A história da música “Ouro de Tolo”, de Raul Seixas
Ataque à "mediocridade" da classe média consagrou o músico como heroi da contracultura nacional

De toda a obra de Raul Seixas, Ouro de Tolo é uma das canções mais autobiográficas. Faixa do primeiro disco-solo do cantor, conquistou o topo das paradas de sucesso na década de 1970 fazendo ressoar uma irônica, mas violenta, crítica à emergente classe média do milagre econômico, quando o Brasil, sob a ditadura, crescia.
Em 1968, acompanhado de seu conjunto, Raulzito e os Panteras, o compositor e cantor baiano lançou um disco com o nome do grupo — que teve performance apenas discreta em vendas e execução — pela gravadora Odeon. A partir de 1970, contando com ajuda de Jerry Adriani, Raul foi contratado pela CBS para produzir artistas como a dupla Leno e Lílian e a cantora Diana. Um ano depois, acabou produzindo um álbum próprio.
Seu segundo disco, Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, foi retirado do mercado e levou à demissão
de Raul do cargo de produtor. Primeiro bad boy do rock brasileiro, Raul começou a ficar conhecido no meio artístico em 1972, quando participou do 7º Festival Internacional da Canção, cantando Let Me Sing, Let Me Sing, de Elvis Presley.
A apresentação serviu para o público se surpreender e para a Philips definir qual seria sua aposta do momento para vender mais discos. Ouro de Tolo foi escolhida para fechar o álbum de estréia da carreira-solo de Raul, Krig-ha, Bandolo!, de 1973. A expressão foi tirada dos gibis de Tarzan e significava: “Cuidado, aí vem o inimigo”. O conteúdo do álbum fazia jus ao alerta do título.
No disco, Raul atacava valores cultivados pelo cidadão comum, conformado com a liberdade concedida para suas realizações banais, típicas da vida burguesa e da busca de ascensão social, como “ir com a família no Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos”, e a satisfação por poder comprar o carro do ano, um Corcel 73.
Os 59 versos em primeira pessoa não são apenas uma escolha estilística. Descrevem, de fato, a vida do autor: os “quatro mil cruzeiros” que eram seu salário como produtor da CBS, os dois anos de penúria que passara na Cidade Maravilhosa e o pouco de fama que havia conquistado, no ano anterior, cantando no festival.
Enquanto Roberto Carlos agradecia “ao Senhor por mais um dia”, Raul dizia ironicamente que “devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista”. O bom-mocismo da jovem guarda saía de cena para dar lugar ao protesto e ao misticismo alternativo. Das dez composições de Krig-ha, Bandolo!, cinco foram criadas com o escritor Paulo Coelho, o parceiro mais importante de Raul, que, na fase final de sua carreira, também formou dupla com o roqueiro Marcelo Nova.
Raul morreu em 1989, aos 44 anos, devido a problemas relacionados ao alcoolismo, e tornou-se uma espécie de mito da contra-
cultura nacional, cultuado por fã-clubes espalhados pelo país. Sempre identificado como roqueiro, Raul fez muitas canções marcadas pela fusão de gêneros, o que já se evidenciava nos outros dois grandes sucessos do mesmo disco, arranjado pelo uruguaio Miguel Cidras: o baião Mosca da Sopa e o rock Metamorfose Ambulante.
Ouro de Tolo, por sua vez, tornou-se um grande hit e projetou o nome do autor muito mais pela mensagem do que pela melodia, repetitiva, mas cuja monotonia reforça a crítica à visão dos que vêem no dinheiro, no consumo e na “pax burguesa” o sentido da vida.