeira cordelista indígena do Brasil, celebrada por sua contribuição à literatura e à cultura oral. Nascida na etnia Tabajara, a autora utiliza a forma poética do cordel para contar histórias e transmitir ensinamentos de sua cultura ancestral. Em sua obra “Coração na Aldeia, Pés no Mundo” (2018), ela explora temas como a identidade indígena, a conexão com a natureza e a resistência cultural.
Além de escritora, Auritha é contadora de histórias e artista, engajando-se ativamente na promoção da cultura indígena e na educação de jovens sobre suas raízes. Seu trabalho é uma importante manifestação da riqueza da oralidade e da tradição literária indígena no Brasil, inspirando novas gerações a valorizar e preservar essa herança.
Museu das Culturas Indígenas (MCI)
Em São Paulo, o Museu das Culturas Indígenas (MCI) se destaca como um espaço de protagonismo indígena, gerido em parceria com o Conselho Aty Mirim — articulação política de lideranças Guarani Mbya, Terena, Krenak e outros povos. O espaço funciona como um centro de resistência cultural, onde a literatura indígena ocupa lugar central. Em sua biblioteca, encontram-se obras fundamentais como O Cão e o Curumim (Cristino Wapichana), livro que reconta lendas do povo Wapichana para crianças, e Sapatos Trocados (Yaguarê Yamã), obra que aborda a migração indígena para centros urbanos.
Destaque para o álbum Guerreiras da Ancestralidade (2022), que reúne biografias de mulheres indígenas de Roraima, como a professora e artista Jama Wapichana. Na Sala Multiuso, o museu disponibiliza títulos como Nós: Uma Antologia de Literatura Indígena (2019), organizada por Julie Dorrico (etnia Makuxi), com textos de Eliane Potiguara, Daniel Munduruku e Ailton Krenak. Obras essas que também servem de base para rodas de conversa com autores indígenas.
Por que espaços como o MCI são essenciais?
- Preservação linguística: oficinas de línguas como guarani, tukano e krenak combatem o risco de extinção (40% das línguas indígenas estão ameaçadas, segundo a ONU).
- Cumprimento da Lei 11.465/08: ao disponibilizar acervo para escolas, o museu ajuda a implementar o ensino da história indígena, exigido por lei desde 2008.
- Visibilidade autoral: autores indígenas, muitas vezes excluídos do circuito editorial tradicional, ganham espaço para publicar e dialogar com o público.
O museu oferece oficinas de línguas indígenas e rodas de conversa com autores, alinhadas à missão de promover a Lei 11.465/08, que inclui a cultura indígena no currículo escolar.