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100 canções essências: a história não contada de “Domingo no Parque”

Síntese da multiplicidade tropicalista de Gilberto Gil reúne a tradição popular, o pop e o erudito ao narrar um crime passional

Por Redação Bravo!
30 jun 2024, 09h00
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Gilberto Gil em 1968. Canção é um “poema visual“ (Bravo! 100 canções essenciais/acervo rede Abril)
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Poucas horas antes de sua apresentação no 3º Festival de Música Popular Brasileira, Gilberto Gil estava tremendo de frio, sob cobertores, na cama de um hotel em São Paulo. Vivia uma crise que vinha se arrastando.

Em julho de 1967, poucos meses antes do festival, Gil ficara impressionado com o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Bands, dos Beatles. No mesmo mês, havia participado de uma passeata contra “a invasão da música estrangeira” ao lado de Elis Regina, que, pouco tempo antes, lançara canções de Gil no programa O Fino da Bossa, na TV Record.

Naquele dia 21 de outubro, em que subiria ao palco com Domingo no Parque, Gil amarelou. Foi preciso que Paulinho Machado de Carvalho, diretor-geral da TV Record, que organizava o festival, se juntasse a Nana Caymmi, segunda esposa de Gil, e a Caetano Veloso, o amigo que apresentaria Alegria, Alegria na mesma noite, para o levarem ao teatro.

As confusões, paradoxos, dúvidas e múltiplas influências que atraíam e atormentavam o compositor baiano foram traduzidos com maestria para Domingo no Parque por Rogério Duprat. O maestro combinou berimbau com guitarras elétricas e temperou-os com ruídos de parque de diversões, sintetizando a multiplicidade tropicalista num baião reinventado. Os arranjos pontuam momentos decisivos da música, que narra um crime passional: José mata Juliana, sua amada, e João, seu amigo, que passeavam juntos em um parque de diversões em Salvador.

O tema, tradicional, é reelaborado com personagens da capoeira: o extrovertido e o tímido são dois arquétipos que agem conforme suas características psicológicas no jogo levado pelo berimbau. A construção sofisticada de Gil faz uma montagem de cinema para contar o crime. Extremamente imagética, a narração começa com a apresentação dos personagens João (o extrovertido) e José (o tímido) — um é operário de construção, o outro, feirante —, que se preparam para ir ao parque no domingo. A “câmera” de Gil e os arranjos de Duprat acompanham José quando ele se assusta (“Juliana!/ Foi que ele viu”), em sua decepção (“Juliana na roda com João/ Uma rosa e um sorvete na mão/ (…)/ O espinho da rosa feriu Zé/ (…)/ E o sorvete gelou seu coração”) e na reação furiosa (“Olha a faca!”).

Com o arranjo de Duprat, os cortes rápidos da letra provocam vertigem, remetendo à confusão visual do parque e das emoções do personagem: “O sorvete e a rosa/ A rosa e o sorvete/ Oi girando na mente/ Do José brincalhão/ Juliana girando/ Oi na roda-gigante/ Oi na roda-gigante/ O amigo João”. A orquestração de Duprat também é narrativa e acompanha a história criando suspense com violinos, por exemplo, da mesma maneira que ambienta o começo da canção com sons de parque de diversões: realejo, brinquedos, crianças.

Domingo no Parque mostra a importância de Rogério Duprat para a tropicália. Quando Gil lhe pediu indicação de um grupo de rock, Duprat indicou o trio Os Mutantes, formado por Arnaldo Baptista (baixo), Sérgio Dias (guitarra) e Rita Lee (vocais). Os jovens paulistanos deram o clima de Sgt. Pepper’s que Gil tanto queria. Domingo no Parque ficou em segundo lugar no festival, e o compositor baiano abandonou de vez a passeata contra as guitarras elétricas.

Este texto foi originalmente publicado em 2008 como parte no Ranking especial da Revista Bravo!: 100 canções essenciais da música popular brasileira

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Capa da edição especial de Bravo!: 100 canções essenciais (Bravo!/acervo rede Abril)
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