Intelectuais do rap nacional: Unicamp consagra Racionais MC’s
Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay são reconhecidos como formadores de pensamento e resistência na cena cultural do Brasil

Na última quinta-feira (6), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) elevou o rap ao panteão acadêmico ao conferir o título de Doutor Honoris Causa ao grupo Racionais MC’s, formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. A honraria, a mais alta da instituição, reconhece a trajetória do quarteto como intelectuais públicos cuja obra, desde os anos 1980, desmonta estruturas de racismo, violência e desigualdade nas periferias brasileiras.
A cerimônia no auditório da Unicamp não foi apenas um reconhecimento musical, mas um ato político. Ao laurear artistas que transformaram o rap em “manifesto de resistência”, nas palavras do reitor Antonio Meirelles, a universidade selou uma ponte entre a cultura marginal e a academia — um gesto raro em um país onde essas esferas raramente se tocam.

De “Diário de um Detento” ao Doutorado
Nascido nas quebradas de São Paulo, o Racionais MC’s construiu sua narrativa em versos que misturam denúncia e poesia. Álbuns como “Sobrevivendo no Inferno” (1997) — incluído como leitura obrigatória no vestibular da Unicamp entre 2020 e 2022 — transcendem a música para se tornarem documentos sociológicos. Letras como “Capítulo 4, Versículo 3” e “Negro Drama” expõem, sem metáforas, a violência policial e a segregação urbana, temas que hoje ocupam teses e disciplinas universitárias.
Em 2022, o grupo já havia adentrado as salas de aula da Unicamp ao participar de uma aula aberta na disciplina “Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro”. Na ocasião, discutiram como suas músicas desvendam mecanismos de poder, do encarceramento em massa à exclusão racial. “Eles traduzem em rimas o que a academia teoriza em livros”, afirmou a antropóloga Jaqueline Lima Santos, uma das professoras que propuseram a honraria.
Em postagem nas redes sociais, Mano Brown agradeceu o título, reforçando o caráter coletivo da conquista:
“Tenho somente que agradecer, a causa é maior que nós e depois de nós, virão outros e assim segue. Isso marca uma renovação de votos com lealdade, respeito e responsabilidade com nosso povo”.

Por que esse título ressoa além da Academia?
A homenagem ocorre em um contexto em que universidades brasileiras ressignificam saberes historicamente marginalizados. Em 2019, a própria Unicamp incluiu “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire, em seu vestibular — obra que, assim como o rap dos Racionais, desafia cânones ao tratar educação como ferramenta de libertação.
Agora, em 2025, ao laurear o grupo, a instituição avança nesse diálogo, reconhecendo que o conhecimento não se restringe aos livros, mas ecoa nas ruas. Para estudiosos da universidade, o título questiona hierarquias intelectuais, evidenciando que os Racionais MC’s não são “vozes da periferia”, mas pensadores que redefinem o que a academia entende como saber válido.