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OLÁ,

O Sal de Anelis Assumpção

No apagar das luzes de 2022, a cantora paulistana reúne dez mulheres - e seu marido Curumin - e lança um dos melhores discos nacionais do ano

Por Artur Tavares
28 dez 2022, 11h45
Foto de Anelis Assumpção.
 (Camila Tuon/divulgação)
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A música brasileira ganhou, pelas mãos de Anelis Assumpção, um ótimo presente neste final de ano. A cantora paulistana acaba de lançar seu quarto álbum solo, Sal.

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Solo mas coletivo, Sal tem participações especiais em todas suas onze músicas. Ao longo dos dois anos em que gravou o disco, Anelis convidou mulheres, amigas e novas promessas do cenário nacional para co-produzir as canções, entre elas Thalma de Freitas, Luedji Luna, Josyara, Mahmundi, Jadsa e Larissa Luz. O único homem a participar é seu companheiro, Curumin, que encerra o álbum com “Mais uma Volta”, uma declaração de amor linda de Anelis. “Não consigo andar sozinha. É uma coisa de boi, de bicho, de ter que andar em bando, coletivizar, dividir e horizontalizar as ideias”, conta.

Anelis segura um jornal, em uma das páginas está a capa do seu álbum mais recente, Sal.
(Camila Tuon/divulgação)

Filha de Itamar Assumpção e herdeira de um dos maiores legados musicais da Vanguarda Paulista, Anelis sempre esteve acostumada a dividir a criação de seus trabalhos. Com Sal, foi a primeira vez que ela tomou as rédeas da produção. O resultado é, para dizer pouco, impecável.

Tudo que Anelis faz de melhor está em Sal. Em perfeita simbiose com suas convidadas, ela eleva ainda mais sua poesia tátil, suas letras quentes, a dissecação do ser mulher, sua musicalidade única. Está nítido, faixa a faixa, como cada uma das participantes influenciou a obra: o coro etéreo de Céu, o piano sutil de Maíra Freitas, a psicodelia ancestral de Iara Rennó são apenas alguns exemplos das boas camadas adicionais que foram colocadas na música de Assumpção.

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Muitas dessas mulheres são minhas parceiras desde o início. A Céu e a Thalma de Freitas estão em todos os meus álbuns. A Iara Rennó é uma parceira de antes, da época do meu pai e da formação da Dona Zica. Já esses novos nomes, principalmente o quarteto baiano, Larissa Luz, Jadsa, Josyara e Luedji Luna, são aproximações mais recentes, muito pandêmicas também. Eu já conhecia todas, mas a amizade se fortaleceu durante esse período”, ela explica.

Fotos de Aneli Assumpção deitada em uma banheira.
(Camila Tuon/divulgação)

“Não consigo andar sozinha. É uma coisa de boi, de bicho, de ter que andar em bando, coletivizar, dividir e horizontalizar as ideias”

Anelis Assumpção

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Sagrado feminino

Na época em que começou a pensar em Sal, Anelis ainda queria fazer o disco de maneira que fosse convencional a ela. A música “Uva Niágara”, em parceria com Larissa Luz, foi a primeira a nascer, e naquele momento a cantora chamou seus antigos produtores Beto Villares e o Zé Nigro para dar um tempero a mais nas canções. Não demorou muito para perceber que queria tomar um caminho diferente, sem eles, pela primeira vez em quase 25 anos de carreira.

“Comecei a observar, trocando conversas com as participantes, como elas são muito mais produtoras do que se assumem. Era muito importante para mim tentar ser mais capitã do projeto, que o disco estivesse um pouco mais na minha capacidade de criação. Então convidei cada uma delas para produzir uma faixa”, ela conta.

A ideia foi recebida com surpresa, ela explica, uma situação que Anelis considera divertida e curiosa: “Por que nos surpreendemos com um convite desses?”, questiona. “Sempre achamos que não estamos prontas, que não somos dignas, que não vamos conseguir. Acho que todas foram excelentes, é absurdo como existe linguagem e identidade em cada uma das faixas.”

O momento da pandemia foi propício para que as parcerias se desenrolassem: “Em casa sem fazer shows, todas elas estavam investindo em pesquisas de produção, trabalhando em programas novos na tentativa de entender as coisas. E tudo começou com essas trocas, uma mandando base, outra pedindo letra. ‘Menina, estava bêbada, apertei uns botões e… caralho! Descobri um timbre novo mas não consigo reproduzir’. [risos] Então, estavam todas fazendo a mesma coisa, com o mesmo desejo que eu.”

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Fotos de Anelis Assumpção.
(Camila Tuon/divulgação)

“Por que nos surpreendemos com um convite desses? Sempre achamos que não estamos prontas, que não somos dignas, que não vamos conseguir. Acho que todas foram excelentes, é absurdo como existe linguagem e identidade em cada uma das faixas”

Anelis Assumpção

Taurina generosa e geniosa, Anelis tornou sua ensemble em um grande desafio intelectual para a crítica e em uma alfinetada no mercado fonográfico: “Quantas mulheres produtoras conhecemos? Quantas mulheres estão assinando grandes produções, o que significa não só disco, mas respaldo de curadoria para festivais? Comparando com todos produtores que conheço, daqui da minha bolha, como é plural a forma que eles conseguem trabalhar porque são reconhecidos pelo mercado! Vejo pelo Curumin, meu companheiro, e todos os outros, o Beto, o Zé, o Daniel Ganjaman, que fazem desde trilha sonora para séries, novelas e filmes, até jingles publicitários, discos, festivais. Então, não tem, é uma coisa muito importante de se olhar.”

Ela continua: “O que precisa acontecer para começarmos essa transformação? E isso só falando de gênero. Quando racializa, então, o buraco é mais embaixo. Eu precisava sair da teoria, daquilo que aprendo e construo diariamente com a identificação do feminismo negro. Como saio do campo da teoria? Assumi esse espaço com minhas parceiras, que são pessoas completamente capazes. Então, foi bonito e gratificante perceber que foi muito importante para cada uma delas, que elas também precisavam desse movimento para dizer ‘pode crer, também sou uma produtora. Eu sei fazer isso’.”

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As assinaturas delas

Se é verdade que a carreira dos produtores musicais masculinos é plural, como diz Anelis, o que as convidadas de Sal mostraram é que têm mais controle sobre suas obras do que imaginamos. Ela dá um exemplo: “Quem conhece a Céu sabe que tem a mão dela na faixa ‘Violeta Blue’. A composição é minha e da Thalma, e mesmo assim ela conseguiu colocar sua identidade na música. E aí você entende, quando ouve aquela música e outras canções da Céu, que quem produz seus discos é ela mesma.”

Enquanto Céu, Thalma, Iara e a própria Anelis fazem parte de uma geração experiente e consolidada na música brasileira, as novas musicistas também deixaram marcas importantes na produção: “A Josyara, por exemplo, tem um violão que é altíssima tecnologia, seja a forma como ela toca ou compõe. Ela também é, junto com a Larissa, quem tem mais intimidade com a engenharia de som”, ela conta. “As duas fizeram pré-produções incríveis no computador para começarmos a estudar e trabalhar. Por outro lado, a Thalma, a Céu e eu, somos todas produtoras de Garage Band. Eu amo, acho uma puta mão na roda. E a gente racha porque as meninas já estão, sei lá, no Pro Tools 17 ponto não sei qual.”

Foto de Anelis Assumpção.
(Anelis Assumpção/arquivo pessoal)

Das canções mais lindas de Sal, uma trata da maternidade de maneira bastante afetuosa. Não é para menos, já que as quatro mulheres envolvidas são mães: Anelis, Thalma e Céu na composição e Luedji Luna na produção. “Acho que a maternidade foi uma coisa que conectou muito esse grupo, que tem mães e não-mães, mas que todo mundo é filha. A música ‘Benta’ começou quando nasceu o Antonino, filho da Céu, que hoje tem 4 anos. Ela estava escrevendo muito provocada pela maternidade, mandou um pedacinho, e fomos seguindo”, conta.

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“Acho que a maternidade foi uma coisa que conectou muito esse grupo, que tem mães e não-mães, mas que todo mundo é filha”

Anelis Assumpção

“O momento da maternidade muda bastante a maneira como olhamos para o assunto. O puerpério, que era a fase que ela se sentiu estimulada para falar, não era a minha fase e nem a da Thalma, mas nós rapidamente conseguimos ter esse entendimento. Eu também comecei a sentir isso, porque eu sou filha, e a minha mãe também é filha.”

Para Anelis, foi “muito bom ter trocado com essas parceiras que estavam em momentos diferentes de maternidade. E também com as que estavam sendo filhas, que moram longe das famílias. É um grupo que se fortaleceu muito nesse entendimento de que maternar não é um sentimento isolado para as mulheres que geram, amamentam e criam alguém. Homens podem maternar, mulheres que não são mães podem também.”

A partir de março do próximo ano, Anelis sai em turnê para apresentar Sal. Ainda sem datas confirmadas, os primeiros shows devem acontecer nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

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