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Poema do nariz quebrado

Poeta e multiartista artista escreve textos inéditos para Bravo! sempre na 1ª segunda-feira do mês

Elisa LucindaPor Elisa Lucinda
Atualizado em 17 set 2024, 05h24 - Publicado em 2 set 2024, 11h07
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 (Arte/Redação Bravo!)
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Os homens que levaram meu irmão em corpo já sem vida me perguntaram buro práticos:
A caixa é grande e não entra no elevador,
podemos levá-lo embrulhado num lençol?
Que sim meu coração respondeu
ainda gritando desesperado por dentro,
lá no do silêncio da boca,
um verso de Clarisse que não
parava de me doer:
“Deus é inapelável morrer?”

Vi o embrulho q fizeram com ele dentro.
Uma espécie de trouxa com meu amor dentro. Antevi o baque do seu corpo inerte
contra as laterais do espaço.
Meu soluço em descompasso
queria protestar,
Dizer: “cuidado,
vai machucar.”
Mas não havia mais pelo que lutar.
A identidade dele
havia já partido daquela matéria.
Não morava mais lá.
E lindo.
Lino sempre foi lindo mesmo no fim
Como um crepúsculo.
Porém, embora não mais morasse lá
Porém era o quem eu ainda via.
Sufoquei meu desejo de zêlo. Que queria
Chorei lágrimas
de agonia enquanto eles se foram.
Só o reveria mais tarde,
no caixão florido
e com o nariz levemente torto.
talvez quebrado.
Certamente descuidaram de não alterar a rota afim de proteger seu corpo morto.
Já que já não doía, e seu dono não mais protestaria, devem tê-lo transportado sem cuidado com curvas e quinas.
Queria dizer alto
no meio da cerimônia do Adeus:
gente, quebraram o nariz do irmão meu,
do meu irmão morto!
Acode, que foram os homens da funerária!
Queria denunciar os canalhas.
Mas pra que?

Por que? se eu já o tinha visto nos últimos meses desaparecer no meio da doença ruim?. Tomou-o por dentro. Veio do pulmão pra coluna e de lá para o cérebro e assim destruiu o brilhantismo de sua matemática, corroeu suas noções de física, atingiu em cheio seu vasto conhecimento, seus cálculos de cabeça, seu raciocínio preciso.
A doença comeu o conteúdo do seu sorriso
e nos deixou apenas uma
mostra vazia de dentes expostos.
Vi o homem partindo pra dentro do homem
Vi o homem sumindo.
A palavra não lhe obedecia o comando e permanecia dentro da boca que nso sabia mais executar o dizer.
Eu vi meu irmão morrer.
E agora, poucas horas antes de devolve lo a terra mãe, estava preocupada com seu nariz?
Desculpem
Foi uma maneira de tentar ainda mantém -lo na vida., uma insistência de querê-lo ao meu lado, caule e raiz.
Foi desespero.
Quis através daquilo puxa-lo pra cá.
pra vida de cá. Aqui mantê-lo
Antes da cerca que nos separa da eternidade.
Queria gritar mas faltou coragem.

Do nada, na tarde me revisitou
este trauma, este golpe, esta cena.
Veio outra vez
tomar o proscênio de minha memória
E eu trato agora de o transformar.
Poesia elabora, ajeita o compreender.
Transmuta o olhar.
De vez em quando me captura
este fato, como um fantasma.
Assusta.
Me dá gabas de voltar no tempo e fazer um escândalo lá, no meio do velório, tamanho é minha culpa, Deus meu!
A voz interior ecoa repetida, insistente delay:
Por que me calei?
Porque não me pus a gritar, a denunciar?
Sonho desta perturbadora lembrança
um dia me curar.
Pra que serviço martelo cruel
do recordar de uma angústia?
Pra q vale o filme de meu desatino
diante do inútil?
Contra este repúdio poderia se lançar?
De que adiantaria meus argumento diante da irreversível ocorrência?
Que significa o nariz fora do prumo
diante da morte, a fatal, a inapelável?
Diante dela tudo se relativiza.
Se eu tivesse falado o q mudaria?

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Eu sei, de nada adiantaria.
No entanto, aqui está o poema!
Eis o poema, minha gente, quem diria?
Nascido da carne daquela agonia
que só encontrou destino e valentia
aqui, no colo infinito da poesia.

Elisa Lucinda /2024

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