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O encontro de Diogo Nogueira com o sagrado

Em novo álbum, o cantor e compositor faz uma homenagem à cultura comunitária do samba

Por Humberto Maruchel
Atualizado em 5 dez 2023, 16h03 - Publicado em 5 dez 2023, 12h03
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 (Leo Aversa/divulgação)
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Em seu novo álbum Sagrado, o sambista e compositor Diogo Nogueira embarca numa viagem no tempo, resgatando tudo que há de mais valioso em suas lembranças: a família, as festas e rodas de samba em sua casa, os amigos e seu pai, João Nogueira, de quem o filho herdou a paixão pela música e pelo futebol. Isso tudo sem deixar de exaltar sua longa dedicação ao samba, que começou profissionalmente em 2007. “O álbum fala sobre a minha felicidade, sobre o que eu quero transmitir, sobre tudo o que construí nesses 16 anos de carreira”, conta o músico em entrevista à Bravo!.

O ano para o cantor foi bastante agitado, com uma turnê para celebrar os 15 anos de carreira, o lançamento de Sagrado e a preparação para o musical “Através do Espelho”, onde Diogo interpretará o pai nos palcos. No âmago de sua nova criação, há um forte tributo à sua espiritualidade. Diogo nunca escondeu a importância do Candomblé em sua vida, outra antiga herança que veio de família. “Praticamente, minha família toda veio desse lugar. E o samba em si é esse lugar. Não teria como fugir disso.”

Para o novo disco, ele se dedicou a explorar as rodas de tradição, os terreiros, e traduziu aspectos desse universo na forma de som, como os batuques que introduzem as canções, e a letra. Foi dessa intensa pesquisa que surgiu o nome do disco. Religião e samba, afinal, possuem um traço em comum, que para Diogo tem a máxima importância: o encontro.

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(Emilio Rangel/reprodução)

Dos encontros que emergiram, há um especial com o seu pai na faixa “Meu samba anda por aí”, canção que nasceu de uma parceria entre João Nogueira e Paulo Valdez. A música abre com a voz de João até encontrar com a do filho, que fala, sobretudo, da importância de recordar. Confira a conversa com o cantor:

Poderia contar um pouco sobre o processo de criação do álbum “Sagrado” e as inspirações por trás dele? 
Foi bem trabalhoso; estou há dois anos fazendo pesquisa de repertório, na busca de um disco alegre que fale sobre o amor. Com Rafael dos Anjos e Alessandro Cardoso, passamos um período bem longo buscando isso, trazendo um pouco do passado, que as pessoas esquecem. Obviamente, o samba se modernizou e se transformou, e eu sentia falta de um samba da tradição, mas, claro, trazendo um pouco da modernidade.

O álbum parece ser bastante autobiográfico, com muitas lembranças e menções à sua infância. O que ele diz sobre o seu momento atual?
Ele diz sobre a minha felicidade, sobre o que eu quero passar, sobre tudo o que construí nesses 16 anos de carreira. Acredito que ele transmite tudo isso, com o desejo de que as pessoas se identifiquem e se sintam nesse lugar sagrado.

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E o que envolveu essa pesquisa? 
Para achar o nome, nós fomos até as rodas, nos terreiros africanos, onde o sagrado é muito falado. De onde nasce a palavra samba, a palavra reunião, família. De onde vem esse ritmo tão encantador, um ritmo que cura, com uma magia, uma força muito poderosa.

Sagrado é, declaradamente, sobre festa e espiritualidade. Como se deu o seu envolvimento com o candomblé?
É uma herança familiar. Minha avó-madrinha era mãe de santo, vem de muito lá atrás. Praticamente, minha família toda veio desse lugar. E o samba em si é esse lugar. Não teria como fugir disso. Tentei fugir de muitas coisas na minha vida, mas não teve jeito. Tive que pegar a minha sacola e caminhar nessa estrada. Tem uma força muito grande dentro de mim, é um lugar que eu tenho paz. Eu só procuro transmitir tudo isso que eu sinto.

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(Leo Aversa/divulgação)

Em que momento você traz a espiritualidade para a sua música? 
Acho que desde sempre. A primeira música que fez sucesso, pela qual passei a ser reconhecido, chama Fé em Deus. Então, começa a partir daí. Eu já falava dessa força, dessa energia que nos move. Eu vim aqui nesse plano para cumprir uma missão e durante a minha carreira, percebi que essa missão era levar mensagens de amor.

A sensação ao ouvir este álbum é que o seu pai parece estar mais presente do que nos outros. 
Talvez por trazer uma música inédita. Nos outros, eu regravei músicas do meu pai. O último, que foi um DVD na pandemia, gravei o meu pai, mas essa música chegou de uma forma tão espiritual que ela foi a primeira a ser escolhida. Foi a única que separamos. Fizemos a contagem das outras 15 a partir dessa. Foi um momento bem bacana, recebi essa música do João Martins num momento em que eu estava reunido com os meus músicos e foi um momento de comoção geral, de todo mundo chorando na mesa, ouvindo a voz do meu pai. Nós não conseguimos descobrir quem era o cara que toca o violão, acredito que seja o João de Aquino tocando, mas não tenho certeza. Foi arrebatador. E gravar uma música inédita representa muito. Se existe um passado e eu estou aqui, é porque ele foi muito presente para a Música Popular Brasileira, principalmente para o samba. E não devemos esquecer este passado.

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Tem um aspecto curioso na sua história que ela é muito parecida com a do seu pai. Como foi sua jornada até chegar ao samba? 
Na verdade, ele não buscou o futebol da mesma forma que busquei. Eu passei por alguns clubes, passei por testes, batalhei até os 24 anos. Meu pai já havia falecido e eu insisti nessa história. A vida te mostra os caminhos, fui até onde eu podia e demorei para me introduzir na música profissionalmente. Mas não teve jeito.

Enquanto você buscava esse lugar no futebol, não passava pela sua cabeça entrar para música? 
Nem um pouco.

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(Leo Aversa/divulgação)

O que aconteceu nesse intervalo durante a transição de carreira? 
Não foi um intervalo tão grande, mas foi o suficiente para eu poder me posicionar e assumir tudo aquilo que eu precisava. Fiquei por volta de um ano sem saber o que fazer, se eu estudava, se eu operava o joelho para poder voltar a jogar. Percebi que ali eu já estava com uma certa idade para o futebol. 24 anos você já é praticamente um velho no futebol, infelizmente. Mas foi acontecendo com uma naturalidade tão grande. Foi um período muito difícil na minha vida, nós não tínhamos o alicerce do pai, que era o cara que sustentava a família, a casa. Minha mãe ficou com essa batuta e eu ainda jovem, confuso. Foi quando eu resolvi ir para as rodas de samba para poder me divertir. E foi acontecendo, foram vindo pedidos para fazer rodas de samba.

Até o dia que precisei montar uma banda para fazer um show em um palco. Passei uns três anos fazendo as casas da Lapa, em São Paulo também. Foi quando montei a banda e o Marcelo Castello Branco, presidente da UBC, era presidente da extinta EMI resolveu me contratar. Ele foi a um show, eu não sabia que tinha o presidente de uma gravadora. Recebi ele no camarim, ele disse que estava tudo pronto para que eu fizesse parte da EMI. Ele me chamou para gravar um DVD, mas que teríamos quatro meses para fazer isso.

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Não acreditei, mas logo na segunda-feira ele entrou em contato. E foi assim que foi feito. Gravei o primeiro álbum no Teatro João Caetano, super tradicional, meu pai já tinha passado por ali, o Cartola. E aí a minha carreira foi. Foi com esse primeiro DVD que percebi que eu era um artista.

Você já compunha antes de entrar para a música? 
Fiz os sambas da Portela, fui convidado pelo Luciano Marco, pelo Marquinhos de Oswaldo Cruz e pelo Celso de Andrade, numa conversa que tivemos. Eu tinha voltado do Rio Grande do Sul, voltei a frequentar a Portela. Foi numa conversa, tomando mocotó, bebendo uma cervejinha, trocando ideia com eles. E fizeram o convite para eu fazer parte da ala de compositores da Portela para assumir o posto do meu pai. Eu me senti honrado, estava me sentindo sem rumo, foi um momento de acolhimento fundamental. Fui campeão de 2007 a 2010 dentro da escola. E foi um momento importante para a escola também, em que ela voltou depois de 25 anos a desfilar no grupo especial. Ter essa assinatura no livro da Portela é uma das coisas mais importantes da minha vida. Isso é sagrado.

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(Leo Aversa/divulgação)

Você consegue apontar similaridades entre o samba e o futebol? 
Aprendi muita coisa no futebol que me ajudaram bastante no samba, muita coisa. Foi uma experiência muito interessante, muito aguerrida, muito sofrida porque não é fácil ser jogador de futebol. Precisa de muita dedicação, precisa ter uma cabeça muito boa. Tem de tudo. Eu considero o futebol uma das profissões mais difíceis.

Qual foi a sua maior lição no futebol? 
Acho que foi ter percepção das coisas com antecedência, você reverter para não ter surpresa.

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Sua formação musical acontece muito precocemente. Quais são as lembranças mais marcantes que você tem dessa época? 
Minha família é de sambistas desde o meu avô. Então sempre tivemos muitas festas em casa, como toda família suburbana, como todo povo que tem dificuldade de viver, mas gosta de viver. Faz festa, independente se está com dinheiro ou não. Com muita alegria, muita família, muita criança, muitos amigos. Minhas lembranças todas são assim. A festa sempre começava na cozinha, onde começava o bate-papo, sempre tinha um petisco, uma comida. Muita música, sempre um vinil tocando, uma pessoa, alguém que meu pai ou a minha mãe admirava ouvir, e muita gente em casa. Meu pai era conhecido por fazer muitas festas.

Você se lembra do início do Clube do Samba? 
Começou com as festas. Mas era um movimento político por conta da entrada da música americana no Brasil, que estava acabando com as casas de shows, com os eventos por conta da música eletrônica. Isso machucou muito o meu pai e ele resolveu fazer o clube do samba, justamente, como uma forma de combater isso. Pode ter música eletrônica, mas não pode acabar com as casas de shows. Essa era a visão dele.

Você acredita que o samba raiz tem perdido espaço em comparação com os gêneros sertanejo, o pop ou mesmo o funk? 
Eu vejo o samba de uma forma tão forte. Na verdade, o único lugar em que ele não está é na mídia. Está em todos os lugares, então isso faz parte de um processo, de uma história.

E você tem mantido esse legado. 
O Clube do Samba vai fazer 45 anos. Nós conseguimos desfilando com o Bloco toda terça de carnaval. Nós desfilávamos na Avenida Rio Branco, só que com a quantidade de blocos que existem hoje no Rio de Janeiro, eles dividiram. Os blocos com 2 milhões de pessoas saem da Rio Branco e os menores, com 200 ou 300 mil, saem da Av. Atlântica. E nós fazemos um pré-ensaio em janeiro, fazemos o baile do clube do samba. Eu faço shows, levamos convidados, amigos. Da última vez, a Maria Rita participou. Nós nos mantemos vivos. Só que o meu pai fazia algo muito politizado e hoje nós continuamos com o mesmo intuito, mas fazendo algo mais para o povo. Chega no momento do carnaval e nós precisamos ter paz.

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(Leo Aversa/divulgação)
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Você se considera parecido com o seu pai? 
Sou bem diferente. Ele era muito verdadeiro, sensacional. Quando ele amava, ele amava. Mas quando ele não gostava, ele simplesmente tirava da frente. Só de te olhar, ele já sacava a sua personalidade. Ele tinha essa magia, essa intuição. E falava o que ele queria, na cara da pessoa. Podia ser o presidente, um deputado, quem fosse. Era muito verdadeiro, muito puro e não tinha filtros. Ele se machucou muito por conta disso. Eu já lido de uma forma diferente, procuro entender, conhecer antes de tomar qualquer atitude. Às vezes, filtrar, aceitar, para em outro momento tomar outra atitude. Acho que eu tenho mais jogo de cintura do que ele.

Você agora vai enfrentar dois desafios: atuar e interpretar o seu pai em “Através do Espelho”. Quais as dificuldades envolvidas no processo de representar o próprio pai no teatro? 
Vou ter que fazer tudo o que ele fez. O ator precisa se esvaziar para se colocar no personagem. Eu vou ter que fazer isso porque eu não sou ele. Vai ser um trabalho de estudo bem intenso. Mas adoro desafio.

Quais foram os melhores álbuns lançados neste ano que você escutou? 
Do Xande de Pilares cantando Caetano Veloso é uma obra-prima. Não falo mais nenhum. É uma das coisas mais belas que já ouvi. As pessoas enxergam o Xande apenas como um cantor e compositor de samba, e ali ele mostrou que não é só isso que ele é capaz de fazer. Ele abriu o leque dele de uma forma tão bacana. Quando eu ouvi, eu fiquei muito feliz e emocionado.

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