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Stacey Kent: ‘Minha sensibilidade está muito próxima do Brasil’

A artista se apresenta no Brasil no dia 25, no Teatro Cultura Artística, onde interpretará canções de seus álbuns Other Places e Summer Me, Winter Me

Por Humberto Maruchel
24 set 2025, 09h00
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Stacey Kent (Judy Maxwell/divulgação)
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É inegável que o jazz se conecta de maneira intensa com as sonoridades brasileiras. Apesar das diferenças estruturais entre os estilos — no ritmo, na harmonia e na forma de improvisação — há momentos em que eles se encontram em um mesmo espírito: na sensibilidade, na busca por suas identidades, e na expressividade das melodias. A cantora estadunidense Stacey Kent é um grande exemplo dessa ponte.

Ela domina não apenas o jazz, que exige um repertório vasto e sofisticado, mas também a bossa nova, na qual encontrou temas próximos de sua sensibilidade: uma espécie de saudade herdada, presente no coração de seu avô, que ainda jovem precisou deixar a França e viver nos Estados Unidos, e carregou durante toda vida.

A artista se apresenta no Brasil nesta quinta-feira (25), no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, onde interpretará canções de seus álbuns Other Places e Summer Me, Winter Me, ao lado do saxofonista Jim Tomlinson — seu marido — e do pianista Art Hirahara. No ano passado, ela esteve no país em homenagem a Tom Jobim, nos 30 anos de sua morte, com o show Um Tom sobre Jobim. A ligação de Stacey com o Brasil é tão intensa que ela se tornou fluente em português e, em entrevista à revista Bravo!, optou por se comunicar no idioma, deixando de lado o inglês nativo.

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Stacey, Jim Tomlinson e Art Hirahara (divulgação/divulgação)

Ela percebeu que essa saudade — sentida e transmitida por seu avô — foi magistralmente traduzida por Vinicius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto e outros grandes nomes da música brasileira. Um vazio nunca totalmente preenchido, mas suavizado pela vida que ele construiu junto à nova família. A alegria e a tristeza, de fato, andam juntas. Ainda menina, Stacey acompanhava esses sentimentos, assim como as músicas que os refletiam, incluindo a tradição francesa que também a marcou. Desde muito jovem, portanto, ela desenvolveu uma afinidade profunda com duas culturas: a francesa e a brasileira. 

Com uma identidade e paixões muito bem definidas, ao longo de sua carreira, Stacey já foi indicada ao Grammy pelo álbum Breakfast On The Morning Tram (2007), recebeu a medalha de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras do Ministério da Cultura da França, lançou 13 álbuns de estúdio e vendeu mais de 2 milhões de discos. Além disso, colaborou com importantes nomes da música brasileira, como Marcos Valle, Roberto Menescal, Danilo Caymmi e Edu Lobo.

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Sua ligação com as palavras também tem raízes em seu interesse pela literatura. Graduada em Literatura Comparada pelo Sarah Lawrence College (NY), Stacey só ingressou na música mais tarde, ao se mudar para Londres e estudar na Guildhall School of Music and Drama, onde conheceu seu futuro marido e parceiro musical, Jim Tomlinson.

Foi nessa época que conheceu também um dos parceiros mais importantes de sua carreira: o escritor vencedor do Nobel de Literatura Kazuo Ishiguro. A colaboração começou em 2006, e a primeira música criada, The Ice Hotel, recebeu reconhecimento internacional. Desde então, eles compuseram várias faixas para álbuns como Breakfast on the Morning Tram, Dreamer In Concert e I Know I Dream, explorando temas como memória, viagem e saudade. Neste ano, Stacey lançará um novo disco, A time for love.

Em entrevista à Bravo, ela falou sobre sua trajetória musical e sobre o amor profundo que nutre pelo Brasil.

É verdade que você fala português?

(alternando imediatamente do inglês para o português) Eu falo. Eu não falo no meu dia a dia porque estou aqui nos Estados Unidos, mas sim, claro, eu falo com meu marido também, Jim, que fala. Se você quiser, podemos falar em português. Se não souber uma palavra ou uma ideia, vou dizer em inglês.

Você fala vários idiomas, né?

Ah, sim. Foi minha vida antes de ser cantora, porque eu era estudante de línguas e literatura. Estudei francês, italiano, alemão, depois português e latim na escola. E a língua francesa fez parte da minha vida inteira porque meu avô era francês.

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E você pratica todos?

É algo que faz parte da minha vida pessoal. Eu assisto a filmes, tenho amigos que não falam bem inglês, então, sem essas línguas, seria impossível ter essas amizades. As amizades são muito motivadoras nesse sentido.

De vez em quando, leio um livro em outro idioma. Neste momento não, mas pode acontecer. Também escuto podcasts. Ontem à noite estávamos na cozinha, cozinhando para o jantar, e ouvimos um podcast de Portugal. Foi muito interessante, também para ouvir o sotaque diferente; é bom para a cabeça.

Eu pergunto isso porque demonstra muita disciplina, e imagino que você precise ter isso também no seu trabalho na música, que é incrível.

Sim, na música e na língua. É uma brincadeira com o som, com a poesia, com as imagens, tudo isso.

Ah, mas eu era estudante de línguas muitos anos antes de ser cantora, então não tem a ver com a música para mim. Quer dizer, claro que vou cantar em outras línguas, mas eu não estava treinando para cantar nesses idiomas.

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A música da França, por exemplo, fazia parte da minha vida desde a infância, porque meu avô adorava, e ficava tocando na casa o tempo todo. Então, graças a ele, a música francesa era natural para mim, não era algo imposto como disciplina.

Quando uma criança tem talento e desejo para algo, não sente isso como trabalho; sente como prazer, como brincadeira.

É muito interessante como você construiu isso como parte da sua identidade — uma música que percorre o mundo, que transforma você, que te força a aprender idiomas. De que forma esse percurso, a trajetória acadêmica na literatura moldou sua maneira de interpretar canções e construir narrativas dentro delas?

Eu sou uma pessoa bastante comunicativa, a comunicação entre pessoas é muito importante para mim. Então a língua é algo essencial para me tornar mais comunicativa.

Também há algo mais importante: meu avô era um homem bastante triste. Ele estava nos Estados Unidos depois da vida na França, sempre querendo voltar. Mas ele encontrou a esposa dele, começou uma família, começou o trabalho e nunca voltou para viver na França, exceto nas férias.

Esse homem tinha uma saudade enorme da vida dele. É o que podemos chamar de furo cultural, furo do coração: ele sempre queria estar na França, mas estava nos Estados Unidos. Ele precisava da língua, dos filmes, da literatura, da poesia, da cultura francesa em casa.

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E, por isso, ele me deu um presente: a língua francesa, a cultura, para que eu pudesse compartilhar a vida dele aqui em casa. Isso me deu a vontade de comunicar com as pessoas porque dá prazer, dá alegria. Não tinha nada a ver com música, mas, ao mesmo tempo, a música tem tudo a ver com esse desejo de comunicar.

Quando estou no estúdio ou no palco, quero me comunicar com as pessoas em qualquer língua possível. O idioma não importa; o que importa é essa ligação entre nós, seres humanos que são estrangeiros, mas que ao mesmo tempo se conectam.

 

E qual é o nome do seu avô?

Sam.

Ele conseguiu acompanhar o início da sua carreira?

Ah, não, não, porque ele morreu.

Ele faleceu quando você era muito jovem?

Sim, era mais ou menos depois da universidade, eu era bastante jovem, só começando a cantar.

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Sobre o seu encontro com o Brasil, ao longo da sua carreira, a música brasileira ganhou muito espaço. O que você encontrou no Brasil, tanto musical quanto afetivamente?

Eu descobri a música do Brasil quando era muito jovem, mais ou menos com 14 anos, quando ouvi pela primeira vez a música do João Gilberto. A partir daí, comecei a descobrir cada vez mais canções através da Tower Records: discos de João Gilberto, Tom Jobim, Lobo, a família Caymmi, Marcos Valle, Joyce Moreno… a lista era muito longa.

Também assisti a filmes. Eu adorava filmes estrangeiros e, com minha irmã, vi “Orfeu Negro” quando tinha cerca de 14 ou 15 anos, já conhecendo algumas dessas canções por causa do Jobim e João Gilberto.

Então, a Bossa Nova já entrou na minha vida, com um pouco de música do Norte. Adorei essa música imediatamente.

Desde a primeira vez, eu sentia que era uma música com uma sensibilidade que eu podia perceber mesmo à distância, entre mim e o Brasil. Era algo muito forte, que não conseguia explicar naquela época, porque eu era muito jovem e ainda não sabia que um dia cantaria.

Eu sentia essa tensão entre saudade, alegria e tristeza. Quando assisti ao filme pela primeira vez, vi a interpretação de Pierre Barouh, o comediante, que vai ao Brasil, descobre a música brasileira e a leva para compartilhar com a mulher dele, na França. Isso foi muito forte para mim, porque senti algo semelhante.

Às vezes podemos compreender as coisas mesmo à distância. Quando Vinícius de Moraes dizia: “É preciso um bocado de tristeza”, era muito forte para mim. Essa tensão deliciosa entre alegria e tristeza marcou a minha percepção da música, desde criança, escutando canções do Brasil, com The Beach Boys — a sensibilidade da saudade, da melancolia.

Quando comecei minha carreira de verdade, pude acrescentar essas canções ao meu repertório. E, ao ir ao Brasil, sempre encontrei meus heróis.

Foi incrível conhecer, pela primeira vez, Roberto Menescal, a família Caymmi, Danilo, com quem estou trabalhando atualmente. Eles já faziam parte da minha vida antes de eu conhecê-los pessoalmente.

E tem uma história curiosa com Roberto Menescal, né?

Sim. Vou contar. Recebi um convite para cantar no Rio, para comemorar os 80 anos do Cristo Redentor. Bom, fiquei muito honrada. Todos esses brasileiros estavam lá para cantar e tocar, e Jim, meu marido, e eu éramos os únicos estrangeiros naquela celebração.

Quando eu estava atrás do palco, depois de tocar com Marcos Valle, vi Roberto Menescal. Eu não conhecia esse homem pessoalmente, só pelos discos, e fiquei muito emocionada ao vê-lo ali.

Eu falei: “Roberto…” Ele me olhou e falou: “Stacey”, eu não podia acreditar porque eu não sabia que ele me conhecia. E ele disse: ‘Stacey, você é minha cantora preferida dos Estados Unidos. É, eu fico em casa com minha mulher, o tempo todo escutando você.’”

Eu não tinha ideia. Depois estávamos lá, juntos, amigos, gravando tudo isso. Mas só para dizer, se eu posso explicar, acho que minha sensibilidade fica muito próxima ao Brasil.

E sobre a sua parceria com Kazuo Ishiguro. De que forma vocês se inspiram mutuamente? Como se deu esse encontro?

Outro encontro incrível. Ele participou de um programa de rádio na Inglaterra chamado Desert Island Discs. É uma entrevista com pessoas famosas, mas também é um jogo, uma brincadeira. Você tem que escolher sete discos com os quais sobreviveria pelo resto da vida.

Ele escolheu e escolheu entre as cantoras. E eu não fazia a menor ideia que ele me conhecia. Então eu liguei à BBC, pedindo para me conectarem a ele para poder agradecer. Quando nos encontramos, reconhecemos imediatamente a ligação entre nós. Mais uma vez, é um pouco como o Brasil: reconhecemos uma sensibilidade compartilhada. E assim começou a amizade.

Depois dessa amizade — seis ou sete anos, jantando, conversando — começamos a trabalhar juntos. Fico feliz que o trabalho não tenha começado imediatamente; foi um tempo para nos conhecermos melhor.

É, por isso acho que a relação e a ligação eram muito fortes. É muito engraçado: eu estava fazendo um concerto em Londres uns oito ou dez anos atrás, e Menescal estava na plateia na mesma noite. Ah, tenho uma foto, vou mandar para vocês.

Era incrível. Foi assim que começamos, de forma natural. Se ele não tivesse feito esse show na BBC, como eu poderia saber que ele era fã? É, como Vinicius mais uma vez dizia, é o “arte do encontro”.

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Londres, Wigan Hall: Kazuo Ishiguro à esquerda, Roberto Menescal à direita, e Jim à frente, ao lado da esposa de Ishiguro, Lorna. (Acervo pessoal/reprodução)

Compreende o que quero dizer?

Compreendo, compreendo.

Sei que temos que encerrar, então uma última pergunta: sobre o seu retorno ao Brasil para apresentar em São Paulo. Quais são suas expectativas para o concerto e o que essa conexão com o público brasileiro representa para você?

É inexplicável, é muito forte. Não tenho expectativas, mas sei que vai ser uma delícia total. O que adoro toda vez que volto ao Brasil é ver as pessoas cantando comigo. Às vezes não consigo vê-las, dependendo do palco e da iluminação, mas posso ouvi-las cantando junto.

É uma sensação incrivelmente forte. Toda vez que estamos lá, é como um sonho. Ainda hoje, depois de muitos anos de carreira, fico com aquela sensação de criança que sempre fomos. E lembro da menina que adorava essa cultura e essa música… era como… não sei a palavra, mesmo em inglês: just a dream, apenas um sonho para mim. 

Stacey Kent

Teatro Cultura Artística – R. Nestor Pestana, 196 – Consolação, São Paulo

25 de setembro, 20h

Ingressos esgotados

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