Alex Klein no oboé e na regência do Femusc
Solista brasileiro comemora nova indicação ao Grammy e celebra a décima oitava edição do Festival de Música de Santa Catarina, dedicado à música erudita
O verão na cidade catarinense de Jaraguá do Sul é diferente. Longe do litoral badalado, localizada ao norte do estado, Jaraguá recebe há 18 anos, sempre no mês de janeiro, o Festival de Música de Santa Catarina.
Criado pelo oboísta brasileiro Alex Klein, consagrado como solista principal da Orquestra Sinfônica de Chicago sob as regências de Daniel Barenboim e Pierre Boulez, e hoje integrante da Orquestra Sinfônica de Calgary, o Femusc é um evento único da música erudita. Funciona como festival-escola, recebendo professores, músicos e jovens promessas de mais de trinta países. Os mais talentosos são pescados ali mesmo, e já saem encaminhados para escolas internacionais de renome, como Julliard, Colburn, New England Conservatory, DePaul University e Universidade de Cincinnati, convidados a estudar com a possibilidade de bolsas.
Neste ano já apresentaram obras como a Sonata nº 2 em lá menor e a Suite nº 2, de Bach, o Concerto para Flauta Doce em C maior, de Vivaldi, o Concerto para Flauta Doce e Cordas e o Concerto para Clarinete e Orquestra, de Mozart. Até o final do festival, em 28 de janeiro, serão encenadas três óperas, A Paixão Segundo São Mateus, de Bach, as duas óperas de Orfeu, a de Monteverdi e a de Gluck, encenadas juntas, e Hänsel und Gretel, de Humperdinck.
Com um programa dedicado à música popular brasileira, neste ano o Femusc também recebe oficinas e apresentação do músico gaúcho Renato Borghetti, um dos principais nomes do acordeão e da gaita brasileiros, e homenagens ao centenário de Ary Barroso.
Depois de um tempo em Chicago
Nascido em Porto Alegre, Alex Klein é um dos principais nomes da música erudita mundial de sua geração. Notável já aos nove anos de idade, construiu sólida carreira internacional, tendo sido premiado em 2002 com um Grammy como principal solista de oboé na gravação do Concerto para Oboé de Richard Strauss, acompanhado da Orquestra Sinfônica de Chicago.
Durante sua permanência na cidade norte-americana, também gravou peças como a Sinfonia nº 6 de Tchaikovsky, a Sinfonia nº 5 de Mahler, e obras de Stravinsky, Wagner, Debussy, Brahms e Mendelsohn. Pouco depois do reconhecimento no Grammy, precisou deixar a orquestra para cuidar da sua distonia focal, uma condição neurológica que inibia o uso de dois dedos de sua mão esquerda.
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De volta ao Brasil, Klein encontrou em Jaraguá do Sul o lugar perfeito para “trazer um pouco do que era Chicago para o Brasil.” Com enorme potencial industrial e longa história no empreendimento, a cidade tem hoje uma das maiores rendas per capita do país, e é considerada a melhor metrópole de médio porte de todo território nacional. São esses empresários, principalmente através de leis de incentivo à cultura, que financiam anualmente o Femusc.
“Quando saí da Orquestra Sinfônica de Chicago com distonia focal, precisava de alguma coisa para fazer na vida. Voltei para o Brasil querendo criar. O Femusc não foi o único projeto que fiz, mas foi o que deu certo”, ele conta.
Klein explica que o Festival de música “é uma entidade nos modelos exteriores”, que se constitui da seguinte maneira: “Temos um instituto privado com uma diretoria de empresários locais.” E afirma ainda: “Não sou parte dessa diretoria, apenas sirvo a ela. Posso ter criado o festival, mas sou contratado até hoje.”
Neste ano, o festival acontece entre 8 e 28 de janeiro, e recebe alunos de 33 países do exterior, além de outros músicos de 20 estados brasileiros. Nos 18 anos em que existe, já trabalhou com mais de 10 mil músicos com idades que vão de 8 até 80, realmente. É gente vinda da China, da Austrália, da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Um ex-aluno mexicano, Ezequiel Domingues, copiou o formato e criou o Festival Querérato. “O sucesso do Femusc vem da sua internacionalidade. Nós trazemos professores de renome internacional, que atraem alunos de todo o mundo. Essa movimentação internacional é o que faz Chicago Symphony ser a Chicago Symphony”, diz Klein.
Um estudo de oboé
Alex Klein faz parte de uma geração de intérpretes brasileiros de altíssimo renome internacional. Aos 59 anos, divide reconhecimento como um dos melhores em seu instrumento, assim como o violoncelista Antonio Meneses e o pianista Ricardo Castro. Diferente das grandes sinfonias e árias que interpretou em trabalhos com orquestras, em seu trabalho solo ele empenha uma pesquisa de compositores para oboé desde a popularização do instrumento a partir do século 17 até a contemporaneidade.
Entre seus trabalhos mais recentes, Alex Klein se dedicou a gravar concertos para oboé e piano escritos no século 20 por York Bowen, Camile Saint-Saens, Henri Dutilleux, Eugène Bozza, Francis Poulenc e Petr Eben, um trabalho acompanhado por Phillip Bush no piano que concorreu ao Grammy em 2020.
Neste ano, ele e Bush concorrem novamente ao prêmio com When There Are No Words – Revolutionary Works for Oboe and Piano, um trabalho que reúne obras compostas por músicos afetados por guerras, ditaduras e migrações no século 20: “Esse álbum foi concebido antes das guerras atuais, na Síria, no Iêmen, na Ucrânia e na Palestina. Mas o mundo não sai de guerras, parece que não aprendemos. As pessoas estão morrendo, enquanto lideranças de certos países usam a morte como arma política.”
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No álbum, Klein e Bush apresentam seis peças: A Sonata para Oboé e Piano, de Paul Hindemith, a Suíte para Oboé e Piano, de Pavel Haas, Aubade – Pela Continuação da Vida, de William Bolcom, Variações Temporais, de Benjamin Britten, Três Estudos para Oboé e Piano, de José Siqueira, e a Suíte para Oboé e Piano, de Klement Slavichý. Os compositores são tchecos, alemães, britânicos e brasileiros.
“Tive a ideia de juntar essas obras para o projeto há muitos anos, porque elas demonstram tentativas de seguir a vida apesar das guerras. De quase todos os compositores presentes no disco, apenas Pavel Haas não sobreviveu, tendo morrido em Auschwitz”, conta Klein. “Aqui no Brasil, perdemos José Siqueira, considerado nosso segundo Villa-Lobos; nunca celebramos sua vida porque a Ditadura Militar o cancelou completamente. Isso é uma enorme perda cultural para o país, imaginem termos dois Villa-Lobos!”
Um polo musical
A novidade deste ano é o programa Femusc Jaraguá, em que residentes de Jaraguá do Sul e de sua região, que inclui Joinville bem próxima, são os astros principais. “Ele é destinado a músicos amadores daqui da localidade, pessoas que trabalham nas indústrias mas que têm um violino no sótão. Convidamos-os a tirar o pó dos instrumentos para participar de aulas, vir tocar e participar de orquestras. Eles participam das orquestras que treinam os jovens regentes. Ou seja, há muita repetição, e são obras fantásticas, como a Sinfonia Novo Mundo, de Dvořák, a Nona de Beethoven, El Salón México, de Aaron Copland, além de obras com solistas que participam do concurso de jovens. Ou seja, que legal para o músico amador, que tem aquele clarinete meio velho ali guardado!”, exalta Klein.
Junto com a professora Rita Constanzi, com quem lança durante o Femusc o álbum Amoroso, com gravações para oboé e harpa escritas por Claude Debussy, Sergei Rachmaninoff, Manuel de Falla, Astor Piazzola, e Joaquin Rodrigo, Klein transformou também a cidade no maior estúdio de harpa da América Latina: “Compramos 17 instrumentos, a maior compra da história da fábrica, em Chicago. Rita foi até lá e escolheu cada uma a dedo. No mundo, só há um estúdio maior que o nosso, da Indiana University, com 18 harpas no total.”
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O festival, que já teve entre os alunos Eduardo Rios, violinista peruano tido como um dos grandes talentos violinísticos de sua geração, hoje na Sinfônica de Seattle, Jeremías Velázquez, também violinista argentino que hoje é o segundo principal violino no Metropolitan Opera, e a cantora Madeleine Gutiérrez, que recentemente se apresentou pela primeira vez no Carnegie Hall, se gaba de ter uma diversidade musical imensa em sua programação, e tudo decidido sob o crivo dos participantes.
“Alguns alunos querem música contemporânea, outros querem cantar Wagner. Quando possível, eu monto uma orquestrinha para acompanhá-los, como para as árias de Vivaldi ou de Händel. Wagner é meio complicado, porque não seria orquestrinha”, Alex ri. “Assim criamos uma diversidade. Nossos concertos não são temáticos. Nosso público é eclético e está acostumado com a programação ser propositalmente uma salada. Não queremos promover concertos de um ou outro artista, de vez em quando acontece só Mozart ou só Bach, mas colocamos o barroco ao lado do contemporâneo, seguido do romântico, e por aí vai.”
Confira a programação completa do Festival de Música de Santa Catarina clicando aqui.
Até 28 de janeiro de 2023
Locais: Centro Cultural SCAR e espaços da cidade de Jaraguá do Sul – SC