Álbum “Novela” coroa novo capítulo da trajetória da cantora Céu
Artista fala com a Bravo! sobre seu processo criativo, carreira internacional e a lógica dos algoritmos
A cantora Céu acaba de lançar seu sexto álbum de estúdio, “Novela”. Dividido em capítulos, o disco foi gravado no Linear Labs Studio, em Los Angeles, com produção assinada pela artista paulistana, pelo músico e produtor pernambucano Pupillo e pelo multi-instrumentista e arranjador americano Adrian Younge.
“A novela enquanto conceito é um lugar de reflexão. É o momento no qual as pessoas param para assistir histórias dramáticas e românticas. Nesse álbum, a ideia foi trazer tudo isso. Quero compartilhar e conversar com todo mundo que quer contar sua história”
Na contramão de autotunes e outros aparatos tecnológicos, as gravações aconteceram de forma analógica, com pouca programação eletrônica. A captação foi ao vivo, com o registro em tape – uma dinâmica cujo momento exige presença total. No estúdio, a banda foi composta por Pupillo (na percussão, programações e bateria), Younge (nos teclados, guitarra, contrabaixo, arranjos e condução de cordas e sopros) e Lucas Martins (contrabaixo, violão e guitarra). “Isso ditou muito o que o álbum se tornou. Nesse sentido, não teve nenhum tipo de conforto: o que valeu, valeu. O que não valeu, já era”, revela.
O resultado são 12 faixas que carregam a alma da cantora e traduzem tanto seus momentos bons quanto os mais difíceis. Com influências do jazz, hip hop e MPB, “Novela” é um caminho para Céu brindar a carreira internacional. “Sou uma pessoa que construiu um público no Brasil e fora dele. Por isso, dessa vez queria levar um pouco do meu trabalho para lá”, afirma. Abaixo, veja a entrevista completa:
Céu, como surgiu a ideia de criar um novo álbum e como foi o processo de gravação?
Sou uma pessoa que sempre se mantém ativa, escrevendo e compondo. A partir do momento em que defini que eu queria trabalhar com os dois produtores, Pupilo e Adrian, o disco foi tomando forma. Decidido isso, algumas limitações foram dadas: o Adrian pediu para tudo ser gravado no studio de Los Angeles. E, analogicamente, sem computador. Então, isso ditou o que o álbum se tornou.
Foram dois períodos de gravação. Cheguei lá com uma pré-produção que eu mesma fiz no garage band. O primeiro passo, realizado em julho do ano passado, foi levantar o esqueleto das músicas com a bateria, baixo, guitarra e teclado. E sem nenhum tipo de conforto, no sentido de o que valeu, valeu. O que não valeu, já era. Em novembro, retornamos para Los Angeles para finalizar e colocar as vozes, os backing vocals, os feats e as orquestras.
Qual é a narrativa que o disco “Novela” propõe contar?
A novela, como conceito, é um roteiro. E todo mundo tem um roteiro na vida. As pessoas são permeadas por histórias em comum, tristezas, alegrias, por ansiedades, enfim… O que o disco propõe é reflexões a partir de uma ótica pessoal, mas aberta à conversa com quem se identificar. Acho que é um disco para pensar junto, sabe?!
Por exemplo, a canção “Reescreve” faz uma reflexão sobre a história do Brasil decolonizada. Em “Intimate Novela”, canto sobre poder ter relacionamentos onde nós somos os protagonistas das nossas histórias e a vontade de poder amar sem se perder. São capítulos onde fui discorrendo assuntos que fazem sentido não só para mim, mas para o público também.
Qual foi a primeira composição que você escreveu e que história ela conta?
Foi “Lustrando Estrela”. Esse refrão veio num momento familiar muito difícil. Eu estava voltando para a casa de uma turnê. Nela, fiquei o tempo todo com a cabeça e o coração na minha família – isso me provocou o questionamento sobre os sentimentos que passei com meu trabalho, sobre estar longe de casa naquele momento complicado. Pensei em largar tudo, e na hora o que eu podia fazer era, literalmente, voar. A ideia da música, então, é falar sobre isso: como conciliar essa estrela do nosso propósito com um momento tão profundo e difícil.
Céu, você está mirando na criação de um público internacional?
Esse é um disco muito pessoal. Me coloquei 100% nele – como eu me sentia, quem sou, minha trajetória. Ele fecha o arco de 20 anos de carreira desde o meu primeiro disco. E eu construí uma carreira no Brasil e fora dele. Por isso, queria levar um pouco do meu trabalho para lá. Não estava exatamente focando nisso porque, para as coisas acontecerem internacionalmente, coisa precisa ser feita. Geralmente, é uma mudança bem grandiosa. No meu caso, dentro da minha proporção, das minhas medidas, achei que poderia me comunicar com o público de lá e legitimar essa carreira internacional. Mas, claro, sempre a partir dessa brasileira que está aqui, que mora aqui e escolhe o Brasil sempre.
Hoje, a internet e o algoritmo regem a maior parte dos lançamentos musicais. Como você percebe esse cenário?
Claro que a gente quer viralizar, né?! Qualquer artista quer alcançar esse patamar. Mas não sei a lógica de fazer isso porque minha forma de fazer arte tem a ver com o que estou sentindo. Minha construção de carreira foi baseada nisso. E acho que hoje posso dizer que há coisas maravilhosas que surgem de uma carreira criada dessa forma. Há beleza nessa construção diária.
Ainda estou entendendo essa nova forma de se consumir música. Não há mais disco, as danças estão achatadas na tela de uma maneira que cabe dentro de um formato específico. As músicas aceleram, enfim. A gente acabou sendo mesmo muito ditados pelos números, os algoritmos são pequenos ditadorzinhos. Eu sofro um pouquinho, não vou mentir. Não sou uma pessoa 100% digital, me sinto bem mais analógica. Tento sempre traduzir em arte em música. No meu caso, sinto um afunilamento de pessoas que realmente se conectam comigo e com o meu trabalho. Isso é super legal também. O meu público é muito interessante.