Uma reflexão sobre “Analista de Bagé”, de Luis Fernando Verissimo
Pequenas histórias sobre um psicanalista politicamente incorreto tornaram-se um dos maiores sucessos editoriais da crônica nacional
Poucos personagens, em toda a história da literatura brasileira, alcançaram a repercussão e a admiração popular do analista de Bagé, que se declara “freudiano de colá decalco” e “mais ortodoxo do que rótulo de Maizena”. Apenas oito meses depois que Luis Fernando Verissimo lançou “O Analista de Bagé“, em 1981, a obra atingiu a marca da 50ª edição e de 160 mil exemplares vendidos.
Irônicos e diretos, com algumas pitadas de reflexão social, os textos do livro trazem à tona os bastidores do consultório de um hilário psicanalista gaúcho, que faz uso de conhecimentos pseudocientíficos aliados à sabedoria popular dos pampas para auxiliar seus pacientes a resolver seus anseios.
O analista sempre os recepciona com um quente chimarrão (“pra clarear a urina e as ideias”), de bombachas e “pé no chão”, e até recorre a técnicas mais heterodoxas, para dinamizar a sessão. Por exemplo, não concebe mais que o paciente fale enquanto o analista cochila. Também inventou a análise em grupo com gaiteiro, “pra indiada se soltá”. Não hesita em utilizar métodos ainda menos convencionais, como joelhaços, em alguns casos mais recalcitrantes. E costuma recorrer aos bons préstimos de sua benévola assistente, Lindaura, a que “recebe e dá”.
Politicamente correto? Nem pensar! É do choque entre a fala e os costumes regionais e a sociedade pretensamente moderna e científica que deriva grande parte da graça das crônicas, nas quais se percebe também uma crítica velada aos falsos valores morais, à política e ao machismo. Como em todos os textos de Verissimo, a linguagem é muito clara, direta, coloquial, beirando o estilo jornalístico, mas sem que se abra mão do estilo humorístico inconfundível.
O autor é mestre na criação do diálogo ágil e de tipos antológicos. Além do analista, podem ser citadas a Mulher do Silva e a Velhinha de Taubaté, uma boa senhora que passa grande parte de seus dias numa cadeira de balanço assistindo ao Brasil pela televisão e é (ou era, pois acabou morrendo de desgosto diante do quadro político do país, em 2005) “o último bastião da credulidade nacional”.
Nascido em 1936, filho do escritor Erico Verissimo, Luis Fernando é gaúcho de Porto Alegre e um dos mais conhecidos cronistas contemporâneos do país. Cursou o Instituto Porto Alegre e a Theodore Roosevelt High School, em Washington. Começou a carreira na imprensa em 1966, trabalhando no jornal Zero Hora. Foi tradutor, redator publicitário e quase se dedicou a tocar saxofone. No início da década de 1970, passou a trabalhar na Folha da Manhã, jornal que viria a se tornar Folha de S.Paulo. Em 1973, lançou seu primeiro livro, O Popular, uma coleção de crônicas e charges. Daí em diante, o sucesso editorial cresceu vertiginosamente. Vieram os êxitos de “O Amor Brasileiro” (1977), “O Analista de Bagé“ e “O Gigolô das Palavras“ (1982). O autor se tornou ainda mais conhecido pelo público quando passou a assinar uma página na revista Veja, em 1982. Seus livros estão entre os mais vendidos do Brasil.