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Resgate de raízes ancestrais na música com Stewart Sukuma

Cantor moçambicano, que esteve no Brasil para o Sesc Jazz, falou sobre a influência das tradições populares de seu país em sua música

Por Humberto Maruchel
14 nov 2023, 12h11

O cantor moçambicano Stewart Sukuma teve uma agradável visita ao Brasil na primeira semana de novembro. Foi convidado para integrar o line-up do Sesc Jazz, um dos maiores e mais populares festivais do gênero do país. Anualmente, o Sesc reúne artistas brasileiros e internacionais, promovendo shows e oficinas sobre a cena atual do Jazz e suas influências.

Stewart é um cantor popular que tenta unir essas duas linguagens, com ênfase na música tradicional de Moçambique, como forma de dialogar com públicos de diferentes idades e, ao mesmo tempo, honrar a cultura popular de seu país natal. Desde que começou a cantar profissionalmente, Stewart lançou cinco discos (Afrikiti, Nkhuvu, Boleia Africana: Os Sete Pecados Capitais e O Meu Lado B; e uma coletânea Stewart Sukuma: 30 anos de carreira). Entre os seus singles mais populares estão “Felizminha” e “Xitchuketa” Marrabenta. “O interessante é que as primeiras músicas que toquei não tinham qualquer relação com a tradição moçambicana; eram canções brasileiras, de artistas como Roberto Carlos e Lindomar Castilho. O processo de me afastar dessas influências e me reconectar com minhas raízes culturais foi longo e doloroso”, explica o músico em entrevista à Bravo!.

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(Foto: Paulo Alexandre/divulgação)

Quando ainda era muito jovem, e seus desejos de construir uma carreira na música estavam aflorando, ele partiu em busca de sua identidade moçambicana, que havia sido coberta por anos de colonização portuguesa. Foi preciso cavar fundo para desenterrar o que a assimilação europeia tentou esconder: o orgulho de pertencer ao continente africano. “Isso me permitiu retomar uma compreensão genuína do que os meus antepassados viveram. Todos esses fatores me ajudaram a definir a direção que eu queria seguir”, relembra. O processo de redescoberta das tradições de seus antepassados foi um conhecimento intrínseco para que Stewart se desenvolvesse musicalmente.

Décadas depois, com mais de 60 anos, uma carreira consolidada de sucesso e um show lotado no Sesc Pompeia, Stewart abre um doce sorriso celebrando a sua vinda ao país. Isso, para ele, é uma forma de reconhecimento não apenas de sua música, mas também da cultura de Moçambique. “É bastante desafiador explicar aos estrangeiros, como aos brasileiros e europeus, como a música africana é construída. Você pode aprender a tocar um instrumento como a marimba, mas se não entender a alma por trás da música, aqueles que realmente compreendem vão perceber que você está tocando mecanicamente”, argumenta.

Como um bom contador de histórias, Stewart – que nasceu Luís Manuel – falou à Bravo! detalhadamente e de forma poética sobre as etapas de amadurecimento enquanto cantor e cidadão moçambicano. Escute algumas de seuas canções enquanto lê a entrevista completa à seguir:

Nós, jornalistas, temos o hábito de iniciar uma entrevista pedindo ao entrevistado para contar um pouco sobre sua trajetória, sua infância, sua família. Acredito que essa seja a pergunta que mais rende histórias. Você poderia compartilhar um pouco sobre si?
Nasci Luís Manuel Francisco Pereira e só me tornei Stewart Sukuma quase 20 anos depois. Venho de uma família assimilada. Isso significa que, durante o período colonial em Moçambique, para ascender socialmente, era necessário aprender como se comportar em público e à mesa, seguindo uma estrutura europeia de colonização. Minha família passou por todo esse processo de assimilação, e eu também fiz parte dele para deixar de ser considerado “preto” e me tornar “preto assimilado,” que era mais próximo do “branco.” Essa foi a minha realidade durante a infância.

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Minha consciência sobre as minhas raízes veio muito depois, mas nunca é tarde para ratificar e reconhecer o lugar de onde viemos. Foi uma luta muito intensa. Apesar de meus pais falarem as línguas locais e praticarem todos os rituais tradicionais no cotidiano, como as homenagens aos antepassados e missas não católicas, pouco se falava os idiomas locais em casa. O português predominava. Esse sistema era amplamente apoiado pela escola.

O problema que enfrentamos hoje, não apenas em Moçambique, mas no mundo todo, é que a colonização ainda é muito evidente no sistema educacional. Isso muitas vezes nos impede de nos situar e de nos reconhecermos verdadeiramente como um povo africano. Eu mesmo passei por todo esse processo.

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(Foto: Paulo Alexandre/divulgação)

O que é a cultura africana para você?
A cultura africana não está relacionada com a maneira como você se veste ou com suas atividades diárias. Não diz respeito às práticas cotidianas, mas sim à sua consciência, ao que você valoriza dentro dessa estrutura. Sua consciência está intrinsecamente ligada ao seu corpo e ao seu sangue.

Como começou esse processo de autodescoberta?
Quando eu tinha 14 anos, no momento em que Moçambique se tornou independente. Na escola, eu sofria bullying. Sendo uma criança e acompanhando uma revolução que era completamente nova para mim, eu desejava fazer parte dessa mudança, mas fui rejeitado. Diziam que uma pessoa de origem mista (miscigenada) não tinha uma bandeira, ou seja, eu não era suficientemente negro, não tinha cabelo crespo, mas também não era branco. Não me encaixava em nenhum dos lados. Tudo isso foi muito difícil, mas serviu para que eu pudesse me reconectar com as minhas origens, que são negras.

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E como foi a reação dos seus pais a essa transformação? Isso gerou algum estranhamento em casa?
Meus pais tinham posicionamentos muito diferentes um do outro. Minha mãe estudou apenas até a 4.ª série, pois as mulheres não tinham acesso a mais educação naquela época. Aquelas que estudavam eram consideradas muito privilegiadas. Meu pai também não teve a oportunidade de estudar, ele era caminhoneiro. No entanto, eles aceitaram todas as mudanças que eu desejava fazer em minha vida, porque buscavam o melhor para mim.

Houve momentos engraçados ao longo desse processo. Minha mãe, por exemplo, nunca aceitou que escolhesse a música como minha profissão. Até mesmo quando chegou aos 90 anos, ela continuava me perguntando se eu já havia arranjado um emprego. Nós ríamos muito disso.

Meu pai, que faleceu mais cedo, tinha uma abordagem diferente. Ele esteve presente no meu primeiro espetáculo, que foi um concurso de música. Minha mãe costumava contar que ele dizia repetidamente para os outros: ‘Este é o meu filho, é o meu filho’. Ele estava muito orgulhoso de mim.

A influência que meus pais exerceram sobre mim nunca foi impositiva, mas eu usei muito a imagem que tinha deles para não seguir o mesmo caminho, para não me submeter da mesma forma que eles fizeram. Eles foram incríveis em sua forma de me criar, mas eu desejava ter minha própria visão de como queria viver a minha vida.

Você fala com muito afeto sobre eles, apesar de estabelecer essa separação identitária.
Isso é muito profundo porque em Moçambique, apesar de eu não ter enfrentado uma relação racista devido à minha negritude, o racismo não era tão visível; havia uma espécie de magia da miscigenação na terra. Mesmo sabendo que em outros lugares essa relação poderia ser muito mais violenta. Vindo de uma família que, em termos de estrutura, respeitava profundamente os antepassados, isso me incutiu um respeito contínuo pelos meus pais.

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O envolvimento com a música está relacionado a esse período de emancipação?
Ingressei no mundo da música por meio da dança. Tinha 12 anos quando comecei a dançar em um grupo cultural, que se dedicava à música tradicional. E, por meio dos músicos que nos acompanhavam, fui absorvendo essa cultura. Naquela época, eu estava mais desconectado de uma consciência social, e meu interesse era mais de natureza artística.

O interessante é que as primeiras músicas que toquei não tinham qualquer relação com a tradição moçambicana; eram canções brasileiras, de artistas como Roberto Carlos e Lindomar Castilho. O processo de me afastar dessas influências e me reconectar com minhas raízes culturais foi longo e doloroso. Foi uma dor necessária, porque me permitiu retomar uma compreensão genuína do que os meus antepassados viveram. Todos esses fatores me ajudaram a definir a direção que eu queria seguir.

Em que idade esse processo começou?
Quando me tornei consciente, aos 20 anos. Foi nesse momento que me juntei a um grupo chamado Orquestra Marrabenta, que viajou pelo mundo todo, levando a essência da música popular moçambicana para fora do país. Foi durante essas viagens que comecei a me deparar com artistas africanos que estavam profundamente enraizados em suas culturas. Eles se tornaram exemplos do caminho que eu desejava seguir.

É muito comum dizerem que você busca, nas suas músicas, a mistura do tradicional e do contemporâneo. Como foi essa investigação nas suas raízes? Apesar do colonialismo e da assimilação, imagino que parte dessas tradições tenham sido preservadas através da música.
Sem dúvida. Essa investigação começou quando percebi que a música africana possui uma identidade própria e é um reflexo da vida cotidiana das pessoas. Há músicas específicas para cada fase da vida, desde o nascimento de uma criança até a fase em que ela começa a brincar, com rituais e brincadeiras profundamente enraizados na tradição.

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A música está intrinsecamente ligada a atividades como a construção de cabanas, o transporte de cargas, a busca por água no poço e muitas outras. Cada ação é acompanhada por cantos e ritmos específicos. Até mesmo a morte tem sua própria música. A música e a dança estão sempre interligadas, uma traz o ritmo e a outra traz a expressão visual.

É bastante desafiador explicar aos estrangeiros, como aos brasileiros e europeus, como a música africana é construída. Você pode aprender a tocar um instrumento como a marimba, mas se não entender a alma por trás da música, aqueles que realmente compreendem vão perceber que você está tocando mecanicamente.

Gostaria de explorar mais sobre a sua formação musical na infância, mas à medida que você fala, fica claro que não houve um momento específico de formação, mas sim uma vida moldada pela música, certo?
Exatamente. Vou compartilhar uma história. Há cerca de 25 anos, fui convidado para ensinar percussão a um renomado ator francês negro chamado Alex Descas. Ele tinha uma cena em que precisava tocar batuques africanos. Fiquei surpreso com o convite, pois parecia inconcebível que um africano não soubesse tocar um instrumento tão fundamental como o batuque. A percussão está profundamente ligada à cultura e à tradição, e é muito desafiador aprendê-la apenas na escola.

Durante meus três anos de estudos na Berklee College of Music, nos Estados Unidos, meus professores sempre enfatizaram a importância de não perder o que eu já tinha antes de entrar na escola. Eles alertaram que muitos músicos que se tornam excessivamente mecânicos em sua abordagem acabam não obtendo sucesso profissional. Combinar metodologia com a alma é essencial para criar uma música autêntica.

Dizem que a África é rica em melodia e ritmo, enquanto os brasileiros se destacam na harmonia, assim como os europeus devido às grandes orquestras. Atualmente, vemos músicos africanos que conseguiram integrar essas diferentes influências. Eles frequentaram a escola, mas mantiveram vivas as tradições que aprenderam em seu cotidiano. Acredito que a educação formal pode ser uma ferramenta valiosa para sistematizar e criar uma linguagem universal que conecta sua música à cena global.

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Chamou atenção o ponto em que você disse ser impensável que um negro africano não soubesse tocar instrumento de percussão. Fiquei pensando que esse poderia ser facilmente confundido com um estereótipo sobre um povo.
É uma observação importante. Atualmente, em Moçambique, temos uma nova geração de músicos que é muito menos propensa a absorver esses ritmos de forma natural em comparação com o que ocorria há 20 ou 30 anos. Eles cresceram em uma era digital e podem demonstrar desinteresse em relação às tradições musicais. Em meus espetáculos, consigo identificar quem dança as músicas de forma autêntica, com beleza e sincronia naturais, e quem faz um esforço considerável para executar movimentos que deveriam ser inerentes a nós. Há um descolamento social em relação às nossas origens culturais.

Quando estrangeiros visitam Moçambique, muitas vezes esperam encontrar a essência da África, mas nas cidades cosmopolitas, é preciso procurar profundamente para encontrá-la. Ainda existem bairros e comunidades que mantêm vivas as tradições culturais, e eu valorizo muito esses grupos, procurando oferecer oportunidades para que o seu trabalho de preservação da cultura moçambicana continue a prosperar.

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(Foto: Paulo Alexandre/divulgação)

Há também uma influência significativa da música pop internacional. Muitos artistas podem acreditar que essa é a rota mais segura para alcançar o sucesso. No entanto, até que ponto isso ameaça a cultura tradicional?
Isso depende de como essa influência é incorporada. Observo a realidade brasileira, onde muitas pessoas se envolvem na valorização da música africana, mas o fazem de forma superficial. Pessoalmente, defendo a ideia de que, se você deseja se dedicar à música africana, deve adquirir um conhecimento profundo sobre o que está tocando e compreender a estrutura construída desde suas raízes. Quando faço colaborações com músicos brasileiros excepcionais, percebo que a linguagem musical é completamente diferente. Muitos têm dificuldade em tocar melodias africanas de forma autêntica, o que se deve a questões técnicas, mas eles se aproximariam mais do estilo se investissem tempo em uma investigação prévia.

Cantar sobre a África, Zumbi dos Palmares ou a negritude não transforma alguém em um intérprete genuíno da música africana. Minha primeira experiência musical foi com o reggae, mas levei tempo para perceber que, se quisesse seguir por esse caminho, teria que estudar profundamente a essência dessa música. Não posso tocar samba, por exemplo, apenas superficialmente; é necessário compreender a verdadeira essência do samba.

E como foi a sua experiência nos EUA? Naquele momento, você já estava seguro sobre o que queria?
Sim, quando fui para os Estados Unidos, tinha 37 anos e estava bastante seguro sobre o que pretendia conquistar no mercado americano. Foi um período incrível, repleto de aprendizado. Minha música não ganhou grande visibilidade na escola em que estudei, mas deixei uma marca. Três anos após minha saída da escola, fui convidado para fazer parte do comitê de bolsas de estudo para estudantes africanos e conseguimos enviar dois estudantes de Moçambique para estudar lá. Eles já se formaram e se tornaram músicos talentosos. Ao longo do tempo, retornei aos Estados Unidos para dar palestras.

No entanto, quando você foi para os EUA, você já era um músico bastante conhecido em Moçambique. O que exatamente você estava procurando?
Eu estava em busca de espaço, de um mercado mais competitivo e que levasse a profissão musical mais a sério. Em Moçambique, a música sempre foi algo natural, nunca foi vista como um meio de sobrevivência, mas sim como uma forma de sustentar nossa cultura.

“Muitos dizem que minha música tem influência da música brasileira, mas eu respondo que é o contrário: o Brasil tem influência da minha música, da música africana.” – Stewart Sukuma

Também é importante considerar a dificuldade de se inserir nas culturas americana e europeia.
A história da arte africana é muito mais recente em comparação com a arte europeia. O que os americanos e europeus consideram como arte africana muitas vezes era parte integrante da vida cotidiana. Por exemplo, a escultura não era criada para ser vendida; eram estátuas que serviam para homenagear os deuses e espíritos, ou para expressar gratidão ao deus da chuva e a outras divindades responsáveis por boas colheitas. Somente muito mais tarde é que os europeus passaram a considerar essas obras como arte.

E, na verdade, era a arte europeia que era considerada profana, não a africana.
Exatamente, aquilo que eles consideravam arte era a nossa forma de viver. As pinturas rupestres feitas nas rochas não eram uma demonstração de talento das pessoas que as criaram; eram registros de momentos da vida. A identidade do povo africano, em sua totalidade, é construída a partir da interpretação que damos a todas essas histórias. Portanto, é essencial interpretá-las com profundidade e não de maneira superficial para evitar distorções na história, na estrutura e na cultura africana.

Você veio para São Paulo para realizar shows, mas também para ministrar uma oficina na qual resgata muitas brincadeiras de sua infância em Moçambique. Parece haver um forte interesse em dialogar com a educação.
Sim, considero que entre os 5 e 10 anos é o período em que as crianças começam a desenvolver suas personalidades, e é nessa fase que os pais deveriam estar atentos para identificar e desenvolver as habilidades naturais de seus filhos. Eles não devem impor uma educação estritamente ocidental, mas sim adaptar a educação conforme a consciência de cada criança. Primeiro, é fundamental entender o que cada criança precisa para se desenvolver, para só depois introduzir matérias como matemática, biologia, física e química.

Acredito que o processo que vivenciamos atualmente é perigoso, pois perdemos o controle sobre muitos aspectos de nossas vidas. Ficou nas mãos daqueles que buscam dominar o mundo, e nosso foco se estreitou em uma única perspectiva.

Você acha que tudo isso deve ser incorporado ao processo educacional?
Mais do que nunca, especialmente devido ao processo de urbanização que está sujeito a uma neocolonização impositiva. Grandes exemplos disso são os americanos com a indústria cinematográfica e musical, impondo suas influências. Como contrapartida, a educação deve abraçar esses princípios. Para mim, a educação é a formação do indivíduo, não apenas a formação técnica. No momento em que as crianças são alfabetizadas, elas devem ser expostas ao que é mais importante na vida: o desenvolvimento de sua identidade como indivíduos, antes mesmo de focar em suas futuras carreiras profissionais.

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E como a música se encaixa nisso?
Além de ter um impacto cognitivo nas crianças, a música é um elemento profundamente apaziguador. Ela influencia a vida das pessoas. Se as pessoas forem educadas com a presença das artes em seu cotidiano, sua sensibilidade se desenvolverá de forma diferente. A música é harmonia e ritmo, e muitas vezes as pessoas não associam esses elementos à harmonia que deveria existir entre as pessoas na realidade. No entanto, a realidade também é composta por elementos como ritmo, melodias e harmonia.

Como você enxerga a indústria fonográfica atualmente, e o que é necessário para torná-la mais plural e equitativa em termos raciais e de gênero, inclusive nos line-ups de festivais como o Sesc Jazz?
Não tenho uma resposta ou solução para isso. Acredito que precisamos ser proativos. Aqueles que desejam mudar a indústria devem estar cientes de que enfrentarão uma luta árdua para que as tendências e a música que consideramos saudável e orgânica sejam ouvidas. É uma batalha de posicionamento. Não podemos esperar que as pessoas aceitem essa mudança de maneira pacífica. A luta deve ser constante, mesmo que não vejamos resultados completos em nossa geração.

Você tem uma longa relação com o Brasil, não é?
Sim, tenho. Inicialmente, a relação com o Brasil foi imposta pelo mercado musical, pois a música brasileira era ouvida em todos os lugares. No entanto, depois disso, comecei a explorar a música de artistas como Gilberto Gil, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Martinho da Vila e Paulinho da Viola. Não apenas ouvia suas músicas, mas também conhecia suas histórias e suas trajetórias como músicos negros no Brasil. Isso criou uma conexão muito forte. Não podemos esquecer que o Brasil tem influências de Moçambique, Angola, Benin e Gana. Esses laços, mesmo que não sejam evidentes todos os dias, estão presentes.

Muitos dizem que minha música tem influência da música brasileira, mas eu respondo que é o contrário: o Brasil tem influência da minha música, da música africana. A única coisa que estou fazendo é compartilhar com os brasileiros aquilo que eles conseguiram fazer melhor: divulgar a música africana. Muitas pessoas não percebem essa conexão porque não têm conhecimento para identificá-la. Portanto, minha relação com o Brasil é muito forte, muito mais do que eu mesmo compreendo. Quando falamos de Zumbi dos Palmares, há uma identidade que nos une profundamente

Teve algum momento de virada em sua carreira que tenha sido marcante para chegar ao patamar atual?
Sim, houve momentos cruciais. A gravação da minha primeira música em 1982 foi um desses momentos. Foi quando me ouvi pela primeira vez em uma gravação e percebi que havia uma possibilidade ali. Eu era uma criança que não esperava absolutamente nada, mas as coisas foram se desenrolando ao longo do caminho. Não fiz nenhuma projeção específica; as coisas simplesmente foram acontecendo. Sempre permiti que os eventos determinassem a direção que minha carreira seguiria.

Os momentos em que me apresentei no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e no Ibirapuera, no Brasil, também foram incrivelmente significativos, abrindo muitas portas profissionalmente. Todos os sonhos que tive quando era criança, que mantive em segredo, tornaram-se realidade ao longo do tempo.

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