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OLÁ,

Uma árvore pra cada meme

Em sua 1ª coluna no ano para Bravo!, a escritora discorre sobre assuntos virais, memórias da infância, a importância da pausa, promessas de Carnaval e mais

Por Luana Carvalho
Atualizado em 2 fev 2024, 11h19 - Publicado em 31 jan 2024, 13h03
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 (Laís Brevilheri/Redação Bravo!)
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Outro dia li um meme que dizia que mães deveriam ter direito a férias depois das férias em família. Se o brasileiro plantasse uma árvore pra cada meme genial que produz, a gente não estaria desfalecendo de calor. Ou pra cada tentativa de fuga pelo mar da família Bolsonaro. Li também outro maravilhoso sobre os estados civis atualmente se resumirem a algo do tipo: “Achei que ia, mas num foi, aí quase foi, depois num foi, agora piorou”. Que também cabe para o cidadão de bem cujo computador (da Abin) – quando o parênteses supera o que está fora dele – foi apreendido. Ou seja, muitos hits, muitas árvores, vou dar um toque na Laila Zaid.

Isso para explicar que, mal comecei a escrever pra Bravo!, e já me dei direito a recesso, pois ainda não tenho nem uma casa em Neauphle, nem a coragem de Marguerite Duras de se isolar dos filhos pra se tornar talvez a maior escritora mãe de todos os tempos. Escrever é o oposto de ser mãe. São solidões incompatíveis. Equação nada simples pra quem se constitui das duas coisas. Único lugar em que meu amor é, de fato, poligâmico (nenhuma apologia à monogamia, tá, gente? É que eu não tenho disponibilidade nem pra uma pessoa, só de pensar em várias, “suo parada de noite”). Mas aí tem também aquele outro: “Ano que vem (fevereiro) eu serei uma nova pessoa.”

Depois de voltar de uma viagem de família até Angra, uma imersão de roteiro na Serrinha de Alambari, outra viagem com minha filha para Serra Grande e, finalmente, chegar em Salvador pra saudação a Iemanjá de todos os anos (ainda não dormi mais de uma noite na minha própria casa desde o início de 2024, já estou exausta), me dei conta de que o assunto que havia escolhido para esse retorno não combinaria com um Sol pra cada civil que nos vem acometendo. Tá tudo meio Festival de Verão. Inclusive, pensando aqui na macetada da Ivete, dancinhas de Tik Tok plantando árvore também dariam um belo caldo, hein? Vai que o caldo desemboca na Bacia Amazônica… mais uma pra Laila. O lance é que mudei o rumo da prosa e depois de ouvir a Bárbara Carine falando da covardia que fizeram com Roberto Junior – outro tipo de calor – tive vontade de dividir esse trecho de uma memória de verão, com outro Roberto, alguns trinta anos atrás:

Quando criança, meu motorista me levava para pescar. Naquela época era comum uma família branca de classe média ter um motorista. No meu caso, ele foi praticamente um pai. Até minha primeira menstruação contei antes para ele do que para todo mundo. Mas voltemos à pescaria. Foi ele que me ensinou todos os passos para usar a vara: encaixar a virola macho na virola fêmea, não sem antes limpá-las com um cotonete, inserir o molinete e encaixar o fixador (tudo isso rotacionando), atravessar a linha pelos passadores desde o molinete até a ponta superior, depois ver se o carretel estava desenrolando na mesma direção do molinete. A isca, escolhíamos de acordo com o clima. Em dias de Sol, usávamos a prateada que refletia a luz chamando a atenção dos peixes. Em dias nublados, preferíamos a dourada, que produzia um auto reflexo e os atraía igualmente. Roberto, como chamava, costumava dizer que a isca dourada era o próprio Sol e que, sendo assim, os peixes – que sempre devolvíamos – voltavam pro mar com o Sol na barriga.

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Depois enrolava a linha na isca, essa era a minha parte preferida. É um processo de força e delicadeza, repetição, e requer muita atenção. A linha de pesca é difícil de ser vista. Enrola-se uma linha na outra, cerca de cinco vezes. São poucos os momentos em que consigo estar pensando numa coisa só – e aquilo me fazia estar totalmente entregue aos mínimos gestos necessários. Até usar minha saliva para o último dos nós. Tento até hoje evocar esses instantes quando preciso conter minha cabeça. Quando me falta concentração. Mas uma coisa que nunca aprendi foi a decidir sozinha o tipo de vara. Nunca previ o tamanho ou o peso do peixe, como Roberto. Nunca soube antes que peixe queria pescar.

Também com Roberto aprendi a soltar pipa naquela mesma praia. Fazer minha própria pipa, passar cerol na linha. Naquele tempo eu não tinha noção do perigo, só queria mesmo proteger minha rabiola do corte dos meninos. Pescar, soltar pipa, são bastante parecidos. Alguém é sempre fisgado, alguma coisa sempre se perde. A vida, uma pipa, uma vara, um balão, do nada cai, do nada some e sabe-se lá um fio que rompe, onde pega o fogo de cada um. Eu fazia a rabiola com a mesma destreza com que amarrava a linha na isca. E dava a mesma importância. Subir uma pipa no vento é das sensações mais bonitas na vida. Conduzir um polígono no céu, fazer uma imagem dançar.

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Tomara que tenha rolado algum vento por aí. Um corte. Aqui, de onde escrevo, segue muito quente. Com sua licença, vou viver a Bahia. Que isso também é escrever. Janeiro é barril. E agora também “infinito, quase agosto”. Não obstante vou ali, dançar ao negro toque do agogô. Mas não sem antes dizer que nada no Festival de Verão me emocionou tanto quanto o Ilê Aiyê e Margareth Menezes. Que Anatomia de Uma Queda é um filme obrigatório. Que, se ainda não leram O Verão de 80, já podem começar. E que, em hipótese alguma, deixemos de estar atentos a Robertos. Ou de ouvir Djavan, nosso aniversariante do mês, que, segundo o humor brasileiro, anda “sem lugar pra ler um livro”. Olha aí mais uma árvore!

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