Drão: a história da canção que selou um amor e agora embala despedida de Preta Gil
A canção foi escrita como um marcador do fim do casamento de Gil e Sandra Gadelha, com quem o artista foi casado por 21 anos

Parece uma regra não dita: algumas das músicas mais bonitas quase sempre são inspiradas em histórias reais. As de amor se tornam trilhas sonoras na vida de muitas pessoas. Não é à toa que certos artistas são vistos como heróis nacionais. Suas palavras salvam, acolhem, dão nome à existência, ao amor e à dor de muitos. Esse é, certamente, o caso da canção “Drão”, escrita por um dos nossos maiores patrimônios afetivos, o cantor e compositor Gilberto Gil, em 1981.
Para quem é familiar com a música, talvez saiba que ela foi escrita como um marcador do fim do casamento de Gil e Sandra Gadelha, com quem o artista foi casado por 21 anos. Drão era o apelido de Sandra, e tudo indica que foi dado por ninguém menos que Maria Bethânia, amiga próxima do casal. Sandra é irmã de Dedé Gadelha, primeira esposa de Caetano Veloso. Gil e Sandra tiveram três filhos: Pedro, Preta e Maria, que são mencionados na letra. “Drão, os meninos são todos sãos.” Como quem diz: está tudo certo. A partida dói, mas os filhos — que são a maior preocupação — estão e estarão bem.
A letra é um hino ao fim dos relacionamentos. Traduz o sentimento de luto, de se sentir despedaçado, mas com uma mensagem de aceitação e esperança. Porque dali pode nascer outra coisa — talvez não igual, mas ainda assim especial. É um modo de selar a separação com paz, sem apagar o amor que um dia uniu.
Nos últimos tempos, a canção ganhou outro sentido. Depois do diagnóstico de câncer de Preta Gil, e agora com sua morte, no domingo (20/7), o luto do amor virou também o luto da vida. E, nesse novo contexto, o carinho resiste, mesmo diante da ausência.
“Drão, não pense na separação, Não despedace o coração O verdadeiro amor é vão, estende-se infinito, Imenso monolito, nossa arquitetura.”
Preta Gil, cantora, atriz, apresentadora e empresária, foi diagnosticada em janeiro de 2023 com adenocarcinoma de intestino, enfrentou quimioterapia, radioterapia, várias cirurgias e uma grave sepse que a deixou internada na UTI. Em dezembro do mesmo ano, comemorou remissão após reconstrução intestinal. Em agosto de 2024, a doença retornou, alcançando linfonodos, ureter e peritônio, e exigindo novas abordagens médicas — inclusive tratamento no Memorial Sloan Kettering, em Nova York.
Desde então, Preta compartilhou com o público sua jornada com transparência, incentivando diagnóstico precoce e prevenção, especialmente ao falar publicamente sobre os sinais do câncer no intestino.
A morte foi anunciada pelo pai, Gilberto Gil, em uma nota emocionada: “É com tristeza que informamos o falecimento de Preta Maria Gadelha Gil Moreira em Nova Iorque, onde estamos cuidando dos procedimentos de repatriação ao Brasil. Pedimos compreensão a amigos, fãs e imprensa nesse momento difícil em família”.
O legado de Preta Gil atravessa muitos universos: musical, cultural, social e corporal. Começou com seu álbum de estreia Prêt-à-Porter (2003), que mesclava samba‑funk, axé e pop, e trouxe composições próprias e de Ana Carolina. Em 2017, fundou a Mynd, agência de talentos digitais, e tornou-se referência em empoderamento, diversidade e autoestima. Identificando-se abertamente como mulher negra, gorda, bissexual e pansexual.
O Rio de Janeiro decretou luto oficial de três dias em sua homenagem.