Noite de reis no João Rock
Com um line-up diverso, com rock e MPB, festival em Ribeirão Preto celebrou 20 anos com bastiões da música brasileira
Há 20 anos, quando o festival João Rock foi criado por Luit Marquez e Marcelo Rocci, o evento já nasceu grande. Mais de 18 mil pessoas compareceram ao Estádio Palma Travassos, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Titãs, Ira!, Charlie Brown Jr. e CPM 22 foram alguns dos artistas convidados. O nome era inspirado por bateristas renomados chamados John ou João.
O tempo passou e o festival resistiu. No último sábado, 3, mais de 20 bandas e artistas se dividiram em quatro palcos. Dessa vez, 70 mil pessoas se deslocaram até o Parque Permanente de Exposições para celebrar os 20 anos de um dos principais e mais tradicionais eventos de rock do país, com um line up invadido por outros gêneros. O pop, a MPB, o rap e o reggae também deram as caras. Enquanto o palco principal, João Rock, funcionava sem parar com a presença de Gilsons, Capital Inicial, Pitty, Ira!, BaianaSystem, Emicida, Planet Hemp e L7nnon e Filipe Ret, os palcos Aquarela, Brasil e Fortalecendo a Cena, se revesavam, tocando Marina Sena, Manu Gavassi, Ana Carolina e, claro, alguns dos ícones da MPB. Foi o Palco Brasil, cenário dos bastiões da música brasileira, o grande celebrado do dia.
Tom Zé foi o escolhido a abrir a cena. Com sol na cara, o torso vermelho, e a camisa no ombro, o cantor exaltava sua infindável disposição, humor e vontade de contar histórias. Em seu show de uma hora, cantou, em sua maioria, composições recentes, algumas delas criadas em parceria com o diretor Felipe Hirsch, para o espetáculo Língua Brasileira. Mas foram “Augusta, Angélica e Consolação”, “Xiquexique” e “Fliperama” que mais animaram o público. O artista ainda brincou com o fato de os shows acontecerem simultaneamente no Parque. “Baixa [o som] um pouquinho aí”, brincou. Tom Zé resumiu a energia de um festival, em que a essência é, justamente, o intercâmbio de artistas. “Quanto tempo falta para terminar? Cinco minutos? Ah, 15. Então beleza, tenho tempo ainda.”
Ao entardecer, a banda Os Mutantes tomou conta do Palco Brasil. A formação atual conta com Sérgio Dias, Esméria Bulgari, Vinícius Junqueira, Claudio Tchernev, Henrique Peters e Camilo Macedo. O início, com composições mais atuais, pareceu não empolgar tanto o público, que se mostrava disperso. Ao anoitecer, o show foi valorizado com o jogo de luzes do palco, e do entorno, mas também ao resgatar canções clássicas, como “A minha menina”. Daí não teve jeito, com o público emocionado, era inevitável não lembrar de Rita Lee, embora a banda não tenha mencionado a artista diretamente. Sentado, Sérgio Dias se desculpou com os espectadores, pois não estava em suas melhores condições. “Estou com a garganta fodida hoje”. Mesmo doente, não deu o braço a torcer e fez um belíssimo show, marcado, especialmente, por momentos de solos com a guitarra. Em seguida, foi a vez de Zé Ramalho, com um show que já começou cheio e romântico, com casais dançando colados por todos os lados.
Apesar das participações de astros de peso, foram os últimos shows do palco que levaram o público ao deleite. Alceu Valença, elétrico e divertido, fez um espetáculo com muita interação. “Acende a luz aí, pô”, começou a apresentação pedindo para que o público fosse iluminado. Cantou as músicas que todos já conhecem de cor, como “Anunciação”, “Coração bobo”, “Girassol”, “Táxi lunar”, “La belle du jour” e “Morena Tropicana”. E não deixou de brincar com seus fãs. “De onde está vindo esse som? Está acontecendo um show ao lado?”. Além de exigir a resposta do público e testa o quanto, de fato conheciam as letras de suas músicas. “Eu vou fingir que estou indo embora, daí vocês gritam ‘Alceu, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver’. E eu volto.”
Por fim, o rei Gilberto Gil entrou atrasado, mas correspondeu com o anseio de um público gigante, que aguardava sentado, ou mesmo dormindo no campo, em frente ao palco. Com jeito doce e cativante, Gil cantou seus sucessos antigos, “Estrela”, “Aquele abraço”, “Andar com fé”, e fez até mesmo algumas dancinhas no meio do show.
Com o público majoritariamente jovem, seria de se esperar que artistas mais tradicionais pudessem ser ofuscados pelo pop atual. Mas não foi o caso. Há sempre o desafio de capturar a atenção de uma audiência que está ocupada conversando, bebendo ou até transitando entre os shows (no caso do João Rock, muitos deles aconteceram ao mesmo tempo). A espontaneidade, o diálogo com o público, entretanto, fizeram toda a diferença na reação do público. Um festival, afinal, não parece ser um espaço que a expectativa é pela novidade, mas, sim, por aquilo que já é familiar, por canções que já estão na ponta da língua.