Como Oasis definiu uma geração e se tornou um fenômeno global
Depois de 15 anos de afastamento, a banda Oasis está de volta numa turnê bilionária que vai terminar com duas apresentações em São Paulo, em novembro

Poucas bandas conseguiram capturar o espírito de seu tempo com tanta intensidade quanto o Oasis. Surgido em Manchester no início dos anos 1990, o grupo liderado pelos explosivos irmãos Gallagher tornou-se sinônimo de uma era dourada do rock britânico — marcada por arrogância, irreverência, refrões gigantescos e uma confiança que beirava o delírio messiânico. Enquanto o grunge americano mergulhava em angústia, o Oasis olhava para cima, para os Beatles, e perguntava: “Don’t you know you might find / a better place to play?” (você não sabe que talvez possa encontrar um melhor lugar para tocar?, em tradução livre).
O álbum de estreia, em 1994, foi Definitely Maybe, que já mostrava o poder da banda, mas foi no ano seguinte, com o segundo álbum, (What’s the Story) Morning Glory? (1995), que o grupo se tornou um fenômeno global. Gravado em apenas 12 dias, inclui hits como “Wonderwall”, “Don’t Look Back in Anger”, “Some Might Say” e “Champagne Supernova”. E com ele, o Oasis transformou-se na trilha sonora não apenas da juventude britânica pós-Thatcher, mas de jovens do mundo inteiro. O britpop tinha seu rei, e a arrogância dos Gallagher era quase um manifesto cultural: ser grande, ser barulhento, ser invencível.
Como falei, em outubro de 1995, quando What’s the Story Morning Glory? chegou às lojas, o cenário musical internacional estava dividido entre resquícios do grunge — que perdera força após a morte de Kurt Cobain em 1994 — e o pop plastificado da MTV americana. O rock alternativo ganhava espaço com bandas como Radiohead e Smashing Pumpkins, enquanto o hip-hop explodia nos Estados Unidos. No Reino Unido, no entanto, o momento era outro: uma verdadeira batalha cultural e estética se desenrolava entre o Blur e o Oasis, símbolo máximo do que se convencionou chamar de “Britpop”.
O britpop não era apenas um som — era uma afirmação de identidade. Sotaques regionais não eram mais escondidos em busca de neutralidade global; referências à vida cotidiana inglesa, pubs, futebol e resignação poética tornavam-se bandeiras. O Oasis era a vertente mais crua, arrogante e direta desse fenômeno. Em contraste com a ironia art-pop do Blur, os irmãos Gallagher traziam guitarras pesadas, letras emocionalmente ambíguas e melodias que flertavam com os Beatles, mas com uma alma mais suja — mais Manchester do que Liverpool.
What’s the Story Morning Glory?, lançado pouco mais de um ano após a estreia arrebatadora de Definitely Maybe, não apenas superou seu antecessor como se tornou o álbum que redefiniu a década para uma geração inteira. Foram mais de 22 milhões de cópias vendidas, várias faixas número 1 no Reino Unido e uma presença constante nas rádios e festivais do mundo todo — inclusive no Brasil, onde a banda viria a tocar três vezes entre os anos 2000 e 2009, antes de brigarem e se separarem.

As faixas mais icônicas e seus significados
Entre as canções mais tocadas e celebradas do disco, quatro se destacam não apenas pelo sucesso, mas pela forma como cristalizam a alma do Oasis:
“Wonderwall”: A canção mais famosa do grupo, um hino tocado em festas, casamentos e shows até hoje. Especula-se que Noel Gallagher a escreveu para sua então namorada, Meg Mathews, embora ele depois tenha dito que era “sobre um amigo imaginário que vai te salvar de você mesmo”. O nome vem de um disco solo de George Harrison, e a influência beatle é explícita. “Wonderwall” virou uma metáfora para um amor idealizado, redentor e impossível — e talvez também para o próprio desejo de Noel de escapar de sua vida caótica.
“Don’t Look Back in Anger”: Primeira música do Oasis com Noel nos vocais principais, virou uma espécie de mantra para tempos difíceis. Depois dos atentados de Manchester em 2017, por exemplo, a canção foi espontaneamente entoada por multidões como símbolo de resistência e união. A abertura ao piano é inspirada em “Imagine”, de John Lennon, e a letra convoca uma entrega à paz interior — uma ironia vinda de uma banda tão marcada por conflitos.
“Champagne Supernova”: A faixa que encerra o álbum em tom quase psicodélico, com sete minutos de duração e uma estrutura que cresce em intensidade. As letras são enigmáticas, mas evocam um sentimento de transcendência. O título — que une um símbolo de luxo (champanhe) com um colapso estelar (supernova) — resume bem o espírito do Oasis: grandioso, explosivo, autodestrutivo e poético.
“Morning Glory”: A faixa-título é agressiva e ruidosa, uma ode ao hedonismo e à energia das ruas. O riff marcante é um dos mais potentes da banda, e a letra (“All your dreams are made / When you’re chained to the mirror and the razor blade”) não esconde referências ao uso de drogas e à alienação da fama. É a face mais escura e provocativa do álbum.
Outras faixas como “Some Might Say” e “Cast No Shadow” também merecem destaque. A primeira foi o primeiro número 1 da banda nas paradas britânicas e carrega uma energia otimista, enquanto a segunda é uma homenagem ao cantor Richard Ashcroft (do The Verve) e trata da luta interna de artistas que se sentem consumidos pela pressão.

Uma crítica ambígua e a consagração popular
Na época do lançamento, What’s the Story Morning Glory? foi recebido com certo ceticismo por parte da crítica musical. Alguns veículos acusaram o álbum de ser repetitivo, simplório ou derivativo — uma sombra do que o rock britânico já havia feito. Mas o público não deu ouvidos. O disco foi um sucesso instantâneo, e em poucos meses o Oasis se tornava um fenômeno global, arrastando multidões e vendendo milhões de discos.
Com o tempo, as avaliações mudaram. Em 2010, o álbum foi eleito pela Q Magazine como o maior disco britânico de todos os tempos. E em 2020, entrou na prestigiosa lista dos 500 maiores álbuns da história da Rolling Stone. O que antes era acusado de excesso agora é reconhecido como síntese: Morning Glory captura o sentimento coletivo de uma juventude ansiosa por voz, autenticidade e catarse. Alguém duvida de como cantaremos o refrão a todo volume em novembro no MorumBis?

Legado e expectativa: por que ainda falamos dele?
Passadas quase três décadas, o álbum continua a reverberar. Ele representa uma época em que o rock ainda ocupava o centro da cultura pop, quando bandas moldavam comportamento, moda e política. E o Oasis, com toda sua rebeldia, arrogância e franqueza, se tornou a última grande banda a combinar sucesso comercial estrondoso com culto quase religioso por parte dos fãs.
Em 2025, com a tão esperada reunião da banda e a turnê mundial, cresce a esperança de que, além da nostalgia, venha também um novo disco. E quem sabe, uma reconciliação definitiva entre Noel e Liam Gallagher, os “príncipes briguentos” do rock britânico, cuja relação conturbada é quase tão lendária quanto a própria música. E vou falar: as fotos que estão no artigo foram tiradas por mim no último show dos dois juntos por aqui, no Rio de Janeiro, em 2009. Foi virtualmente impossível conseguir capta-los juntos ou sequer olhando um para o outro. E tentei muito!
Nos anos seguintes, tanto Noel como Liam passaram por aqui. Liam inclusive, voltou primeiro com a banda Beady Eye e depois solo (e claro que vi todas as vezes, a última foi em 2022). Separados são ótimos, mas juntos? Impossível de perder. Assim, lembrar os 30 anos de What’s the Story Morning Glory? não é apenas um álbum. É um marco cultural. Um lembrete de quando o rock unia, inflamava e definia gerações — e ainda pode fazer isso de novo.