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Dado e Bonfá passeiam pelas as estações

Guitarrista e baterista da Legião Urbana se reúnem e saem em turnê pelo Brasil para comemorar dois de seus discos mais conceituais

Por Artur Tavares
Atualizado em 5 Maio 2023, 15h51 - Publicado em 5 Maio 2023, 01h54

No final dos anos 1980, Renato Russo se consolidava como um dos maiores poetas contemporâneos da música. Com o lançamento do álbum As Quatro Estações, ele e seu grupo, a Legião Urbana, se afastavam definitivamente do punk rock, trazendo canções mais longas, bem trabalhadas, com temáticas mais adultas. Deu certo. O disco de 1989 foi o mais vendido da banda até então.

Agora, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá se unem para uma turnê que vai comemorar não apenas As Quatro Estações como seu disco subsequente, V, que cimentou de vez a mudança conceitual pela qual a Legião Urbana passou na virada para a década de 1990.

Marcelo Bonfá, do Legião Urbana
(Bruno Veiga – 1995/rede Abril)

Os primeiros shows acontecem já nesta semana, primeiro em Sorocaba, no interior paulistano, no dia 5, e logo depois na capital paulista, no dia 6. Depois, viajam por Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio De Janeiro, Curitiba, João Pessoa, Recife, Manaus, Belém, Teresina e Fortaleza em datas confirmadas até o final de novembro.

Esta não é a primeira vez que os dois integrantes remanescentes da Legião Urbana voltam aos palcos. Desde 2015 eles já caíram na estrada para celebrar os lançamentos dos seus três primeiros álbuns, o homônimo Legião Urbana, Dois e Que País é Esse?, sempre acompanhados de um quarteto formado por André Frateschi no vocal, Lucas Vasconcellos na guitarra, Mauro Berman no baixo e Pedro Augusto nos teclados.

Nós conversamos com Dado e Bonfá sobre a turnê, chamada de As V Estações, a gravação dos dois álbuns e este grupo que os acompanha nos tributos à memória da Legião Urbana pelo Brasil.

Quero começar essa entrevista falando sobre música. Vocês gravaram As Quatro Estações e V na virada dos anos 1980 para os anos 1990. Naquela época o punk já não era mais tão importante quanto algumas vertentes do rock britânico e do hardcore americano. O que vocês estavam ouvindo na época, e o quanto a sonoridade desses álbuns é diferente dos três primeiros álbuns da Legião Urbana?
Dado Villa-Lobos: Em 1988, estávamos ouvindo shoegaze britânico, como Jesus and Mary Chain, e as coisas que estavam vindo da América, como o R.E.M., e então o Blur veio um pouquinho depois na mesma onda do Happy Mondays e daquele pessoal da Factory, como New Order.

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Acho que algumas coisas nos influenciaram, como o bandolim de “Losing My Religion”. E aí eu já tinha umas músicas com bandolim por causa do choro, que eu estava tentando ver como fazer e tal. E você vê, em As Quatro Estações, tem ali a intro de “Eu Era um Lobisomem Juvenil” com bandolim, coisas assim.

Nesse disco, estávamos tentando sair um pouco do que foi Que País é Esse?, uma retomada do punk, da coisa do Aborto Elétrico. Fomos para um outro lugar, buscando uma coisa mais espiritual, digamos assim. E, de repente, era uma confluência nesse sentido, né? O R.E.M. falando de losing my religion e nós das doutrinas de Buda, da Bíblia, de Camões.

Marcelo Bonfá: Sempre houve uma sintonia muito grande entre a Legião Urbana e o que estava acontecendo no mundo. Porque a gente morava em Brasília, e na época do punk, no começo dos anos 1980, não existia internet, telefone celular, nada. O máximo que acontecia era uma galera da nossa turma de amigos trazerem discos na mala, coisas que estavam acabando de chegar da Inglaterra e tal. E víamos a sincronicidade, a sintonia desses arranjos e desse tipo de música refletida no que estávamos fazendo. Era uma espécie de uma antena.

Grupo de Rock Legião Urbana
(Claudia Dantas/rede Abril)

A Legião Urbana já era enorme, mas foi nessa época que a música de vocês amadureceu mais e mais rápido em relação à grande maioria dos outros artistas de rock dos anos 80. Vocês dois são mais ou menos cinco anos mais novos que o Renato Russo, tinham só 23, 24 anos quando gravaram As Quatro Estações. Quais eram os sentimentos que vocês tinham naquela época?
Dado: O Bonfá e eu tínhamos acabado de ser pais, e o Renato era sempre aquele irmão mais velho, né? Nós começamos muito cedo, e com o tempo mudaram os rumos da estética, do que dizer, do que falar e do que tocar. O impulso criativo mudou, realmente. Viramos a página do punk rock.

No final dos anos 1980, quando estávamos fazendo essas músicas, o Renato dizia não ter nada pra dizer nem escrever. Estava meio angustiado com essa questão. E nós dois fazendo as bases das músicas, “Há Tempos”, “Pais e Filhos”… Mas era bom que ele já dava o nome das músicas: “Ah, essa vai chamar Pais e Filhos, e essa, sei lá, Monte Castelo…”, e assim foi.

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“Em 1988, estávamos ouvindo shoegaze britânico, como Jesus and Mary Chain, e as coisas que estavam vindo da América, como o R.E.M., e então o Blur veio um pouquinho depois na mesma onda do Happy Mondays e daquele pessoal da Factory, como New Order. Acho que algumas coisas nos influenciaram, como o bandolim de “Losing My Religion”

Dado Villa-Lobos

E aí, depois, veio justamente o vértice, a coisa da espiritualidade. As Quatro Estações é um disco ecumênico, que fala de Buda, da Bíblia, do Tao Te Ching. A gente sempre arriscava muito no que estávamos fazendo. Não querendo se repetir, entende? E buscando novas linguagens, novos caminhos dentro da música pop, sempre pensando muito no rock.

O Renato falava: “Olha só, cara. A gente tá aqui pra fazer músicas, discos de catálogo. Não é assim, disquinho que vai durar um ano, não. É disco de catálogo. Pra gente durar bastante tempo e poder ganhar um pouco de dinheiro.” Mas quando você vai saber que aquilo seria um disco, uma canção, que ia perpassar o tempo, ao longo do tempo de 20 ou 30 anos?

O guitarrista Dado Villa-Lobos.
(Oscar Cabral – 2005/rede Abril)

Essas lembranças e desejos se refletem nessa turnê que vocês começam em maio?
Dado: Eu acho que sim, né? Na verdade, é também uma missão, uma questão de festejar e celebrar os 30 anos desse repertório, não deixar essa ideia sumir, se esvair, escorrer pelas mãos. Manter todo esse ideal que a gente cristalizou lá atrás, não deixar isso ficar batido. E claro, nesse nosso formato analógico, de subir num palco tocando aquilo como foi idealizado, como foi pensado e como sempre foi tocado.

E a rapaziada que está conosco… Quando conhecemos o André, em 1985, ele tinha uns 10 anos. Ele ficava junto no camarim dos espetáculos de Feliz Ano Velho, em que tocamos. A mãe dele era uma das protagonistas, e o deixava ali para tomarmos conta. Rolava a peça e depois a gente entrava no palco e tocava.

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30 anos depois, trabalhamos juntos em um projeto sobre os Beatles, eu, Liminha, João Barone, uma grande banda. E André era um dos nossos convidados. Quando cantou “Oh, Darling”, pensei, meu Deus, quem é esse maluco com essa voz e essa interpretação?

No intervalo do ensaio, ele veio falar comigo, e então o ciclo passou como se fosse o retorno de Saturno, sabe? 29 anos depois.

Bonfá: Cara, muita coisa volta, sim. Eu tive filho antes de todo mundo, e aí, na sequência, o Dado. O Renato ficou olhando, chupando o dedo e falou: “Eu também quero.” [risos] Me lembro desse momento, foi complicado, eu era muito novo, havia uma carga bem imensa para nós como banda. E hoje, o João Pedro é um puta guitarrista, um garoto que tem carisma, uma performance alucinante. Ele é meu guitarrista predileto, se você quer saber.

Show do Legião Urbana no Projeto SP
(Jorge Rosenberg – 1988/rede Abril)

Vocês eram um trio, mas essas reuniões que acontecem desde 2015 são acompanhadas de uma super banda. O que muda em relação aos sons originais?
Bonfá: Essa história começou com a gravadora querendo comemorar 30 anos do nosso primeiro disco, e agora já estamos há oito anos junto com esse grupo de artistas. O Dado e eu já vínhamos sendo cobrados há muitos anos. Eu sabia que esse momento ia chegar. Como a vida funciona em ciclos espirais, ascendentes, eu sabia que isso viria, só não sabia que haveria a internet, que foi uma super coisa legal para poder hoje levar a música da Legião Urbana para um público super jovem.

Então ficamos um ano e meio fazendo essa turnê, e logo depois mais um ano e meio tocando Dois e Que País é Esse?. Foram mais de 400 mil pessoas na primeira turnê, casas cheias com cerca de 10 mil pagantes em média por dia.

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E o nome da turnê, As V Estações, veio dessa minha ideia de juntar os dois discos. Em um momento onde fala-se muito sobre mudanças climáticas, nós temos quase uma quinta estação imprevisível. Isso deu uma instigada na banda, na galera do projeto cenográfico, da luz, do repertório. Trouxe um gás também, porque fazer só As Quatro Estações seria previsível demais.

“É legal poder subir no palco com esse repertório e brincar com ele. Tem muitas músicas que vejo hoje e dou um outro toque, como se fosse onde eu queria chegar na época, mas que não deu porque era tudo uma correria danada”

Marcelo Bonfá

Maurinho Berman, que é nosso diretor artístico, conseguiu alinhar tudo isso de uma forma legal, porque o V é um disco que tem muitas sonoridades bem diferentes de As Quatro Estações, apesar de serem discos um na cola do outro. Isso mostra uma evolução muito rápida e uma adaptação, de repente começamos a fazer um som progressivo.

Grupo de Rock Legião Urbana: Renato Rocha, Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfa
(Claudia Dantas/rede Abril)

Dado: Na época tinha bases, sintetizadores, tudo aquilo que exigia mais músicos ou sessões de gravação. E nós éramos os reis do overdub. Gravávamos a base, aí entrava um teclado, um bandolim, um violão, uma guitarra dobrando a outra guitarra, enfim…

A partir daquele momento, para fazer a excursão de As Quatro Estações, chamamos músicos para tocar violão, teclados… Era um espetáculo pra muita gente, em estágio de futebol, e então esse formato permaneceu.

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Sobre os shows, a ideia é ir para os lugares, porque quando voltamos a tocar e fazer esses tributos em 2015, fomos para lugares que a Legião Urbana jamais teria ido, como Porto Velho, porque, na verdade, fazíamos poucos shows, não rodamos assim como muitos outros dos nossos amigos.

O Renato era complicado e eu também. Canceriano, não gostava muito de sair de casa, e ai ele começava com aquelas loucuras e falei: “Cara, não vou mais tocar contigo. Tá difícil subir no palco, às vezes é legal, às vezes nem tanto, entendeu?” E hoje nós subimos no palco tendo tudo sobre o controle, sabendo o que vai acontecer. Nós já compreendemos o que são essas músicas, o que elas representam.

Bonfá: É legal poder subir no palco com esse repertório e brincar com ele. Tem muitas músicas que vejo hoje e dou um outro toque, como se fosse onde eu queria chegar na época, mas que não deu porque era tudo uma correria danada.

E essa galera é super afiada, talentosa, eles adoram o repertório e a nós, são pessoas respeitosas, queridas, inteligentes, viajar com essa turma toda traz um puta de um gás.

Integrantes do
(Ricardo Chvaicer – 1987/rede Abril)

A turnê é exclusivamente dedicada a Quatro Estações e V?
Dado: Vamos tocar outras coisas, como “Índios” e “Tempo Perdido”, porque são muitos sucessos, além de outras coisas que nunca tocávamos na época desses dois discos, como “Eu Era um Lobisomem Juvenil” e “Metal Contra as Nuvens”.

 

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