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OLÁ,

Novo livro de Brandon Taylor aborda o desamparo da geração millenial

Obra publicada pela Fósforo no Brasil explora temas como racismo, precarização, identidade e classe; leia um trecho

Por Redação Bravo!
13 jan 2025, 09h00
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O livro "Vidas Tardias" está em pré-venda (Fósforo/divulgação)
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O autor estadunidense Brandon Taylor reafirma sua relevância na literatura contemporânea com “Vidas Tardias”, novo romance publicado pela Fósforo, que retrata as complexidades da geração millennial. Ambientado em Iowa City, o livro publicado pela Fósforo acompanha jovens negros e gays, como Seamus, um poeta franco; Ivan, ex-dançarino que enfrenta desafios após abandonar sua carreira; Noah, um bailarino preso a relações turbulentas; e Fatima, que luta para conciliar trabalho e dança em meio a julgamentos. Explorando temas como racismo, precarização, identidade e classe, Taylor constroi uma narrativa sobre busca por pertencimento e autoconhecimento. A publicação já está em pré-venda e pode ser adquirida aqui.

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O escritor Brandon Taylor (Bill Adams/divulgação)

Leia um trecho da obra:

Vidas Tardias, Brandon Taylor (Editora Fósforo, 2025)

Na sala de seminários, alunos da pós-graduação estão sentados em cadeiras dobráveis de plástico: sete mulheres, dois homens. Inocentes o bastante para acreditar na força transformadora da poesia, mas cínicos o suficiente nos momentos mais sombrios para considerá-la um chamado pseudoespiritual, alguma coisa parecida com a aflição dos televangelistas.

Lá fora, o último dia azul de outubro. Previsão de neve.

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Eles discutem “Andrômeda e Perseu”, um poema apresentado por Beth, que inverteu o título do quadro de Ticiano para pôr o sofrimento de Andrômeda no centro, no lugar do heroísmo de Perseu — estuprador, assassino, destruidor de mulheres.

“A captura é brutal como o cativeiro”, diz a menina atarracada de Montana.

O poema ocupa quinze páginas de espaçamento simples e contém, entre outras coisas, a descrição vívida de uma transa no período menstrual, com o sangue coagulando em um edredom cinza. O sangue é chamado de “a marca da Górgona”, como correspondência à “mancha de ferro” que sujou as vestes de Medusa depois de ser decapitada por Perseu.

Todos acompanham, absorvendo o sistema de imagens alusivo e a densidade narrativa do poema, o calor emocional do tema, a crescente relevância cultural ref: mulheres, ref: trauma, ref: corpos, ref: vida no fim do mundo.

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“Adorei a improvisação gestual dos versos, é muito Joan Mitchell”, diz Helen, que antes era uma criança mórmon noiva de alguém em um subúrbio de Denver, e agora mora em cima de um bar no centro de Iowa City e escreve poemas sobre crianças moribundas e piolhos pubianos.

“Eu achei, tipo, muito afiado, que nem gilete. Dá pra cortar o dedo de alguém, sabe? Deus.” Noli, dezenove anos, criança prodígio. Uma decepção para os pais. Poesia em vez de, sei lá, medicina, a cura do câncer?

“Total. Mas muito cru também. Muito visceral.”

“E bem intenso…”, Mika, vinte e oito anos, a personificação de Stevie Nicks na franja, nas botas e nas transparências cheias de babados.

“… carregado, tenso pra cacete…”, Noli mais uma vez, tão participativa hoje. Muito falante.

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“Voz, voz, voz.” Aqui, Linda, uma mulher negra de Tulsa. Tranças. Pele brilhante, perfeita. Depois de frequentar a Universidade do Texas em Austin, foi fazer um doutorado em física no MIT, que não se sabe se concluiu ou largou. De qualquer forma, cá está ela em Iowa como todos os outros. Há alguma tensão entre ela e Noli, também negra, também muito inteligente. Nada de sororidade. Uma exclusão mútua bem intensa.

“Até que enfim um lance real”, Noli diz. O olhar de Linda fica mais penetrante. “Mas totalmente preciso. Tipo, nada daquela merda de slam. Só voz.”

“Eu queria isso nas minhas veias. Foda”, Helen diz.

O eflúvio de elogios envolve Beth, que recebe os aplausos com um brilho sereno. O professor, nunca exatamente na disputa pelo Pulitzer, mas também nunca fora dela por completo, assente devagar, presidindo sobre os alunos como um maldito pastor da juventude. Ou assim Seamus imaginou, cochilando meio distraído. Então, voltando a si mesmo, para a sala, fazendo-se presente, ele de fato olhou. Os lábios de Beth em uma linha fina, as sobrancelhas em vincos profundos. Triste apesar dos elogios, quando os elogios pareciam ser o objetivo dos poemas que escreviam. Ganhar um tapinha nas costas. Receber aplausos. Serem transformados em santos e mártires modernos.

Curioso, muito curioso, pensou Seamus, que uma pessoa, ao ganhar aquilo que mais queria, possa parecer tão infeliz.

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Vitrais em forma de trapézio cobriam a parte superior da parede. O lugar era todo elegante, com vigas de madeira escura e janelas altas, criando um efeito de celeiro. A luz de um sol de começo de tarde se acumulava no piso riscado, com caixas fechadas de livros de ex-alunos do curso de escrita que alcançaram sucesso mediano.

A pátina do prestígio, como a cera desgastada das tábuas do piso, já tinha visto dias melhores. Este era o lance do prestígio — quanto mais velho e mais comido pelas traças, mais valioso. Existia certo tipo de poeta para quem o prestígio era o objetivo. A poesia em si era o prestígio. E, como poeta, se você não era visto escrevendo um poema, isso significava que você não era um poeta de verdade. Para esses poetas, o seminário era o ponto alto da vida de artista. Nunca mais eles teriam, semanalmente, uma atenção tão grande direcionada para a performance poética deles.

“Esse poema perturba muito as noções de confiabilidade. Porque, tipo, quem tem mais autoridade sobre uma experiência do que a pessoa que está vivendo a experiência, certo? Mas, tipo, as inconsistências na narrativa fazem a gente perguntar se a verdade não seria realmente um palimpsesto de falsidades, e…”, Helen mais uma vez, agora interrompida por Garza, metade tunisiana, metade quebequense, mas criada em Toronto e Oakland.

“Total. Bem no estilo Vicuña em Spit Temple…”

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“Eu prefiro a abordagem de Moraga sobre a história pessoal, e como preenchemos lacunas nos arquivos com…”, Noreen, de West Virginia, com um leve sotaque que talvez seja falso — curiosamente ausente quando ela estava bêbada —, cortando a resposta de Garza. 

“Hartman diz que os arquivos são construídos como…”, Noli, também interrompendo.

Essas diversas interrupções e supressões, todas as desavenças e desorientações. Como um cachorro finalmente alcançando o rabo e o mastigando até a cartilagem. Seamus olhou para a direita, para Oliver, que ouvia atento com um semblante satisfeito e receptivo. Como, Seamus se perguntou, Oliver podia levar aquilo tão a sério, enquanto aquelas pessoas não paravam de falar sobre a violência do arquivo, de Cherríe Moraga e de Cecilia Vicuña, cujas obras não tinham nada a ver com o poema em questão. Aquilo não era poesia. Era a imitação da poesia em busca de validação. Era um outro tipo de poesia teatral: se você falasse uma quantidade suficiente de nomes, as pessoas pensariam que você sabe do que estava falando e tenderiam a atribuir as imprecisões das referências à própria ignorância delas. Mas Seamus já tinha lido Moraga e Vicuña. Tinha lido os ensaios críticos de Saidiya Hartman — antes da MacArthur, bien sûr — e os ensaios críticos em resposta ao trabalho de Hartman. Ele sabia que os Estados Unidos eram uma guerra de arquivos contraditórios. Histórias diferentes com suas turbulências particulares. Teria sido mais fácil para aquelas poetas dizer que às vezes você mente, às vezes você se engana e às vezes sua verdade mudou no curso da narrativa. Que às vezes o trauma reconfigura a relação com a verdade e com o próprio aparato narrativo. Mas não, elas seguem criando significados. Amarrando ideias ruins a nomes reconhecidos e esperando que alguém as chamem de espertas, afiadas, radicais e corretas, que alguém as chamem de poetas, pensadoras, mentes brilhantes, mesmo que não passem de crianças.

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(Fósforo/divulgação)
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