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Conheceis a verdade. É urgente!

A fotógrafa Gabriela Biló, o artista Pedro Inoue e os podcasters do Medo e Delírio em Brasília lançam livro-chave para entender a última década

Por Artur Tavares
18 abr 2023, 10h38
Foto da jornalista Gabriela Biló
 (Gabriela Biló/arquivo pessoal)
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Dia 30 de outubro de 2022. Metade do Brasil respirava aliviado com a eleição de Lula para presidente do país, enquanto a outra metade, não. Para a fotógrafa Gabriela Biló, do jornal Folha de S.Paulo, a data marcava o começo do fim da preparação de seu livro, A Verdade vos Libertará, que está sendo lançado pela editora Fósforo.

Capa do livro
(Fosfóro/divulgação)

Desde 2013, Gabriela é uma das fotógrafas mais requisitadas do país quando o assunto é política e sociedade. Ela, que começou cobrindo os protestos contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus em São Paulo, logo foi escalada para retratar o cotidiano de Brasília – e o autoritarismo crescente não apenas na Praça dos Três Poderes, mas em todo o seio da população.

Para a produção de A Verdade vos Libertará, Gabriela convidou os podcasters Cristiano Botafogo e Pedro Daltro, do programa Medo e Delírio em Brasília, e o artista Pedro Inoue, que tornaram o livro fotográfico em algo mais: um registro do horror e da bad vibe coletiva que vivemos na última década.

Colaborades do livros da jornalista Gabriela Biló.
(Gabriela Biló/arquivo)

Enquanto Gabriela fotografava diariamente os poderosos – com Jair Bolsonaro ganhando destaque após 2018 -, Cristiano e Pedro Daltro passaram a realizar um programa semanal que foi muito bem recebido na internet, criticando principalmente a condição que os militares ganharam junto da extrema-direita no último ano. Já Pedro Inoue, diretor criativo da Adbusters, passou a se dedicar a ações de guerrilha em prol da democracia. A união dos três parecia inevitável.

Inovadora, a publicação não tem textos. No lugar de letras, QR codes que levam para recortes de áudio produzidos pela dupla do Medo e Delírio. Já Pedro Inoue interferiu graficamente nas fotos de Gabriela. O resultado é uma experiência imersiva no caos.

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“Em 2013, era bem claro para mim que aquilo ali era algo grande, só que eu não tinha o distanciamento para entender”, explica Gabriela Biló, em uma ligação feita dentro de um táxi, saindo de uma pauta no Congresso. “A ideologia de extrema-direita se instalou no Brasil naquele momento, e quando comecei a ver os movimentos seguintes, estavam todos conectados com 2013, tudo veio dali. E, quando Bolsonaro foi eleito pelas redes sociais, pelos movimentos das redes sociais, o mesmo lugar onde nasceram os movimentos de rua lá em 2013, percebi que tudo isso poderia acabar em 2023, que seria o fechamento de um ciclo.”

Nós conversamos com o quarteto responsável por A Verdade vos Libertará. Confira:

Como está a sua vida de autora, repórter, jornalista, fotógrafa, Gabriela?
Gabriela Biló: Não tem descanso, né? Olha, acho que eu preferia ser uma coisa só. Queria fazer cerâmica e morar numa montanha. Mas, por enquanto não dá. [risos]

Na verdade, é o dia a dia que me permite fazer as outras coisas. O livro só existe porque eu tô no dia a dia, senão ele não existiria.

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Como foi a concepção de juntar material de dez anos e chamar o pessoal para fazer essa coisa junto?
Gabriela: Em 2013, era bem claro para mim que aquilo ali era algo grande, só que eu não tinha o distanciamento para entender. Porque, lógico, foi o primeiro grande momento histórico que vivi. E a gente sempre acha que tudo que a gente vive é histórico, porque estamos vivos, né? Então, às vezes, não sabemos a diferença entre o que é realmente histórico ou o que é a sua história.

A ideologia de extrema-direita se instalou no Brasil naquele momento, e quando comecei a ver os movimentos seguintes, estavam todos conectados com 2013, tudo veio dali. E, quando Bolsonaro foi eleito pelas redes sociais, pelos movimentos das redes sociais, o mesmo lugar onde nasceram os movimentos de rua lá em 2013, percebi que tudo isso poderia acabar em 2023, que seria o fechamento de um ciclo.

Então, havia 10 anos do meu trabalho, e era algo interessante, porque é exatamente onde começa e termina. Dificilmente há uma década tão perfeita assim. Pra mim, fazia um arco perfeito.

E aí eu tinha todo esse material, só que o mal de todo fotógrafo é que às vezes você vai fazer uma seleção, mistura muito os seus sentimentos com o que realmente foi relevante e o que é importante.

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Então conheci o trabalho dos meninos, gosto muito da leitura política deles, acho genial os atos que eles fazem, a memória que eles têm, e pensei que eles conseguiriam me ajudar a roteirizar isso tudo, a ter essa visão. Para fechar, veio o Pedro Inoue, que tem esse trabalho de arte visual maravilhoso, que conversa bastante com a estética das ruas.

“Eu lembro que quando começamos a fazer o livro, quando tive a ideia, eu pensava: e se o Bolsonaro for reeleito, o livro ainda existe? Sim, claro, existe. Mesmo que ele fosse reeleito, haveria a consolidação do autoritarismo de direita que chegou no Brasil. Então, a narrativa seria a de chegar ao poder e se consolidar”

Gabriela Biló

Eu queria um livro que fosse lembrado pela maioria das pessoas como uma coisa que é delas. Tirei um pouco o elitismo do livro, tem um preço muito abaixo para um livro de fotografia, porque a ideia é que ele chegue em mais pessoas. Então, para mim, a estética visual do Pedro é perfeita para isso. Eu não queria fazer um livro bonitinho, não. Queria que as fotos entrassem páginas com personalidade. E acho que é o único artista visual que hoje conversa muito bem com isso é o Pedro

O trabalho de todos eles é muito cultural. Não foi só selecionar fotos, colocar áudios. É a voz deles ali também, a narrativa política de nós quatro. Acho que foram poucas as coisas que discordamos no processo.

E se Bolsonaro fosse reeleito?
Gabriela: Eu lembro que quando começamos a fazer o livro, quando tive a ideia, eu pensava: e se o Bolsonaro for reeleito, o livro ainda existe? Sim, claro, existe. Mesmo que ele fosse reeleito, haveria a consolidação do autoritarismo de direita que chegou no Brasil. Então, a narrativa seria a de chegar ao poder e se consolidar.

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De qualquer forma, pra mim, o ciclo se fecharia em 2023, independente da vitória do Bolsonaro. Claro que, com Lula tendo ganho, a história fica mais interessante, porque o roteirista do Brasil é muito bom, né? Não tem muito do que reclamar desse roteirista maravilhoso. [risos]

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O livro é uma experiência diferente da que vocês estão acostumados, da montagem de um programa de rádio. Como foi levar a experiência do Medo e Delírio em Brasília para um livro?
Cristiano Botafogo: O Pedro Daltro e eu pensamos em todos os QRs. Tinha vários que eram muito simples, mas comecei a fazer, e então percebi que queria falar disso, e ai teria que colocar tal coisa, e aí outra coisa também. Muitos desses materiais eram pra ter 30 segundos, mas viraram 15 minutos. Ficou mais complexo do que era para ser.

“No texto, as pessoas leem os jornais, veem o que os políticos falam, e muitas vezes deixam passar. Com o áudio, elas se incomodam. A gente tenta fazer um pouco isso no podcast, por exemplo: Bolsonaro disse que nunca foi contra a vacina. Aí a gente vai e coleta 50 vezes que ele falou alguma coisa, fez algum comentário negativo sobre vacina, ou sobre qualquer outra coisa. E aí coloca um do lado do outro só pra ser chato, sabe? Para dizer: ‘está claro agora?'”

Pedro Daltro
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E porque vocês quiseram usar QR codes em vez de textos para contar uma história?
Cristiano: Acho que foi uma escolha de formato da Biló. Fez sentido porque nós trabalhamos com áudio. E, também, é algo legal né? Não é uma inovação, mas é algo ligeiramente diferente. Acho que traz uma outra camada, tem o som das ruas, dos protestos, coisas que não dá pra documentar em texto.

Tem até um áudio que eu gravei na Praça dos Três Poderes na posse do Lula, uma reação das pessoas que achei bacana. O pessoal vaia o Arthur Lira, o Rodrigo Pacheco, começam a gritar, pedir pra Dilma entregar a faixa. Então, eu acho bacana essa camada extra de sentido que o áudio consegue transmitir

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A imprensa ficou muito desacreditada nos últimos anos, mas os áudios não mentem, principalmente se forem declarações desses políticos todos.
Pedro Daltro: No texto, as pessoas leem os jornais, veem o que os políticos falam, e muitas vezes deixam passar. Com o áudio, elas se incomodam. A gente tenta fazer um pouco isso no podcast, por exemplo: Bolsonaro disse que nunca foi contra a vacina. Aí a gente vai e coleta 50 vezes que ele falou alguma coisa, fez algum comentário negativo sobre vacina, ou sobre qualquer outra coisa. E aí coloca um do lado do outro só pra ser chato, sabe? Para dizer: “está claro agora?”

Por que o título A Verdade vos Libertará, essa subversão ao provérbio subvertido pelo Bolsonaro?
Gabriela: A verdade vos libertará é um questionamento sobre a verdade e o duelo de narrativas. Tem gente que chama o Golpe de 1964 de Revolução, né? Então, é aquela coisa da história, da essência, de quem está contando. Porque o que a gente vê também é que foi essa grande manipulação de informações que trouxe o autoritarismo ao poder de novo, uma falta de informação. Portanto, a ideia do livro é democratizar a informação, tentar deixar essa história acessível através de fotos, dados e áudios.

Fotografia de Gabriela Biló
Ato contra a Copa, centro de São Paulo. 25.01.2014 Futura Press (Gabriela Biló/arquivo)

Você começou fotografando os protestos de 2013, e hoje está em Brasília fotografando os figurões. Como foi essa trajetória pra você?
Gabriela: Eu gostava de fotografia social. Basicamente, achava que eu conseguiria estar em alguns lugares, teria o privilégio de ver a história pelos meus olhos e o privilégio de contá-la pelos meus olhos também.

Quando eu vim a primeira vez para Brasília, na exata madrugada da votação do impeachment, quando emergiu o presidente Michel Temer, foi quando entendi a efervescência política e como as coisas acontecem aqui, sabe?

“O que acho interessante, de certa maneira, é que essas fotos não são pessoais da Biló, e sim públicas. Todo mundo as viu e as viveu. Então, penso que quando ela traz esse lado da democracia, é muito mais como uma experiência de vida, mais do que um jornal, um telejornal. Porque é muito importante lembrarmos que Bolsonaro foi eleito com uma mamadeira de piroca, ele foi eleito mentindo”

Pedro Inoue

E eu pensei que talvez o meu propósito… acho que qualquer pessoa decente pensa em estar aqui para fazer do mundo um lugar melhor. Acho que é, basicamente, a nossa ambição na vida; Não sei de todo mundo, mas imagino que a maioria das pessoas deseja um mundo, um lugar melhor e tem que construir isso de alguma forma. E queria fazer isso com a fotografia. Porque se você se incomoda com a miséria, se você se incomoda com a falta de saneamento básico, se você se incomoda com as pessoas passando fome, não tendo acesso à educação, não tendo acesso à saúde, onde que essas coisas estão sendo decididas? Aí em São Paulo, por exemplo, eu estava vendo as consequências do que estava sendo decidido em Brasília. Então, para mim, foi uma transformação, foi meu amadurecimento político,

Mas é uma visão particular do mundo. É minha visão política também, sempre tentar trazer a informação de uma forma mais clara, que aproxime as pessoas do poder, para que elas se sintam no direito de fato, se sintam presentes, entendendo quem é quem, sabendo quem está votando em determinado projeto e como isso circula no poder.

Fotografia de Gabriela Biló
Bolsonaro em ato por intervenção militar, Brasília. 19.04.2020 Estadão (Gabriela Biló/arquivo)

Tem uma coisa que acho curiosa nos retratos de políticos porque eles sempre estão bem esquadrinhados, posando, mas as imagens produzidas nesses últimos anos sobre Jair Bolsonaro dizem o contrário. Ele é uma pessoa caricata, muito gestual, faz arminha, demonstra frustração, está sempre despenteado, puto ou fazendo teatro. Quais eram as facilidades e as dificuldades de fotografar Bolsonaro?
Pedro Inoue: Eu acho que é importante também lembrar que o Bolsonaro chega em um momento da política e da comunicação em redes sociais em que a extrema-direita vira a mesa, assim como o Trump e o Brexit. Eles chegam com um novo tipo de comunicação, ficam falando merda toda hora para aparecer nas capas de jornais, revistas e portais.

O próprio Trump também tem um alto conhecimento de como a mídia funciona, né? A extrema direita com essa coisa do ódio, de achar um alvo fácil, enquanto a própria esquerda levanta a pauta.

O que acho interessante, de certa maneira, é que essas fotos não são pessoais da Biló, e sim públicas. Todo mundo as viu e as viveu. Então, penso que quando ela traz esse lado da democracia, é muito mais como uma experiência de vida, mais do que um jornal, um telejornal. Porque é muito importante lembrarmos que Bolsonaro foi eleito com uma mamadeira de piroca, ele foi eleito mentindo.

E para a mídia é perfeito. Michael Moore falou sobre como Trump deu vida nova para a imprensa, que estava falida e caindo aos pedaços, mas suas declarações fizeram todo mundo consumir jornalismo de novo.

Gabriela: É, mas o Lula é igual, viu? Mas ele ainda mantém a compostura, diferente dessa pose que o Bolsonaro tem e que cativa muita gente. O Lula é extremamente expressivo, faz caretas, caras e bocas, é muito transparente. Então, a diferença é que ele não é grosseiro, ele não perde a paciência e explode. Às vezes ele fala umas besteiras, mas raramente explode. Você vê que ele está sempre no controle do discurso, que é um político muito mais experiente na postura pública.

E o Bolsonaro, não. Ele é explosivo, caricato, mas autoritário. Isso tudo compõe um personagem. E, fazer crítica ao Bolsonaro era muito mais fácil do que criticar o Lula, né? Querendo ou não, até pela mobilização de evitar um novo golpe militar no Brasil. Essa mobilização fez muito mais fácil criticar o Bolsonaro. Então, se eu faço uma foto caricata do Lula, as pessoas não gostam tanto, né? [risos]

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Cristiano: Eu acho que é tudo tão grotesco e tão absurdo que não tem muito como você não refletir isso na forma de contar a história. Ainda mais com o dia 8 de janeiro, eu acho que não tem como a gente não contar a história de uma forma única. Se trata de um governo miserável e macabro.

Para além disso, o Bolsonaro também produz factoides mais explícitos, né? Ele solta umas frases assim que se achavam inimagináveis para qualquer político. Ele inverte um pouco a lógica de que qualquer político, para se eleger, tem que se mover para o centro, né? Ele radicalizou o tempo todo, e mesmo quando parecia que ia apontar para um meio do caminho, logo começava a falar de cocô, de golden shower, de brasileiro que pula no esgoto. Coisas que você nem imaginaria.

Ou, por exemplo, falar contra vacinas. Qualquer um dos absurdos que todo mundo lembra aqui do Bolsonaro, ninguém imaginava que isso era possível. E isso era possível para um representante eleito, né? Antes era coisa de vereador, deputado, era o Alberto Fraga, sei lá. Esses caras aí que soltavam as atrocidades. Mas o cara se elege presidente, metade do eleitorado votou nele, uma pessoa homofóbica, que deu declarações no mínimo tangenciando o racismo e a misoginia. E todo mundo votou nesse cara.

Durante a pandemia da covid-19, essa caricatura dele tornou-se uma coisa realmente perversa, não? Soa o auge da maldade dele.
Pedro Daltro: Tem um áudio dele, clássico, em que ele fala umas duas vezes que foi o único presidente no mundo que foi na contramão das recomendações sanitárias. É uma confissão de crime, e ele fez isso aos montes! Para mim, se levarem ele para justiça, é só colocar essa aspa dele confessando que foi o único na contramão do mundo. Não somos nós concluindo isso por pensarmos diferente. Não! Ele está falando isso e com orgulho.

“Eu acho que é tudo tão grotesco e tão absurdo que não tem muito como você não refletir isso na forma de contar a história. Ainda mais com o dia 8 de janeiro, eu acho que não tem como a gente não contar a história de uma forma única. Se trata de um governo miserável e macabro”

Cristiano Botafogo

Como é que foi para você, Gabriela ficar cobrindo a Covid isolada, o Bolsonaro falando bobagem todo dia?
Gabriela: Olha, foi muito duro, mas acho que percebi mais quando passou. Porque na hora você tá trabalhando, ali no dia a dia, as fotos precisam ser feitas. Então, só bateu tudo depois do dia 8 de janeiro. Porque, depois da posse a gente ainda deu uma relaxada naquela primeira semana. Inclusive, toda a galera aqui de Brasília ia tirar férias.

No final de semana do dia 8 era para eu estar na cachoeira, só que aí choveu e não fui. Coincidentemente, eu estava em Brasília, mas de folga. Já não era algo tipo “o Lula vai ser assassinado na posse”. Não foi, tá, beleza, partiu democracia, sabe?

Agora, a pandemia foi especialmente pesada, porque… Eu peguei covid no Palácio do Planalto, né? Então, pra mim foi bem barra. Fiquei internada e longe da minha família. Foi muito difícil essa situação. E foi traumático porque eu via todo mundo ficando em casa e eu tinha que entrar no Palácio abarrotado de gente sem máscara.

Então, lógico que o covid abalou todo mundo, mas acho que eu senti o peso dos quatro anos depois do dia 8, porque veio tudo de uma vez, a noção da loucura que foi cobrir o governo Bolsonaro, mergulhar nessa piscina de insanidade. Agora vou trabalhar e percebo que não preciso viver doente todo dia, entende?

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Como o Medo e Delírio em Brasília vai desempenhar seu trabalho agora na era Lula?
Pedro Daltro: Obviamente, não vai ser tão lisérgico como nos últimos quatro anos. Nossa expectativa era ter um 2023 bem mais calmo. Ainda seria ruim, meio merda, mas calmo. No entanto, diria que se pegar uma lista dos nossos dez melhores episódios, cinco são deste ano. Então, infelizmente, pauta tem.

Cristiano: É, acho que a história continua. Agora, o que vai acontecer daqui para frente, não sei, né, ninguém sabe, mas é continuar trabalhando na história, trabalhando para que o autoritarismo no Brasil não vença. É uma batalha que vamos lutar por quatro anos, porque daqui a quatro anos ele pode votar.

Olha como está o Congresso, não acho que está tudo bem e fechou. Fechamos um ciclo no livro, mas a história não acabou, tanto que a publicação acaba com o caos, com um monte de barulho. Nós só ganhamos uma batalha, mas não a guerra.

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O dia 8 de janeiro foi um dos mais tensos, Gabriela?
Gabriela: Foi tenso, super tenso. Mas acho que o dia mais tenso de cobertura que eu já tive foi 13 de junho de 2013, o dia do massacre na Maria Antônia. Esse, eu acho, foi o dia que eu mais fiquei tensa na cobertura. Eu quase não consegui fotografar, não sabia para onde ir, estava tudo muito violento, a polícia descendo o cacete de todo lado, em jornalista, em não-jornalistas. Foda-se, eles estavam batendo em todo mundo.

No dia 8, eu tinha tomado um antialérgico, estava meio… Eu estava meio zen [risos]. Então, só me liguei que eu estava em perigo mesmo no final da cobertura, que abri meu celular e vi um monte de mensagem, com pessoas perguntando se eu estava bem, fotógrafos contando que apanharam, que tinham sido roubados. Então, olhei para o lado e pensei, “Meu Deus, o que estou fazendo aqui?” E aí eu saí fora!

Tem uma foto no final do livro que mostra o pessoal quebrando um vidro dentro do Palácio. E aí tem um cara, vestido de verde e amarelo indo em direção da câmera. Ele chegou e me perguntou de onde eu era, ficou me abordando. Eu falei que era de São Paulo, e ele perguntando o veículo onde eu trabalhava. Comecei a fotografar só para dar uma disfarçada, sem responder a pergunta. Então ele começou a me perguntar o que eu estava fotografando. Respondi que era um momento histórico, que eu fotografava arquitetura – e era o que eu estava fotografando mesmo, a arquitetura destruída [risos]. Aí, ele perguntou se eu tinha Instagram, disse que não, que era fechado.

Depois surgiu um grupinho atrás de mim, falando do meu capacete, dizendo que escolhi errado porque era um capacete vermelho. Respondi que eu andava de patins e eles ficaram meio confusos, porque nenhum fotojornalista profissional se porta daquele jeito, sabe? Pensaram que eu fosse amadora. Você entra num personagem ali, tem que levar numa boa.

Teve também uma vez, no 7 de setembro, em que um cara me abordou porque eu estava de máscara e com a câmera e perguntou de onde eu era. Falei “Brasil Fatos Reais”, porque eu sabia que se ele jogasse no Google encontraria mil fotos. Aí dois meninos vieram me perguntar se eu era a Gabriela Biló, e eu tipo “aham, aham” e pensando que ia dar merda. Nisso o cara me mandou tirar a máscara, eu disse que não tinha me vacinado ainda, mas ele queria ver meu rosto. Aí tirei a máscara e coloquei de novo. Ele puxou a máscara do meu rosto, mandou eu jogar no chão e pisar. Aí eu, não, calma aí, não, pera lá, não sei o quê, não sei o quê, e os meninos começaram pedir pro cara relaxar, não brigar, disseram que eu não era da oposição. Enfim, consegui sair andando antes que ele…

O que vocês acham das contas anônimas que surgiram nas redes sociais para combater o bolsonarismo?
Cristiano: Eu acho válido pra caralho. Nós nunca tivemos essa ideia de nos esconder, mas acho que é válido. Às vezes a pessoa é funcionária pública e se o nome vier a tona pode haver retaliação.

Pedro: Concordo. Acho extremamente necessário para derrota do Bolsonaro. Era um momento entre a barbárie ou a democracia mesmo. Se tem alguma coisa que o pessoal de contas como Jair me arrependi não fizeram, era mentir. E estavam passando informações de outro jeito além da imprensa.

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