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Focada em obras raras, nova Editora Lume convida o leitor a desacelerar

Criada pelo realizador de cinema Frederico Machado, a editora irá trabalhar com 10 clássicos literários por ano. Saiba quais são os primeiros títulos

Por Beatriz Lourenço
Atualizado em 8 abr 2024, 20h02 - Publicado em 8 abr 2024, 09h00

Neste mês, as prateleiras das livrarias recebem uma nova integrante do mercado editorial, a Editora Lume. Fundada em São Luís pelo realizador de cinema Frederico Machado, também criador da produtora e distribuidora Lume Filmes, a editora irá traduzir livros clássicos e raros no Brasil. O objetivo é ampliar o conhecimento de títulos que transformaram a literatura mas que abordam temas ainda atuais. 

A empresa surge de uma paixão antiga. Filho dos escritores Nauro Machado e Arlete Nogueira da Cruz, Frederico conviveu com as palavras desde pequeno e, com a ajuda dos pais, aprendeu a valorizar as características de uma boa publicação. “Prezamos por um material impecável, pelo design diferente e pela tradução de excelência. Não temos vontade de revolucionar o mercado, queremos compor com as marcas já existentes ao entregar um trabalho primoroso e trazer mais literatura de qualidade ao país”, comenta. 

Ao todo, dez obras serão lançadas em 2024 e as duas primeiras serão colocadas em pré-venda no site oficial a partir do dia 10 de abril. Os escolhidos são os romances russos “Herói da nossa época”, de Mikhail Lérmontov, e “Últimas páginas do diário de uma mulher”, de Valêri Briusov. O primeiro, publicado em 1830, narra a trajetória de um herói protagonista por meio de cinco contos que refletem sobre feminismo, machismo e o antagonismo entre o bem e o mal. O segundo, datado de 1910, descreve minuciosamente a vida íntima de uma mulher moderna, emancipada e desinibida. Apesar de ser escrito por um homem, o autor critica, ao longo dos capítulos, as relações patriarcais e os papéis masculino e feminino nas relações sexuais. 

Para fazer com que os exemplares cheguem ao público, Machado visitou pessoalmente diversas livrarias, a começar pelas nordestinas. A distribuição vai começar por Teresina, no Piauí, onde está localizada a gráfica escolhida para imprimir os manuscritos. “Isso aumenta o preço da produção, mas nosso sonho é sair um pouco do eixo Rio-São Paulo e valorizar outros estados”, reflete. A participação de feiras e convenções também está nos planos, já que elas impulsionam as vendas e funcionam como uma espécie de centro de troca de experiências entre empreendedores.

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“Pioneiros”
de Willa Cather, tradução de José Geraldo Couto (Editora Lume/divulgação)

Cenário desafiador

A editora surge em um momento complexo. Há livrarias fechando as portas por baixo índice de vendas, enquanto os jovens estão cada vez mais imersos nas redes sociais, que impulsionam a cultura do estímulo contínuo, dificultando a concentração no dia a dia. Inclusive, uma pesquisa feita em 2023 pela Nielsen BookData revelou que 60% dos brasileiros consideram o hábito da leitura importante, mas se sentem desmotivados para comprar livros. Os principais fatores citados são preço, ausência de loja e falta de tempo.

“Acho muito importante os clássicos serem descobertos. Vai ser um trabalho de nicho, mas acredito na potência e na beleza dessas obras. Não imaginamos vender 500, 400 cópias em um mês, sabemos que isso é muito difícil. Mas a vida deles é longa”, afirma o livreiro. Apesar da fama de serem difíceis, Frederico acredita que vale a pena explorar a categoria. Isso porque essas histórias mostram as raízes de tudo o que é criado hoje. Além disso, a descoberta dos detalhes de cada página pode ser um momento de calmaria. “A literatura, a música e o cinema são meios de escape. Leio com calma e paciência – posso ficar quatro ou cinco horas parado quando eu estou acompanhado de um livro”, diz. 

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A arte da tradução

Para ajudar a realizar esse sonho, a editora contratou um grande time de tradutores, como Oleg Almeida, Nara Vidal, José Geraldo Couto, Solange Pinheiro, Carla Bessa, entre outros. São eles que mergulham nas páginas – e na vida – dos autores para trazê-las para perto da linguagem atual, sem causar estranhamento ou transfigurar o texto original. 

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“A tradução, sobretudo no caso dos clássicos, precisa ousar certa individualidade, o tradutor não deve ter medo de forjar um estilo próprio. Isso é feito de forma diferente de livro para livro. Não há uma fórmula, até porque as linguagens também variam dentro da mesma língua e da mesma época”, revela Carla Bessa. 

Esse processo não é simples, pelo contrário, leva tempo, revisões sucessivas e muito estudo. Bessa, que está traduzindo, o “Romance dos Três Vinténs”, do alemão Bertolt Brecht, inclui outros escritos da mesma autoria para ver se há especificidades de estilo que devem ser considerados – além de se apoiar em uma literatura secundária para contextualizar a época. 

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“A Aloe”, de Katherine Mansfield, tradução de Nara Vidal (Editora Lume/divulgação)

A tecnologia, que hoje conta com programas de inteligência artificial de tradução rápida, é usada para ajudar, mas não substitui o trabalho humano. “Traduzir não é só transferir de uma língua para outra, mas mediar entre culturas, considerando ainda todas as especificidades dentro uma própria cultura. Ou seja, a gente traduz não só os textos, mas – e sobretudo – as entrelinhas”, explica Bessa. 

Nara Vidal, responsável por traduzir “A aloe”, de Katherine Mansfield, concorda com a colega e menciona que para fazer seu trabalho é preciso estar familiarizada com a vivência da autora como imigrante no Reino Unido e seu olhar crítico e sagaz, mas à margem do meio modernista da época. “Trazer nomes assim de volta ao centro de produções literárias é uma sorte para os leitores, um enriquecimento para o mercado editorial e uma alegria e privilégio imensos para quem traduz”, finaliza.

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