A elegia de Patti Smith a Robert Mapplethorpe
O livro Só Garotos, de Patti Smith, dedicado ao fotógrafo Robert Mapplethorpe, completa 15 anos e se tornou uma das mais belas representações da amizade

Há 15 anos, a escritora, cantora e compositora Patti Smith publicou seu maior sucesso literário, Só Garotos. A obra, uma profunda e comovente elegia, é dedicada ao grande amigo, o renomado fotógrafo estadunidense Robert Mapplethorpe (1946-1989). Patti revisita a vida em Nova York durante os anos 1970, época em que se conheceram, ambos jovens em busca de um caminho para transformar suas artes em meio de sustento e expressão. Patti, inicialmente pela poesia e, mais tarde, pela música; Robert, através da fotografia, que se tornaria sua principal forma de arte.
Com sua habilidade única de escrita, Patti consegue entrelaçar sua paixão pela música, literatura e poesia com a história compartilhada, criando uma narrativa rica e introspectiva sobre os laços que os uniram. O livro reflete sobre a amizade, o amor e as lutas pessoais em um período de efervescência cultural, quando Nova York era um centro vibrante de criatividade e experimentação. Robert faleceu em 1989, vítima da epidemia de AIDS, e, antes de sua morte, Patti prometeu que escreveria a história deles. Essa promessa foi cumprida 21 anos mais tarde, quando Só Garotos foi finalmente publicado, homenageando não apenas a memória de Robert, mas também a rica paisagem artística e emocional que definia a relação deles.
Leia um trecho da obra:
Tínhamos nosso trabalho e um ao outro. Não tínhamos dinheiro para ir a concertos e cinema ou para comprar discos novos, mas ouvíamos os que tínhamos sempre e sem parar. Ouvíamos minha Madame Butterfly cantada por Eleanor Steber. A love supreme. Between the Buttons. Joan Baez e Blonde on blonde. Robert me apresentou aos seus favoritos — Vanilla Fudge, Tim Buckley, Tim Hardin — e o seu History of Motown era o fundo de nossas noites de alegria compartilhada.
Em um dia de veranico vestimos nossas roupas favoritas, eu com minha sandália beatnik e uma velha echarpe, e Robert com suas amadas miçangas e o colete de ovelha. Pegamos o metrô até a West Fourth Street e passamos a tarde na Washington Square. Tomamos café de uma garrafa térmica, vendo grupos de turistas, gente chapada e cantores de folk. Revolucionários agitados distribuíam panfletos contra a guerra. Enxadristas atraíam uma multidão à parte.
Todos coexistiam naquele zum‑zum de diatribes verbais, bongôs e cachorros latindo.
Estávamos andando em direção à fonte, o epicentro da ação, quando um casal mais velho parou e ficou abertamente nos observando. Robert gostava de ser notado, e apertou minha mão com carinho.
“Oh, tire uma foto deles”, disse a mulher para o marido distraído, “acho que são artistas.”
“Ora, vamos logo”, ele deu de ombros. “São só garotos.”
(Trecho do livro “Só Garotos”, Companhia das Letras, 2010)
