Um elogio à adolescência!
Coluna Caderno de Pensamento de agosto

Qual o problema com essa palavra? Qual o problema com essas pessoas? Por quê a humanidade se lança contra os adolescentes como se fossem seres desprezíveis, impossíveis de convivência? Existem pais que se referem a eles usando o termo aborrecentes, e ainda falam como se tivessem dois doentes em casa. Que horrível! Quem é o adolescente, afinal? O que incomoda tanto ao adulto, que um dia também foi seu igual? O quê no adolescente incomoda a tantos adultos?
Trata-se de um estágio essencial. Essencial para o ser humano, onde as bases de caráter de ética e de organização ideológica com a vida encontram as primeiras reflexões conscientes, só isso. Digo, só isso tudo. Sagrada hora existencial da consciência da construção do sujeito, e isso será basilar para o adulto que ele será.
Ali o pequeno jovem começa a perceber que teve um passado, começa a se interessar por suas fotos de infância, começa a pensar na galeria e aos mesmo tempo que está recebendo uma chuva de hormônios, uma chuva de espinhas no rosto, uma chuva de masturbações, pelos no corpo, mudança de voz, peitos, menstruações, tudo chega de uma vez numa pessoa que era criança ontem. Cabe ao adulto colaborar com o seu crescimento, com o seu encontrar, com o seu identificar dos dons, cabe ao adulto acolher esse indivíduo em transformação de si mesmo. Está formatando o seu sujeito ser de maneira consciente pela primeira vez, sem a ingenuidade pura da infância. Começa a desenvolver um pensamento crítico e a olhar pros pais do jeito que os nunca tinha visto antes, a perceber diferentemente as brigas, a perceber diferentemente os afetos.
Estou tendo a honra de estar em cena, na sala de ensaio ainda, com o adolescente que eu vi na barriga da mãe e que teve uma educação que eu chamo de quilombola, sendo um menino branco, dentro de uma família artística. Esse menino foi criado dentro de turnês, visitando coxias, assistindo a muitos ensaios, espetáculos, participando de peças, assistindo aula de poesia que sua mãe, Geovana Pires e eu nunca deixamos de ministrar; o pai, Marcelo Demarchi, também ator e professor de teatro, a escola Waldolf onde ele estudou durante 13 anos de sua vida, ensina a cozinhar, a fazer tricô, a se cuidar, não ficar só elogiando e incentivando essas coisas de marcas, essas massificações que a gente engole, essas massificações que assolam o Brasil e a nossa cultura. Ele teve uma educação artística na escola, teve toda uma aldeia para ensiná-lo porque é preciso toda uma aldeia para educar uma criança. O resultado é um menino doce e cheio de habilidades em uma sociedade patriarcal que tanto mal fez aos homens doces e é devedora desses seres para o mundo.
Venho afirmar que o adolescente não é necessariamente o opositor, ele só quer andar pela primeira vez sobre suas pernas e quer saber quem são elas, quem é esse cara dono de suas pernas; ele não sabe ainda, está em mutação, é existencial, vamos ajudar.
Claro, ele pede um limite, porque um rio sem margem não vai a lugar; nenhum mas limite não quer dizer violência.
Podemos fazer uma educação por compreensão, uma comunicação não violenta. E a gente sabe o que está acontecendo ali, nós também fomos adolescentes. E não podemos tomar os desafios que o adolescente muitas vezes nos propõe como uma coisa contra nós. Podemos sim, muito bem, com habilidade adulta transformar a cena de conflito numa educação pra ele. Eu tenho amigas me falando que o menino tem 15 anos e está na Laps até de manhã porque não tem como dar limite pra ele. Ela que não tem como dar limite pra ele, o problema não é dele. E tem que dar um limite pra ele. O mundo é uma encruzilhada cheia de caminhos abertos e limites, não ensinar isso ao ser humano dos quais somos cicerones é trair este ser humano. Um elogio à adolescência!
Há crianças grandes andando de carrinho de bebê; isso é tão contraproducente quanto um cachorro num carrinho de bebê. A ideia de caminhar, de passear com um cachorro é a de ele se exercitar. Um cachorro no carrinho é um sedentário e uma criança de 7 anos num carrinho de criança de 2, 3 é uma criança sedentária.
Então, estamos criando crianças sedentárias dependentes de telas, sem nenhum preparo para lidar com o outro, sem olhar pro outro, sem gentileza, sem empatia, monstras. Estamos criando pequenos monstros. Então o problema não está na nova adolescência e sim na não possibilidade de ser criança que nós estamos oferecendo a famosa geração z. Elas não estão sendo crianças. Crianças correm, brincam, se expandem, o adulto depois perde essa grandeza mas essa é a riqueza de uma criança: a plenitude. Els tem direito à infância livre e perto da natureza. É direito daquele pequeno cidadão, estamos falhando aí.
Gabriel Demarchi, esse meu colega de elenco dessa nova peça que daqui a pouquinho vocês vão ouvir falar chamada O Princípio Mundo, tem 14 anos e acabou de brotar no coração dele o bichinho da poesia. E eu vou postar aqui dois poemas que ele fez. No primeiro ele tinha perdido o celular. Fez o poema por isso. Aliás ele não teve celular até os 12 anos.
Protegemos sua infância, protegemos este menino das telas. O mundo virtual é uma terra sem dono, cujos vilões se sentem muito à vontade para agir.
E são eficientes caso contrário não estaria assustador o número de sites orientando jovens e adolescentes à misoginia e à violência contra as mulheres. Estamos falhando na construção da paz abandonando nossos filhos à “educação” perversa das redes expostos aos conteúdos a viralizam. Vitalizar não confere garantia na qualidade do conteúdo, pode-se lacrar com uma perniciosa fake news. A contemporânea nos exige maior presença real com nossos filhos.
Meu sobrinho, Leo, de onze anos, esteve com a gente por cinco dias em casa de minhas tias de 91 anos. Gêmeas. Durante este tempo esta criança brincou, correu, jogou bola, cantou, dançou, contou piada, foi gentil com as tias centenárias oferecendo sempre beijos, carinho, quitute a, água. Inteligente. Bem humorado. Diferente das crianças presas às teias de quem a gente nem conhece a voz. Léo tb não tem celular, só lhe será permitido aos 14. Deixar às crianças nas redes entregues à própria sorte não os torna mais inteligentes. Pelo contrário. É como abandoná-las numa rodoviária entregues à própria sorte.É como deixar uma criança brincar com faca afiada, com veneno letal, com arma do pai. Essa que pode acabar apontada pra ele mesmo.
Bem, voltando ao Gabriel, vou deixar aqui dois poemas dele. que ele mesmo me mandou. São seus primeiros versos. Um luxo. Esses dois poemas escritos por este jovem, nos dão a dimensão de onde podemos chegar se plantarmos mudas afetuosas no coração adolescente. Afinal, ele está prestes a conhecer o amor romântico. Vamos preparar o terreno?
Seguem as mensagens do meu amado afilhado e agora ilustre e sensível colega de elenco e poesia,Gabriel. Em tempo: desde pequena ele me chama de Dundum, apelido inventou pra mim quando ainda era neném.
“Oi, Dundum,
No dia que eu tava sem celular teve uma festinha na casa de uns amigos. Aí passou trinta minutos e todo mundo tava abduzido nas teias. E eu percebi que eu estaria também se meu celular tivesse comigo. E levei isso como um sinal. então fiz as coisas sozinho. Tricotei, desenhei, dancei… dancei… O mar me tirou o celular e me deu de presente a vida.
Escrevi esses dois poemas, veja se você gosta:
Um sinal pra viver.
Paraty.
Cidade de luz, cidade de água.
Mar, rio, cachoeira…
Tudo o que pulsa em mim.
Feriado no Rio dos Peixes,
caminho entre pedras e histórias,
vento acariciando minha pele
Molhada pela baía carioca.
Mas o mar…
o mar me levou o celular.
De presente,
me deu a vida.
Na festa,
os corpos estavam,
mas os olhos não.
Sugados, hipnotizados,
enjaulados em pixels e rolagens infinitas.
Eu, sem tela,
via tudo com clareza.
O silêncio entre os gritos.
A solidão entre as músicas.
Ali, me senti vivo.
Desenhei, comi, brindei.
Fiz um cachecol no frio da noite.
Me fiz companhia.
Me dei presença.
Enquanto eles
inspiravam dopamina,
eu expirava liberdade.
Viva!
Estive livre.
Presente
Conectado ao que importa.
Ali, sem sinal, recebi o maior deles:
Um sinal pra viver.
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
Nostálgico
Sinto falta do meu ninho.
Meu casulo,
Meu cantinho,
Em que eu me revirava
Sem saber do mundo,
Mas sentindo tudo.
Era quente, era quieto,
Era só batida e respiração.
O mundo inteiro cabia ali,
Na curva de um ventre,
Na dança de um coração.
Eu era só espera,
Só promessa enrolada,
Sonho sem nome,
Vida ainda calada.
E hoje, tão longe daquele abrigo,
Carrego saudade de algo
Que nem cheguei a viver desperto.
O abraço invisível,
O colo sem braços,
O aconchego antes do primeiro choro.
Talvez por isso, às vezes,
Procuro no mundo
Algo que me lembre
Aquele tempo sem tempo,
Aquela casa sem porta,
Aquele amor sem perguntas.
Meu primeiro lar.
Meu começo escondido.
O único lugar
Onde eu já fui inteiro
Antes de ser partido.
(Gabriel Demarchi)