Em livro de memórias, Cher relata traumas da infância
Lançada pela HarperCollins, a autobiografia revela as dificuldades da infância e sua ascensão à fama, sempre o humor afiado que é marca registrada da cantora

Quando pensamos em uma superestrela, raramente imaginamos os bastidores de uma vida marcada por tantas dificuldades. A autobiografia de Cher, publicada pela HarperCollins Brasil, é um desses exemplos que conseguem nos surpreender. Contada em primeira pessoa pela própria artista, e dividida em duas partes, a obra traz o estilo autêntico e o humor afiado que a caracterizam, revelando intimidades da vida da cantora e atriz.

Nesta primeira parte, Cher, 78, compartilha as dores e dificuldades que marcaram a trajetória das mulheres de sua família. Sua avó, Lynda, foi deixada pelos pais aos cuidados de parentes por não conseguirem sustentá-la. Ela teve sua filha, Jackie Jean, quando tinha apenas 13 anos. Já a jovem Cher, abandonada por seu pai, Johnnie Sarkisian, passou um tempo em um orfanato dirigido por freiras. Sua infância foi marcada por diversas dificuldades.
Antes de se dedicar à música, o foco de Cher estava na atuação. Quando ainda era adolescente e com menos de 20 anos, ela conheceu Sonny Bono, com quem formaria a icônica dupla Sonny & Cher. Juntos, alcançaram o estrelato, comandaram programas de variedades e se tornaram ícones da cultura pop dos anos 60 e 70. Contudo, o sucesso não foi suficiente para atenuar as sombras do relacionamento, que foi marcado por abuso psicológico e quase violência física por parte de Sonny. Após muito tempo de sofrimento, Cher conseguiu se libertar e seguir sua carreira solo. Do casamento com Sonny, nasceu Chaz, e, embora o divórcio tenha ocorrido em 1974, eles mantiveram uma relação de trabalho durante boa parte daquela década.




Leia um trecho de Cher: A Autobiografia (Parte 1)
Certo dia, chegamos para fazer a leitura do roteiro, e o texto estava tão caótico que precisava ser reescrito. Ao perceber que teríamos um momento de liberdade, Ret [Turner] e eu viramos um para o outro como se disséssemos Vamos sair enquanto podemos e fomos direto para a porta. Eu ainda estava de meia-calça e collant, mas peguei meu chapéu de caubói, feito por Bob, e entramos na minha Ferrari turquesa. (Sou apaixonada por Ferraris. Minha favorita era a Dino que eu tinha; se fosse um homem, eu teria me casado com ela e estaríamos juntos até hoje.) Ret e eu dirigimos para a Saks Fifth Avenue, em Beverly Hills, onde vi um par de lindas botas de couro preto Charles Jourdan, que comprei na mesma hora. Enquanto passeávamos pela loja, de repente, nos vimos em uma sala redonda espetacular, toda espelhada e repleta de frascos de perfume. Peguei um, borrifei no ar e disse a Ret: “Meu Deus, amei esse aqui. Sonny não me deixa usar perfume, mas e se eu usasse só no programa?” Ret assentiu. Ergui os olhos 259 e vi que uma multidão de mulheres, apontando e sussurrando, começava a se formar. Quando percebi que elas não se dispersavam, perguntei a Ret: “O que elas estão olhando?”
Ele riu e respondeu: “Para você, claro. Você está na televisão, querida. Todo mundo sabe quem você é.” Eu estava tão ocupada trabalhando que não saía para o mundo real para ver que era famosa de novo, mas dessa vez em 4k.
Sonny e eu nunca fomos tão ricos e atarefados. A Receita Federal havia sido paga e agora tínhamos fama, dinheiro e respeito. Era a fantasia que eu sempre imaginara, embora nunca tenhamos entrado naquela concessionária de Cadillac com uma bolsa cheia de dinheiro. Eu começava a perceber que a fama da televisão era diferente da dos álbuns e shows. Nenhum de nós conseguia acreditar.
Eu enfim podia usar o tipo de vestido lindo e enfeitado que sempre sonhei. Bob fez um coberto de miçangas vermelhas brilhantes com uma abertura na barriga que me deixou doida. Ele e Ret ainda precisavam pegar fantasias emprestadas para os dançarinos, mas, para mim e para os convidados, podiam criar o que quisessem com uma verba que tinha aumentado para 5 mil dólares por roupa. Bob sempre disse que meu corpo tamanho 36 era como um cabide, onde ele podia pendurar qualquer coisa e tudo ficava bom. Aos 25 anos de idade e pesando 49 quilos, eu estava finalmente ficando com o corpo definido, sobretudo quando comecei a fazer coreografias para as nossas apresentações no programa. Além disso, meu biotipo havia entrado na moda.
Para minha surpresa, fui nomeada uma das dez mulheres mais bem-vestidas dos Estados Unidos, junto com a estilista Carolina Herrera e com Liza Minnelli. Foi surreal. Ninguém que tivesse me visto nos anos 1960 teria imaginado. Sonny, é claro, fez piada da minha nomeação no nosso programa e implicou comigo sem dó, dizendo que minhas roupas deslumbrantes só acentuavam meu nariz “tamanho GG”.
Trecho cedido pela HarperCollins do livro “Cher: a autobiografia (parte um)” (páginas 258 e 259) lançado em 2024.