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Hatoum: Bolsonaro “disputa com o seu vice a baixeza moral, ética e intelectual”

Por Bravo
Atualizado em 21 set 2022, 22h25 - Publicado em 18 out 2018, 06h34
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O escritor aponta que o novo que o candidato do PSL propõe é uma volta à prática mais velha, insidiosa e violenta da política

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Por Claudio Leal

Vencedor do Troféu Juca Pato de intelectual do ano de 2018, o romancista amazonense Milton Hatoum, 66, reafirma o voto no segundo turno em Fernando Haddad (PT) e se posiciona contra o extremista de direita Jair Bolsonaro (PSL). Para Hatoum, o ex-capitão, que defende torturadores e ditaduras, “será um vexame como chefe ou chefete de Estado”, se ganhar a eleição presidencial.

“O novo que Bolsonaro propõe é uma volta à prática mais velha, insidiosa e violenta da política. Durante 15 anos ele fez parte do PP, o partido mais corrupto, mais citado pela Lava Jato”, afirma o autor dos romances Dois Irmãos (2000) e A noite da espera (2017).

“Ele disputa com o seu vice [Hamilton Mourão] a baixeza moral, ética e intelectual. Juntos, representam o par perfeito da indignidade, da fúria e do ressentimento anti-intelectual”, acrescenta.

Confira a íntegra da entrevista, dentro da série da Bravo! com artistas e intelectuais brasileiros, ouvidos sobre o risco de retorno do país ao autoritarismo.

Como você avalia a onda de violência na campanha e o sentimento crescente de medo político na sociedade brasileira, num momento em que candidatos com propostas autoritárias recebem grandes votações?

O anti-petismo prevalece no discurso de baixo nível dos eleitores de Bolsonaro. Mas está misturado com outras fobias. Nos últimos anos, grande parte da imprensa atribuiu todos os males da política ao PT. Essa imprensa inventou fantasmas poderosos: a ameaça da “venezuelização” do Brasil; a corrupção como atributo de um único partido, uma falácia alimentada por um setor do poder judiciário totalmente partidário ou anti-petista. A equipe de Bolsonaro vem trabalhando há anos na formação de grupos de milicianos nas redes sociais. Eles propagam notícias falsas e asquerosas, como o kit gay, a ameaça do comunismo e tantas outras. A lavagem cerebral casou muito bem com a frustração, o ressentimento, o desemprego, o desamparo. Esse jogo sujo foi maciçamente financiado por políticos e empresários ligados à indústria de armas, às igrejas evangélicas e ao agronegócio. Fui contra o impeachment de Dilma Rousseff, mas é preciso admitir que ela cometeu erros muito graves nas políticas econômica, ambiental, indigenista. Em várias entrevistas Fernando Haddad reiterou essa crítica, mas a maioria dos eleitores quer uma mudança: a ilusão de algo novo. O novo que Bolsonaro propõe é uma volta à prática mais velha, insidiosa e violenta da política. Durante 15 anos ele fez parte do PP, o partido mais corrupto, mais citado pela Lava Jato. O patrimônio de um dos filhos do capitão quadruplicou em pouco tempo. A família Bolsonaro enriqueceu como num passe de mágica. Quando a Folha questionou a origem dessa riqueza súbita e misteriosa, o pai e os filhos (todos políticos) não responderam. Bolsonaro é a personificação perfeita do político muito abaixo da mediocridade. Não sabe argumentar. Mal sabe ler e falar. Ele disputa com o seu vice a baixeza moral, ética e intelectual. Juntos, representam o par perfeito da indignidade, da fúria e do ressentimento anti-intelectual. Basta lembrar que o livro de cabeceira do capitão (punido por indisciplina) é a obra asquerosa de um torturador. Essa é a leitura de quem pretende ser presidente do Brasil. Será um vexame como chefe ou chefete de Estado. Fernando Haddad reúne todas as qualidades de um grande candidato: o trabalho exitoso como gestor e executor de políticas de inclusão social como prefeito de São Paulo e ministro da Educação. Um professor competente da USP e do Insper. Uma competência e uma dignidade que Ana Estela Haddad também possui. Acho que essas qualidades incomodam e até atormentam os fanáticos boçais e ignaros. Os eleitores indecisos, e os que votaram branco/nulo devem refletir sobre isso.

O que você diria a quem acredita em saídas autoritárias para o Brasil?

Não saída, e sim impasse, como num romance trágico. Haverá mais violência e miséria, os pobres e a classe média serão mais penalizados. Ele terá o apoio dos políticos mais corruptos. Se não formar uma maioria no congresso, recorrerá à força. Será uma ditadura disfarçada, mascarada. Mas cedo ou tarde as máscaras caem ou são arrancadas pelo povo. Os seguidores mais brutos e ignorantes do capitão alardeiam o perigo da “venezuelização”, caso Haddad seja eleito. Bolsonaro apoiou explicitamente o comandante Chávez. Isto foi gravado, todos podem ver e ouvir. Com Bolsonaro e seus militares no poder, essa perspectiva é real. Ironicamente, o caos da Venezuela poderá emergir no Brasil. São as ironias trágicas da História. Será preciso resistir com lucidez e serenidade. Como dizia Graciliano Ramos, com uma ponta de ironia: “nossas armas são fracas: caneta, papel”. Todo governo autoritário teme a reflexão, a imaginação e as artes. Por fim, me vem à mente os versos de Murilo Mendes: “Para a catástrofe/Em busca da sobrevivência/Nascemos”.

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